Funcionários públicos arriscam perder poder de compra em 2022
O aumento de 0,9% dos salários da função pública em 2022 vai ser "comido" pela taxa de inflação deste ano. Os funcionários públicos deverão perder poder de compra, mas Governo pode compensar em 2023.
Os mais de 700 mil funcionários públicos deverão perder poder de compra em 2022, mesmo com a atualização salarial de 0,9% decidida pelo Governo. Com a taxa de inflação em Portugal a acelerar para máximos de 2012, as instituições que fazem previsões já começaram a ajustar as expectativas, existindo quem antecipe um valor anual superior a 3%. Questionado pelo ECO, o atual Governo chuta a questão para o próximo Executivo de António Costa, o qual só deverá tomar posse no final do mês.
O Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), elaborado em outubro de 2021, antecipava uma taxa de inflação de apenas 0,9% para 2022. Mas desde então que a taxa de inflação tem acelerado significativamente, atingindo os 3,3% em janeiro, um máximo de fevereiro de 2012. E as expectativas dos analistas têm sido revistas em alta nas últimas semanas, com o próprio Banco Central Europeu (BCE) a reconhecer que a inflação da Zona Euro deverá travar, mas não voltará para a casa dos 2% até ao final do ano.
Quando apresentar o novo Orçamento ao Parlamento, o Governo deverá rever em alta esta estimativa, mas há uma coisa que não deverá mudar: o aumento de 0,9% dos salários da função pública implementado desde janeiro, cujo decreto-lei foi publicado no início de dezembro em Diário da República. O custo bruto deste aumento, que não conta com os impostos (IRS) e contribuições (TSU) decorrentes desse aumento, é de 225 milhões de euros, mais do triplo que custou o aumento de 2020.
Esta atualização salarial foi proposta pelo Governo com base na taxa de inflação a 12 meses observada até novembro de 2021, tal como já tinha feito em 2019 (aumento de 0,3% em 2020), descontada de uma décima uma vez que houve deflação em 2020. A lógica deste Governo tem sido aumentar os salários com base na inflação passada e não na esperada para aquele ano.
Em 2021, os funcionários públicos já perderam poder de compra, exceto os que auferiam até 800 euros que tiveram um pequeno ganho, uma vez que não houve nenhum aumento generalizado (a taxa de inflação em 2020 foi negativa) e a taxa de inflação anual situou-se nos 1,3%. Porém, em 2022, devido à aceleração do aumento dos preços principalmente por causa dos preços da energia, essa diferença será mais notória este ano e traduzir-se-á numa perda de compra expressiva para os funcionários públicos, de acordo com as últimas estimativas disponíveis para a taxa de inflação em Portugal.
Recentemente, os economistas do BPI/CaixaBank admitiram que a sua previsão de 2,2% para a inflação média deste ano estava “em risco”. “Muito provavelmente iremos proceder à sua revisão, antecipando-se a possibilidade que no conjunto do ano possa superar os 3%, dado o forte impacto que o comportamento dos preços em janeiro tem no comportamento da inflação do conjunto do ano”, explicaram.
Já em dezembro, mesmo antes desta aceleração, o Banco de Portugal atualizava a sua previsão para 1,8% e a OCDE para 1,7%. Em janeiro, os economistas da Católica apontavam para 2%, o ponto central de um intervalo que vai dos 1,6% aos 2,4%. E esta quinta-feira a Comissão Europeia irá atualizar as previsões, sendo expectável uma revisão em alta da inflação em Portugal. Ora, todas estas previsões apontam para uma taxa de inflação bem superior a 0,9%, o que se traduzirá numa perda de poder de compra para estes trabalhadores.
Governo vai intervir?
A dúvida agora incide sobre uma possível ação no novo OE2022 — recentemente a FESAP reclamava uma “verdadeira negociação” no Orçamento para “corrigir as injustiças que já estão criadas” — ou na atualização a aplicar em 2023, a qual poderá ser expressiva. Tendo em conta o critério do Governo, será expectável que no próximo ano haja um aumento superior, mas até lá o poder de compra da função pública será afetado. Questionado pelo ECO, o atual Executivo chutou a questão para o próximo Governo de António Costa.
Apesar de ser essa a retórica do Governo — de que os funcionários públicos não vão perder poder de compra –, a oposição já tinha alertado para esta possibilidade em outubro do ano passado: “Seguramente a inflação de 2021 e 2022 estará muito acima dos 0,9%, basta olhar para os últimos dados e efeitos dos preços na energia, matérias-primas, etc. E por isso, o aumento salarial de 0,9% representa para 2022 uma perda de poder de compra“, afirmou Joaquim Miranda Sarmento, agora deputado do PSD, numa entrevista ao Jornal de Negócios.
Salvos da perda de compra estão os funcionários públicos que auferem o salário mínimo: com uma atualização de 6%, passando de 665 euros para 705 euros (+40 euros), quem recebe o salário mínimo continua a registar ganhos de poder de compra, tal como tem acontecido desde 2016 dado que a retribuição mínima mensal garantida tem aumentado acima da taxa de inflação em Portugal.
É de ressalvar ainda que os salários dos funcionários públicos aumentam também por via das progressões e das promoções, as quais foram descongeladas pelo atual Governo. No ano passado, o Executivo calculava que, sem fazer nada, em 2022 havia um acréscimo de 557 milhões de euros das despesas com pessoal, fruto principalmente das progressões e promoções e das contratações em curso.
Antes da pandemia, quando em 2019 propôs a atualização salarial de 0,3% para 2020 — esta atualização foi o primeiro aumento generalizado da função desde 2009, ou seja, 11 anos em que houve perda de poder de compra –, o ministro das Finanças, João Leão, deixava claro esse aumento era “um sinal e uma garantia para o futuro”, indicando que em 2021 podiam esperar uma atualização de pelo menos 1%, a previsão da taxa de inflação para 2020.
Porém, a Covid-19 veio trocar completamente as voltas ao Governo e, apesar de ter mantido o aumento de 2020, não avançou com uma subida em 2021 dado que a inflação em 2020 foi negativa — apenas atualizou os salários dos escalões remuneratórios mais baixos. Essa decisão terá levado também à perda de poder de compra no ano passado uma vez que a taxa de inflação anual foi de 1,3%.
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