Da raiva dos jovens ao fim do carvão, os altos e baixos da primeira semana de COP26
A segunda semana de negociações poderá trazer resultados mais fortes, sendo que o aspeto principal, limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius, está infelizmente muito aquém, diz a Zero.
Este foi o primeiro aviso que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, fez aos líderes mundiais no primeiro discurso na cerimónia de abertura da COP26, no passado domingo, 31 de outubro: “A raiva e impaciência do mundo serão impossíveis de conter” se não conseguirem entender-se para conter as alterações climáticas, uma “máquina do apocalipse” que é preciso desarmar.
Johnson avisou que estão a observá-los “milhares de milhões de olhos desconfiados, nervosos e desencantados e ainda milhares de milhões de olhos dos que ainda não nasceram”, que olharão para trás “com raiva ainda maior” se a cimeira os desiludir.
Agora, quando termina a primeira das duas semanas de Cimeira do Clima em Glasgow, a previsão do primeiro-ministro britânico cumpriu-se. Esta sexta-feira, jovens de todo o mundo exigiram ser “decisiva e significativamente envolvidos” no processo de decisão das resoluções da 26.ª cimeira do Clima das Nações Unidas, cuja presidência recebeu uma declaração subscrita por 40.000 pessoas.
Greta Thunberg também criticou a reunião das Nações Unidas (COP26), que dedicou o último dia da semana à Juventude, por não ser suficientemente inclusiva e por ser ter tornado num “festival de propaganda ambiental do norte do mundo”.
“Uma celebração ao longo de duas semanas do ‘business as usual’ e blá, blá, blá”, escreveu na rede social Twitter.
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O presidente COP26, Alok Sharma, comprometeu-se a levar as exigências aos delegados da cimeira, assumindo não saber se “estarão de acordo com todos”.
“Compreendo a tensão, a energia e até à raiva dos jovens. Vocês precisam de nós e nós precisamos de vocês”, afirmou. Alok Sharma argumentou que os líderes mundiais e as delegações que negoceiam compromissos mais ambiciosos de redução de emissões poluentes e financiamento climático na cimeira “falam de biliões, de transição energética, e tudo isso se traduz em tentar ter um impacto em vidas de pessoas individuais em todo o mundo”.
“Não se esqueçam que as nossas vidas e futuros estão nas vossas mãos”, disse a ativista Ester Sanchez, do grupo Conferência da Juventude. “É crucial que a COP26 se envolva de forma significativa com a Declaração Global da Juventude”.
Do “Basta” de Guterres à desilusão chinesa
A primeira semana foi marcada pelos discursos dos líderes políticos, com destaque para os discursos dos chefes de Estados e primeiros-ministros dos países mais relevantes, quer em termos do peso das suas economias, quer em termos de responsabilidade histórica nas emissões que contribuem para o aquecimento global”, contou ao ECO Francisco Ferreira, presidente da Zero, que marca presença em Glasgow.
O ambientalista conta que “houve também discursos marcantes de pequenos países fortemente já afetados pelas alterações climáticas, com o Secretário-Geral das Nações Unidas a repetir a palavra “basta”, apelando à necessidade de mudarmos um curso que conduz à extinção de pelo menos parte da humanidade”.
Na sua opinião, uma das grandes desilusões da emana foi a a confirmação da ausência do presidente Chinês Xi Jinping e a ausência de novos anúncios significativos da parte da China em termos da contenção da emissão de gases com efeito de estufa, em particular de redução das emissões já a partir de 2025.
“Os presidentes da Rússia e do Brasil também decidiram não comparecer, o que não ajudou em termos do sinal que os líderes devem passar sobre a importância deste problema e deste evento decisivo”, defende Francisco Ferreira.
O que disse Portugal na COP26?
Além do levantar de tom por parte dos jovens ativistas, o fim da primeira semana de COP 26 ficou também marcado pela estreia de Portugal na Cimeira, com a participação do ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, e o Fundo Portugal Blue, no dia dedicado à juventude e aos oceanos.
Quem também por lá brilhou foi a elétrica portuguesa EDP. A empresa portuguesa foi convidada pela organização a intervir em diferentes fóruns, conferências e grupos de trabalho ao longo destas duas semanas. No Dia da Energia, que decorreu esta passada quinta-feira, Miguel Setas representou a EDP em duas importantes conferências: ‘Make Coal History’ e ‘Powering the World Past Coal’, refletindo a importância de se assumir o fim do carvão na produção de energia e nas quais a EDP reafirmou o objetivo de ser ‘coal free’ até 2025.
