Isolamento pode ser suspenso para votar mas com condições sanitárias criadas pelo Governo

Governo pediu um parecer à PGR para saber se estar em isolamento devido à Covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se esse o isolamento pode ser suspenso. O ECO ouviu os especialistas.

Suspender o isolamento — em contexto de pandemia — para um cidadão participar no ato eleitoral de 30 de janeiro não é inconstitucional, ponderando o direito de voto com o de proteção da saúde, mas desde que o Governo promova as condições de segurança para o efeito. Está e a conclusão geral dos seis especialistas contactados pelo ECO/Advocatus perante a possibilidade de suspensão do isolamento de quase meio milhão de portugueses previsto para o final de janeiro para votarem no ato eleitoral de 30 de janeiro.

Perante o número tão elevado de portugueses que se antecipa estarem em isolamento, tendo uma vez que a variante Ómicron é mais contagiosa do que as anteriores, o Governo pediu um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para saber se o isolamento no quadro da Covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito.

O pedido de parecer feito com caráter de urgência devido às eleições antecipadas. Quem o revelou foi , Marcelo Rebelo de Sousa, no final A ministra da Administração Interna pediu “ao conselho consultivo da PGR um parecer sobre saber se o isolamento impede o exercício do direito de voto, ou se é possível exercer o direito de voto, em condições de segurança, apesar do isolamento, isto é, suspendendo o isolamento para esse efeito — o que reduziria, naturalmente, o número daqueles que não poderiam se o quisessem exercer o direito de voto”, revelou quarta-feira, o Presidente da República no final de mais uma reunião com especialistas onde foi feito o ponto de situação da pandemia no país e onde foram apresentadas sugestões. Sugestões em que o Executivo se baseou para tomar decisões na reunião de Conselho de Ministros de quinta-feira.

Questionado sobre o alto número de pessoas em isolamento, tendo em conta o cenário pintado pelos especialistas, e o impacto que isso terá nas eleições legislativas, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que a questão “está a ser acautelada” “através do aumento significativo do número de mesas para antecipação de voto, uma maneira de prevenir o que pode vir a acontecer em termos de propagação nas semanas seguintes”.

“Este parecer é importante porque dá segurança jurídica a todos sobre a transparência do ato eleitoral e o cumprimento das regras”, explicou primeiro-ministro na quinta-feira. “O Governo deve garantir a todos que é isento na administração deste processo eleitoral e que toma as decisões num quadro jurídico sólido”, esclareceu António Costa.

E enquanto aguarda a validação jurídica, Costa revelou que a ministra da Administração Interna vai promover uma reunião com os partidos para avaliar “qual a melhor forma” de organização “para que quem estiver isolado possa exercer o voto presencialmente – e o possa fazer em condições de segurança para os próprios e para os outros”.

Conflito de direitos constitucionais

“Os cidadãos infetados têm o direito fundamental de votar e compete ao Governo assegurar o exercício desse direito, alterando para o efeito a resolução do Conselho de Ministros que prevê a obrigação de confinamento e adotando medidas, em articulação com as autoridades de saúde, que garantam o exercício em segurança sanitária do direito de voto“, explicou ao ECO o professor da Nova School of Law, Francisco Pereira Coutinho. “Foi isso que foi feito, tanto quanto sei, sem grandes problemas há mais de um ano (ainda sem a imunidade dada pelas vacinas), nas eleições presidenciais americanas”.

Carla Barbosa, advogada e membro da Comissão de Direito da Saúde e das Ciências da Vida da JALP, defende que este é um caso de “confronto de dois direitos constitucionalmente consagrados”. “No caso concreto, atendendo aos bens jurídicos protegidos, devemos ver qual aquele que deverá ceder perante o outro”. A advogada defende que “conseguindo-se criar condições de segurança adequadas, dentro do apertado regime da Legislação Eleitoral, devemos permitir que o cidadão português que esteja em condições de exercer o seu direito de voto o faça. Caso tal não seja possível então a saúde pública deve, necessariamente, prevalecer sobre o direito ao exercício de voto”.

O advogado e sócio da SRS, José Moreira da Silva também sublinha o conflito de direitos constitucionais. “De um lado o direito ao sufrágio, estabelecido no artigo 49.º Constituição, como um direito, liberdade e garantia de participação política. De outro lado o direito à proteção da saúde previsto no artigo 64.º da Constituição, como um direito social”. E defende que este conflito de direitos se resolve pela “ponderação dos mesmos e pela tentativa de restringir um deles na medida estrita da necessidade. Um conflito entre um direito, liberdade e garantia e um direito social, deve pender a favor do primeiro, pelo que o direito à proteção da saúde deve ceder na estrita medida do necessário”.

