Banco de Portugal arrasa reestruturação da dívida de Vieira no Novo Banco

O Banco de Portugal defendeu, numa nota dos serviços consultada pelo ECO, que o plano do Novo Banco para as dívidas de Luís Filipe Vieira é “pouco realista” e tem “pouca aderência à realidade”.

O presidente do Conselho de Administração da Promovalor, Luís Filipe Vieira, fala perante a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, na Assembleia da República, em Lisboa.António Cotrim/Lusa 10 maio, 2021

A reestruturação da dívida do grupo de Luís Filipe Vieira no Novo Banco levantou muitas dúvidas ao Banco de Portugal em 2018. Ainda assim, a operação avançou sem a oposição do Fundo de Resolução porque, quando foi chamado a pronunciar-se, no âmbito do acordo de capital contingente negociado com a venda ao Lone Star, já o processo estava em curso (havia iniciado em 2016) e o banco tinha assumido compromissos com a Promovalor, pelo que existiam riscos de reputação e de indemnizações caso tivesse “chumbado” a operação. Para esclarecer as questões levantadas pelos serviços do Banco de Portugal, foi pedida uma auditoria independente a este acordo para avaliar os seus méritos e quais as perspetivas de recuperação das dívidas do presidente do Benfica. Este trabalho está prestes a ser concluído pela BDO.

Entre outras falhas detetadas, os técnicos do Banco de Portugal concluíram que o plano de negócios do fundo de investimento alternativo especial (FIAE) que ficou com os créditos e ativos do grupo imobiliário de Vieira é “ambicioso e pouco realista” e com “pouca aderência à realidade”, nomeadamente no que diz respeito aos projetos a desenvolver no Brasil.

“O plano de negócios do FIAE afigura-se ambicioso e pouco realista, pressupondo novos financiamentos, não sendo seguro que o FIAE venha a ter condições para os obter (tanto quanto mais que o Novo Banco não se comprometeu a conceder esse financiamento, o que é positivo na perspetiva da manutenção da exposição do Novo Banco, mas concorre para a conclusão de que o plano de negócios do FIAE poderá não ser exequível)”, indicava uma nota informativa produzida pelos serviços do Banco de Portugal no dia 14 de novembro de 2018 e que o ECO consultou.

O que está previsto no plano de negócios? Que o fundo vai gerar receitas suficientes para o pagamento integral de todos os financiamentos concedidos pelo banco à Promovalor (mais de 200 milhões), incluindo os 160 milhões de euros dos chamados VMOC (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis).

Há um calendário e metas para o desempenho do fundo:

  • Ano 5: amortização de 60 milhões de euros de dívida bancária (algo que não vai ser cumprido, devido à pandemia, segundo Vieira);
  • Ano 10: amortização de 250 milhões de euros de dívida bancária e capital subscrito (valores acumulados);
  • Ano 25: amortização de 350 milhões de euros de dívida bancária e capital subscrito (valores acumulados).

Para o Banco de Portugal, é “pouco prudente” assumir que os VMOC vão ser reembolsadas tendo em conta os obstáculos que o plano de negócios vai ter pela frente. Até o Novo Banco tem o valor dos VMOC provisionados a 100% nas suas contas, o que é um indício de “falta de crença” no plano de negócios do FIAE, argumentou o supervisor.

As dúvidas quanto à execução do plano de negócios não ficam aqui. Um dos principais pressupostos do fundo passa pelo desenvolvimento dos projetos imobiliários, o que vai implicar mais financiamento bancário. Ora, “não se considera provável” – disse o Banco de Portugal — que outro banco queira financiar estas iniciativas tendo em conta que os ativos estão hipotecados ao Novo Banco. Nessa medida, terá de ser o Novo Banco a ter de financiar estes projetos sob pena de se perder “a margem de promoção imobiliária” incorporada no plano de negócios.

No âmbito desta reestruturação, foram transferidos créditos na ordem dos 134 milhões de euros do Novo Banco para o FIAE (em troca de 96% das unidades de participação do fundo), tendo sido ainda reestruturados pelo banco financiamentos existentes de 85,8 milhões de euros.

Por seu turno, foram integrados no fundo mais de duas dezenas ativos imobiliários localizados em Portugal Espanha, Brasil e Moçambique, negócios que Vieira acredita que vão pagar todas as dívidas junto do Novo Banco, incluindo os VMOC de 160 milhões. Mas muitos destes projetos ainda se encontram por desenvolver.