Na sexta-feira, 6 de novembro, a EDP participou num debate sobre o Artigo 6.º do Acordo de Paris (‘Article 6, Why it matters to businesses?’) e ainda numa conferência sobre o impacto das renováveis (‘Impact Renewables: How should companies’ renewable energy strategies evolve to consider social and environmental justice?’).
Durante a segunda semana de COP, está ainda prevista a participação da EDP em diferentes conferências até ao dia 10 de novembro, com especial destaque para o dia 9 (terça-feira), em que será discutido o potencial e futuro do hidrogénio — este é também o dia em que haverá intervenções do Governo português — e no dia 10, em que o tema forte será a mobilidade elétrica.
Os dois eventos são ‘The Roadmap to Net-zero with Hydrogen’ e ‘Future-fit utilities and the Electric Mobility Revolution’.
Ao longo destas semanas irão ainda decorrer várias reuniões bilaterais e intervenções em grupos de trabalho que poderão resultar em novos acordos ou compromissos.
Fim do carvão está finalmente “à vista”?
Um dos principais momentos que marcou a primeira semana foi a vitória declarada pela presidência britânica da COP com o novo documento “Global Coal to Clean Power Transition” (“Declaração de Transição Global de Carvão para Energia Limpa”), que a EDP fez questão de assinar. Os britânicos querem pôr finalmente o fim do carvão “à vista”.
Os signatários — 44 países e 32 empresas e regiões, incluindo países com uso intensivo de carvão, como o Vietname, a Ucrânia e a Polónia — comprometem-se a acelerar a transição para as energias renováveis e abandonar o uso de carvão. O objetivo é completar este processo na década de 2030 para os países mais desenvolvidos e na década de 2040 para os outros países.
“A declaração marca um momento relevante nos nossos esforços globais para combater as alterações climáticas, à medida que nações e empresas de todo o mundo se unem em Glasgow para declarar que o carvão não tem qualquer papel a desempenhar no nosso futuro sistema de energia. Os ambiciosos compromissos assumidos pelos parceiros demonstram que o fim do carvão está à vista. O mundo está a mover-se na direção certa, pronto para selar o destino do carvão e abraçar os benefícios ambientais e económicos da construção de um futuro movido por energia limpa”, disse Miguel Setas ao ECO/Capital Verde. Apesar da desconfiança de muitos na COP26, o administrador da EDP Miguel Setas diz que é “possível”.
Muitos especialistas não partilham o entusiasmo sobre o documento sobre o carvão, argumentando mesmo que “ficou demasiado aquém” do que era necessário fazer só no que ao carvão diz respeito, uma indústria que deveria estar a entrar na sua “fase terminal de declínio”.
A Zero sublinha que, no contexto europeu, este acordo inclui a Polónia, um país fortemente dependente do, mas com centrais a carvão cujo funcionamento está planeado até 2049. “Note-se que face à dimensão do país, a eliminação do uso do carvão deveria ter lugar já em 2030. Infelizmente, países como a China, ìndia e os Estados Unidos ficaram de fora”, sublinha Francisco Ferreira.
112 mil milhões para a Aliança Financeira de Glasgow
Do lado financeiro, uma aliança de 450 empresas financeiras anunciou na cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas o compromisso de investir 112 mil milhões de euros na transição para uma economia descarbonizada, até 2050.
Com a nova promessa de financiamento, a Aliança Financeira de Glasgow para as Zero Emissões Líquidas, criada em abril para mobilizar estes fundos, duplica os 60 mil milhões de euros avançados até agora, segundo o presidente da iniciativa, Mark Carney.
As empresas terão agora de desenhar planos de financiamento verde baseados em informação científica e fixar metas intermédias para 2030.
Menos 30% de emissões de metano até 2030
Outro compromisso que já saiu de Glasgow diz respeito ao metano. Mais de 100 países, entre eles Portugal, mas também os Estados Unidos e a União Europeia, enquanto entidade, comprometeram-se a reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, em comparação com 2020. De fora ficam países como a China, Índia e Rússia.
