Preço das casas não vai descer apesar das novas regras nos vistos gold
Governo aprovou travões aos vistos gold por considerar que o regime contribui para a especulação imobiliária. Setor diz que novas regras não terão grande impacto nos preços das casas.
A partir deste sábado, 1 de janeiro de 2022, obter um visto gold não será tão simples. O Governo pôs um travão aos investimentos imobiliários feitos no litoral, incluindo Porto e Lisboa, limitando a atribuição de golden visa apenas à compra de imóveis comerciais, como lojas ou escritórios. O Executivo considera que o regime tem contribuído para a especulação imobiliária, mas o setor diz que as novas regras não farão baixar os preços das casas.
“Neste momento, os vistos gold não resolvem o problema da população portuguesa na cidade de Lisboa e no Porto e, portanto, é altura de retirar esses instrumentos nessas cidades e tentar que possam beneficiar outras regiões do país“, disse o ministro das Infraestruturas e Habitação em janeiro de 2020, numa altura em que já se conhecia a intenção do Executivo em impor um travão a este programa, criado em 2012.
E foi isso que acabou mesmo por acontecer este ano. Em fevereiro, foram aprovadas alterações ao programa de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), de forma a canalizar os investimentos para o interior do país. Assim, a partir deste sábado, 1 de janeiro, deixa de ser possível obter um visto gold nas cidades do litoral, incluindo Porto e Lisboa, através da compra de uma habitação. Mas, continua a ser possível obtê-lo nestas cidades, desde que se trate de um imóvel comercial.
A Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) esteve sempre à espera que o Governo recuasse nesta medida, mas a crise política veio deitar por terra qualquer esperança. “Ainda tínhamos alguma esperança que se pudesse rever o que estava previsto, mas sem Parlamento isso nem sequer é possível”, diz ao ECO o presidente da associação, notando que a dissolução da Assembleia da República “foi prejudicial ao programa”.
Patrícia Barão, responsável pela área de residencial da JLL, nota que as alterações que entram em vigor, este sábado, “terão, certamente, um impacto negativo no setor imobiliário, principalmente, ao nível da imagem que passa além fronteiras”. Sobretudo, “num momento em que deveríamos estar focados em redesenhar mecanismos de incentivo e não de restrição à retoma da nossa economia”, diz.
[Alterações ao programa] terão, certamente, um impacto negativo no setor imobiliário, num momento em que deveríamos estar focados em redesenhar mecanismos de incentivo e não de restrição à retoma da nossa economia.
A especialista acredita mesmo que o objetivo do Governo, de canalizar este investimento para o interior do país, será gorado. “Acabar com os vistos gold em Lisboa, Porto e Algarve não resolve o problema de descentralizar o investimento imobiliário, já que a maioria dos investidores internacionais que procura Portugal fá-lo já com a intenção de investir, em concreto, nos centros urbanos”.
“No conjunto, preços das casas não vão baixar”
O Governo justifica estas mudanças com a evolução do preço das casas nas principais cidades do país, como referiu Pedro Nuno Santos em janeiro de 2020. “Neste momento, temos nas grandes cidades um setor imobiliário fortemente aquecido com preços muito longe daquilo que é a realidade que o povo português pode pagar”, disse, em declarações aos jornalistas no âmbito dos vistos gold.
Mas desde que a intenção do Governo foi tornada pública que o setor imobiliário tem alertado para o que considera ser uma perceção errada do Executivo. Isto porque, de acordo com os profissionais do mercado, as transações imobiliárias feitas para obtenção de um golden visa no Porto e em Lisboa representam apenas cerca de 2% do total de transações. Dados da consultora JLL, referentes a 2018, indicam que apenas 2,5% do volume de vendas (25,1 mil milhões de euros) feito nesse ano veio de dinheiro investido através dos vistos gold.
Três anos depois, o setor continua a defender o mesmo. “O programa [de vistos gold] em Lisboa e no Porto sempre foi residual relativamente ao número de transações”, diz Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, referindo-se aos números conhecidos em 2018, que são os mais recentes e que “não sofreram grandes alterações” desde então.