Além dos VMOC, também a dívida da Imosteps no valor de 54 milhões ficou de fora desta reestruturação. Esta dívida foi vendida no pacote Nata 2 ao fundo Davidson Kempner por 4 milhões, tendo sido adquirida, entretanto, pelo sócio de Vieira e dono da Valouro, José António dos Santos, numa transação que foi amplamente discutida no Parlamento.

15 milhões em comissões para a Capital Partners

Por outro lado, também a escolha da C2 Capital Partners mereceu observações duras por parte do supervisor: não houve um “processo competitivo e transparente” no processo de seleção da sociedade gestora do FIAE, o que seria o mais adequado tendo em conta a existência de relações de proximidade entre as duas partes.

O Banco de Portugal lembrou que havia “acionistas comuns” e “relações/interesses de índole comercial/profissional comuns” entre a Promovalor e a C2 Capital Partners. Designadamente, apontou o facto de Tiago Vieira, filho do presidente do Benfica, ter participações diretas em ambos os lados e ser também administrador da sociedade gestora, enquanto Nuno Gaioso Ribeiro, fundador da C2 Capital Partners, exercia também o cargo de vice-presidente do clube encarnado. Isso já não acontece atualmente.

Entretanto, conforme revelou esta segunda-feira Luís Filipe Vieira no Parlamento, o seu filho deixou a administração da sociedade gestora e vendeu também a sua participação. Sendo que o banco liderado por António Ramalho também já havia justificado junto do Banco de Portugal que a contratação da C2 Capital Criativa se deveu à “capacidade negocial” da sociedade gestora junto “dos acionistas e avalistas da Promovalor”.

Outro reparo deixado pelo Banco de Portugal: as comissões fixas que vão ser pagas à sociedade gestora de Nuno Gaioso Ribeiro podem ascender a 15 milhões de euros ao longo dos 25 anos de vida do fundo (600 mil euros por ano), não havendo um “alinhamento de incentivos” a que prossiga uma estratégia ativa para reembolsar as unidades de participação ao banco.

Também aqui Novo Banco defendeu-se junto do supervisor, argumentando que a remuneração da C2 Capital Criativo se encontra “em linha com a prática do mercado”. Já o Banco de Portugal notou que 600 mil euros de comissões por ano representa um aumento superior a 50% do volume de negócios da C2 Capital Criativo. Isto além da comissão variável em função dos reembolsos do FIAE.

Execução imediata daria perdas de 126 milhões

Apesar de todas as dúvidas quanto a este acordo entre o banco e a Promovalor, o Banco de Portugal reconhece que a alternativa à reestruturação produziria, “com elevada probabilidade”, um “pior resultado” para o Novo Banco, segundo os técnicos do supervisor. Esta ideia já tinha sido partilhada por Nuno Gaioso Ribeiro há poucos dias no Parlamento.

A nota informativa do Banco de Portugal apresenta os números desse cenário alternativo: “Com referência a 30 de setembro de 2018, considerando a exposição do Novo Banco à Promovalor e ao FIAE, o VVI [valor de venda imediata] dos ativos e os limites de dívida que os mesmos garantem, a execução de todas as hipotecas implicaria perdas mínimas de 126 milhões de euros”.

Contas feitas, o impacto no acordo de capital contingente superaria os 300 milhões de euros (a serem suportados pelo Fundo de Resolução), isto tendo em conta que o banco já tinha registado imparidades de 180 milhões de euros — sobretudo relacionadas com os tais 160 milhões das VMOC.

BDO prestes a concluir auditoria independente

Face às dúvidas levantadas, e tendo em conta que o Fundo de Resolução não podia dizer nem sim (pois tratava-se de um ato de gestão que compete ao banco e que não lhe cabe validar) nem não (pois poderia invalidar a operação com encargos que poderiam daí advir), os serviços do Banco de Portugal recomendaram “uma análise independente à operação de reestruturação e à obtenção de uma opinião sobre os seus méritos e sobre o plano de negócios do fundo e as expectativas de recuperabilidade” dos créditos da Promovalor.

É o que está prestes a ser concluído pela auditora BDO, segundo adiantou Luís Filipe Vieira esta segunda-feira. “A auditoria está a terminar”, disse. Será entregue a “breve trecho”, acrescentou o presidente do Novo Banco.

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