“Os Estados Unidos, a União Europeia, e parceiros, lançaram formalmente o Global Methane Pledge (Compromisso Global do Metano), uma iniciativa para reduzir as emissões globais de metano e manter possível o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus celsius (acima dos valores médios da era pré-industrial). Um total de mais de 100 países, representando 70% da economia global e quase metade das emissões antropogénicas de metano, subscreveram agora o compromisso”, refere um comunicado do governo dos Estados Unidos.
Para a associação ambientalista Zero, que marca presença em Glasgow, o metano é a peça chave para reduzir as emissões até 2030 e por isso “o acordo alcançado foi um passo significativo”, disse Francisco Ferreira ao ECO.
“O metano é um gás com um potencial de aquecimento mais de 80 vezes o do dióxido de carbono a 20 anos, mas com um tempo de vida média na atmosfera muito mais curto que o dióxido de carbono: só cerca de 12 anos, em comparação com os mais de 100 anos do dióxido de carbono, pelo que só cortando nas emissões de metano se consegue reduzir o efeito de estufa rapidamente. Além disso, o metano é gás natural, que tem um valor económico, pelo que reduzir as suas emissões, por exemplo evitando fugas, é fácil e custo eficaz”, explicou.
De acordo com o documento, a concretização do Compromisso Global de Metano reduzirá em pelo menos 0,2 graus celsius o aquecimento global até 2050, “proporcionando uma base fundamental para os esforços globais de mitigação das alterações climáticas”.
Combate à desflorestação até 2030
A par com o metano, os líderes mundiais de 105 países vão comprometer-se a deter a desflorestação até 2030 para combater as alterações climáticas, um compromisso considerado demasiado distante pelos ambientalistas. A iniciativa, que beneficiará de um financiamento público e privado de 19,2 mil milhões de dólares (16,5 mil milhões de euros).
A Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra cobrirá florestas totalizando mais de 33,6 milhões de kms quadrados. Sobre este acordo, a associação ambientalista Zero — que está em Glasgow — diz que o mesmo tem aspetos positivos, mas sobretudo negativos: “Face à emergência climática 2030 é uma data demasiado longínqua”.
Sobre Portugal, a associação diz que tem vindo a dar uma fraca atenção à reflorestação, apesar de assinar agora esta declaração.
“Trata-se de acordo importante, a merecer especial atenção, já que mais de 100 países, incluindo o Brasil, se comprometem a acabar com a desflorestação até 2030. O conjunto destes países representa cerca de 85% das florestas mundiais. O acordo contempla um financiamento importante, em termos de fundos públicos e privados, de cerca de 20 mil milhões de dólares para pagar a proteção das florestas“, diz Francisco Ferreira.
Índia surpreende: quer ser neutra em carbono até 2070
A grande surpresa da semana foi para a Índia, terceiro país mais poluidor do mundo, quando o primeiro-ministro Narendra Modi, subiu ao palco para anunciar alto e em bom som que o seu país atingirá a neutralidade carbónica em 2070, reduzindo até 2030 as suas emissões poluentes em mil milhões de toneladas.
Não sendo “particularmente ambiciosas”, diz a Zero, estas metas “são um sinal importante em termos de comprometimento futuro daquele que é o terceiro maior país em termos de emissões no mundo”.
Modi disse, no entanto, que o país precisa de ajuda financeira para o fazer. Algo como 1 bilião de dólares. Acrescentou ainda que o país aumentará até 2030 a sua capacidade de produção de energia a partir de fontes renováveis para 500 gigawatts, conseguindo assim satisfazer 50% das suas necessidades energéticas sem utilizar combustíveis fósseis.
Também em 2030, o país, responsável por 5% das emissões de gases com efeito de estufa, reduzirá em 45% a dependência de carbono da sua atividade económica, indicou Narendra Modi, que anunciou assim a contribuição destas cinco metas como “cinco elixires” para o combate às alterações climáticas.
“A expectativa da Índia é que as nações mais desenvolvidas do mundo disponibilizem um bilião de dólares para financiamento do clima o mais rápido possível”, disse Modi. “A justiça exigiria que as nações que não cumpriram os seus compromissos climáticos sejam pressionadas.”
Na opinião de Franco Ferreira, da Zero, associação que este sábado participou na mega manifestação em Glasgow, “estão lançadas as questões para uma segunda semana de negociações mais detalhadas, onde é possível ainda aumentar a ambição para resultados mais fortes, sendo que o aspeto principal, limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius está infelizmente muito aquém”.
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