Não é essa percentagem [cerca de 2,5% das transações em Lisboa e no Porto] que vai alterar a subida dos preços. Não vai haver um grande impacto, porque Portugal continua a merecer o interesse dos investidores internacionais.
“No conjunto, os preços das casas não vão baixar”, afirma Patrícia Barão. “Vão estar sempre num contexto de crescimento, mas mais moderado”, explica a especialista da JLL, notando que “em algumas localizações, os preços vão até continuar a corrigir em alta, porque continua a haver uma grande pressão da procura versus oferta”.
O presidente da APPII alerta, assim, que aplicar este travão ao regime pouco ou nada vai influenciar nos preços da habitação. “Não é essa percentagem [cerca de 2,5% das transações em Lisboa e no Porto] que vai alterar a subida dos preços”, diz, acrescentando que “não vai haver um grande impacto, porque Portugal continua a merecer o interesse dos investidores internacionais”.
“Só temos a perder e nada a ganhar” com novas regras
Impacto nos preços não haverá — defende o setor –, mas haverá outras consequências, sobretudo para a visibilidade do país perante os investidores. “97% dos investidores querem investir no litoral e nos centros urbanos de Lisboa e Porto. É uma pena que Portugal, nesta altura, em que tanto precisa de investimento estrangeiro, perca este tipo de iniciativa“, lamenta o presidente da APPII.
Hugo Santos Ferreira explica que “quando muitos promotores imobiliários vêm para cá fazer projetos, nomeadamente residenciais, uma das premissas que exigem é que Portugal tenha um programa de captação de investimento estrangeiro interessante”. “Portugal perde muito na sua competitividade internacional e na mensagem que quer passar lá fora, de que o investimento estrangeiro é bem-vindo”, afirma Hugo Santos Ferreira.
O mesmo defende a especialista da JLL. Patrícia Barão afirma que, “reputacionalmente, as alterações ao programa, no formato que o conhecemos, geram desconfiança do lado da procura externa e esta instabilidade é o que mais afasta os investidores”.
Apesar disso, e depois de ter sido oficialmente aprovado este travão ao regime, os investidores começaram a procurar alternativas, tal como o ECO noticiou no início do mês, recorrendo, assim, a fundos de investimento. Como? Os promotores imobiliários constituem fundos de investimento, colocando na carteira imóveis, o que permite que um investidor estrangeiro subscreva unidades de participação (UP) deste fundo, por um mínimo de 500 mil euros e assim obter um visto gold.
Outra forma de contornar a nova lei passa pelos apartamentos turísticos. “Muitos imóveis de alojamento local, que eram considerados habitação, foram transformados em apartamentos turísticos”, explicou uma fonte do mercado imobiliário ao ECO. Contudo, diz Hugo Santos Ferreira ao ECO, “apesar de se terem criado algumas formas alternativas de investir, ainda há muitos investidores que preferem a compra direta do imóvel”.
Apesar das alterações do programa dos vistos gold, Portugal continuará a ser atrativo aos olhos dos investidores estrangeiros e essa tendência tem-se mantido e aumentado de forma muito positiva.
Mas, apesar de todo este impacto negativo, Portugal continuará a captar investimento internacional. “Apesar das alterações do programa dos vistos gold, Portugal continuará a ser atrativo aos olhos dos investidores estrangeiros e essa tendência tem-se mantido e aumentado de forma muito positiva”, diz Patrícia Barão. “O ‘apetite’ dos compradores internacionais e o seu interesse por Portugal tem vindo a aumentar nos últimos anos”.
Os dados mais recentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) indicam que, desde que o programa foi lançado, em outubro de 2012, até novembro, foram captados 6.057.663.503,19 euros. Deste montante, a maior parte corresponde à compra de bens imóveis, que soma até novembro 5.471.573.948,60 euros. Em mais de nove anos foram atribuídos 9.514 vistos por via de compra de imóveis.
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