Ticão. Sorteio dos processos não ficou registado em ata

Juiz presidente diz que sorteio do EDP foi feito dia 21 mas assume que não há ata do mesmo, escudando-se que a lei não obriga. Restantes processos foram distribuídos nove dias antes.

Do total de 170 processos que foram redistribuídos no novo Ticão –– que agora conta com oito e não dois juízes apenas — foram todos redistribuídos no dia 12 e 13 de janeiro em sorteio eletrónico. À exceção de um: o processo EDP, que envolve António Mexia, Manso Neto e o ex-ministro socialista Manuel Pinho cuja distribuição foi feita nove dias depois e sem ter ficado registada em ata, tendo voltado a ficar nas mãos do juiz de instrução Carlos Alexandre.

Segundo o que confirmou ao ECO Artur Cordeiro, juiz presidente da comarca de Lisboa, esse mesmo processo terá sido redistribuído no dia 21 de janeiro, às 16.10 da tarde, presidido por Maria Antónia Andrade, mas sem a presença de um magistrado do Ministério Público ou de um advogado. E sem que ficasse registado em ata.

Mas recuemos no tempo. A polémica começou quando Ivo Rosa — destacado para a fase de instrução do caso BES — pediu a exclusividade nesse processo de dimensões monstruosas. O Conselho Superior da Magistratura lá cedeu, atribuindo-lhe uma ‘tripa exclusividade’ (BES, Octopharma e Operação Marquês) e, por isso, e com a nova composição do chamado Ticão desde o dia 4 de janeiro, procedeu-se a uma redistribuição de todos os processos (os tais 170).

Em causa o facto desse mesmo tribunal — para onde vão parar os processos mais complexos e mediáticos de crimes económicos — ter passado a ter não dois (Ivo Rosa e Carlos Alexandre) mas oito juízes. O CSM decidiu então que esses processos do Ticão seriam redistribuídos pelos restantes sete magistrados. Mas um grupo de cinco magistrados, liderado pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, tentou impugnar essa mesma redistribuição, mas sem sucesso.

E, ultrapassados estes constrangimentos, no dia 12 e 13 de janeiro procedeu-se a essa mesma redistribuição dos 169 processos. O ECO consultou as pautas de distribuição desse mesmo sorteio eletrónico que decorreu nesses dois dias. E concluiu que, do total de 169 processos, nessa lista não estava o caso EDP. O único que ficou com a atribuição de um juiz de instrução pendente.

O CSM explicou ao ECO que “o processo EDP não estava, à data do sorteio, pendente no Tribunal Central de Instrução Criminal, tendo sido distribuído de acordo com os procedimentos em vigor quando voltou a dar entrada neste tribunal”. Ou seja: no dia 21 de janeiro. E eis senão quando, numa probabilidade de um para sete, o processo voltou a cair nas mãos do juiz de instrução Carlos Alexandre, que em dezembro aplicara a prisão domiciliária a Manuel Pinho, em alternativa a uma caução de 6 milhões de euros, a mais alta de sempre. Mas este sorteio não ficou registado em ata.

O cenário não melhora quando a defesa de Pinho, liderada por Ricardo Sá Fernandes, ter pedido para assistir a essa mesma distribuição, a 3 de janeiro, mas que acabou por ser ignorada. Perante este dado, o CSM esclarece que “a senhora Juíza que presidiu a este sorteio não recebeu qualquer requerimento, escrito ou de forma verbal, para comunicar a data (à defesa de Pinho), pelo que os procedimentos foram iguais aos dos demais processos”. Mas o ECO sabe que, a 3 de janeiro às 20.47, foi enviado um requerimento para o Ticão pedido expressamente que “o arguido, querendo estar presente no ato da distribuição que terá lugar, vem requerer a sua notificação, através dos seus advogados para estar presente no dia e hora da referida distribuição”.

Por outro lado, o juiz responsável pela vigilância do sorteio eletrónico de processos, Artur Cordeiro, explicou ao ECO que “a redistribuição do processo EDP ocorreu no dia 21 de Janeiro por volta das 16h.10, sendo que, na referida redistribuição encontrava-se presente o senhor funcionário da secretaria que tem a seu cargo os procedimentos para realização desse serviço e a senhora Juiz Coordenadora do Tribunal Central de Instrução Criminal, Maria Antónia Andrade, que presidia nesse dia e semana à distribuição. Informo ainda que, por não ser obrigatória, não existe qualquer ata relativa à distribuição/redistribuição de processos”.

Mas, desde setembro que está em vigor um diploma que criou mecanismos de controlo da distribuição eletrónica nos processos. Que obriga a que o sorteio eletrónico de processos passa a ser presidido por um juiz, assistido por um oficial de justiça, um magistrado do Ministério Público e, se possível, de um advogado designado pela Ordem dos Advogados. E as atas desses mesmos sorteios têm de ser disponibilizadas às partes do mesmo processo, incluindo arguidos como é Manuel Pinho. Perante isto, o advogado Ricardo Sá Fernandes já disse que já arguiu essa irregularidade, pelo facto de não terem sido notificados.

O que diz a lei de controle dos sorteios?

A lei de controle dos processos eletrónico entrou em vigor em setembro. Embora o Ministério da Justiça admita que “a regulamentação da lei é que previsivelmente demorará seis meses, dada a necessidade de proceder à alteração do sistema informático”, explicou fonte oficial do gabinete de Van Dunem. “A lei previa que essa regulamentação fosse feita em 30 dias, mas este prazo é manifestamente irrazoável, considerada aquela necessidade. O MJ comunicou oportunamente ao Parlamento a demora previsível na regulamentação”, explica.

Esta lei surge após recaírem suspeitas sobre alguns dos sorteios dos processos mais mediáticos , a maioria atribuídos ao juiz de instrução Carlos Alexandre. Um desses sorteios – relativo ao processo da Operação Marquês, na fase da instrução –já originou uma queixa de José Sócrates ao Tribunal da Relação, de alegado abuso de poder ao referido juiz e a uma oficial de justiça.

Com esta lei, os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando sempre a listagem anexa à ata. Os advogados passam agora também a ter acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, “a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma”.

“Nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma”, refere ainda o mesmo diploma.

Caução mais alta de sempre aplicada a Pinho

O processo EDP já tinha estado nas mãos de Carlos Alexandre que, em dezembro, aplicou uma caução de seis milhões a Manuel Pinho e prisão domiciliária com pulseira eletrónica. O ex-ministro ficou assim como o arguido com a mais alta caução aplicada pela justiça portuguesa.

O processo das rendas excessivas da EDP está há cerca de dez anos em investigação no Departamento Central de Investigação e Ação Penal e tem como arguidos o ex-presidente da EDP António Mexia, João Manso Neto, ex-presidente da EDP Renováveis, o administrador da REN e antigo consultor de Pinho João Faria Conceição, e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas. Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo.

O inquérito investiga práticas de corrupção e participação económica em negócio nos procedimentos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).

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