Ou seja, deve garantir-se o direito de cada eleitor poder ir votar, “cabendo ao Estado proteger a sua saúde e a dos outros, mediante a fixação de normas necessárias (mesas de voto ao domicílio, mesas de voto especiais com proteção para os membros das mesas e para os restantes eleitores, por exemplo em locais especiais, voto por correspondência antecipado, etc.”.

“A verdade é que numa ótica de pura análise dos direitos constitucionais em conflito, parece-me que a proteção da saúde pública poderá (deverá) prevalecer sobre o direito de exercício de voto”, diz João Luz Soares, advogado da RSA e membro da JALP. Mas ressalva que a questão deve ser analisada “numa ótica de equilíbrio e compatibilização dos bens jurídicos em consideração”. “Não se pode olvidar que o Estado tem o papel e obrigação de garantir e promover as condições adequadas para o correto exercício do direito de voto – que é, de resto, um direito fundamental constitutivo dos sistemas democráticos representativos”, acrescenta.

Marcelo Rebelo de Sousa revelou ainda que estão a ser estudadas outras soluções que permitam que quem está em isolamento possa exercer o seu direito de voto. Por exemplo, a Direção Geral de Saúde está a estudar as definições do isolamento. “Está a DGS, fui informado aqui, a estudar o período de isolamento, e na definição desse período de isolamento ter também o número de cidadãos que poderão ou não exercer o direito de voto”, disse.

O período de isolamento foi agora reduzido, de dez para sete dias para os assintomáticos positivos e para os contactos de alto risco. Ou seja, a DGS poderá voltar a rever em baixa esse número para cinco dias.

Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados (OA) lamentou, em primeiro lugar, que “esta situação não tivesse sido adequadamente prevista com a realização urgente das eleições após a rejeição do Orçamento do Estado, tendo-se pelo contrário optado por dilatar o mais possível a marcação das eleições após o anúncio da dissolução do Parlamento, o que as fez coincidir precisamente com o período mais grave da pandemia” em termo do elevado número de casos positivos no país. Em qualquer caso, salienta o advogado, segundo o artigo 49, n.º1, da Constituição, “existe o direito de sufrágio para todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral”, referiu. No seu entender, não estando o país em estado de emergência, esse direito não está suspenso e não pode ser retirado através da Resolução do Conselho de Ministros (neste caso o de 27 de novembro) “que é um mero regulamento do Governo, e que não se pode sobrepor à Constituição”.

Assim, “o dever de confinamento obrigatório previsto no artigo 3 dessa resolução não pode impedir a participação no ato eleitoral, garantida pela Constituição, sendo obrigatório que o Governo crie as condições logísticas e de segurança necessárias para que os cidadãos em confinamento possam exercer o seu direito de voto”, sublinhou Menezes Leitão.

O mesmo considera Bruno Martelo, sócio da Valério, Figueiredo & Associados (VFA) e associado JALP. E assume que é com alguma “perplexidade que se constata que, quase dois anos volvidos desde a declaração, por parte da OMS, de que o surto de Covid-19 atingiu o nível de pandemia”, e de tudo o que, desde então, se tem “vivido, não se tenha ainda legislado no sentido de salvaguardar o exercício do direito de voto a quem se encontra em situação de isolamento”.

Mas, perplexidades à parte, o advogado defende que no confronto entre o direito de voto e o direito à saúde, “deve ser dada prevalência ao direito à saúde, o qual, aliás, tem sido o elemento norteador de toda a miríade de restrições a que vimos sendo sujeitos, no que se incluem várias declarações de Estado de Emergência. Admitir o exercício do direito do voto, com a propalada suspensão do isolamento profilático, não deixa de gerar um perigo para a saúde pública”, defende.

“No juízo de proporcionalidade que tem de se fazer neste caso, e atendendo até à elevada taxa de vacinação, a compressão total do direito de voto, pode não se apresentar como a situação mais adequada do ponto de vista constitucional”, remata. E, portanto, cabe ao Estado, “na linha do que vem acontecendo noutros países, encontrar soluções que permitam o exercício do direito de voto com as limitações que impõe a salvaguarda do direito à saúde”, conclui.

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