Mendes Godinho: A ministra que veio do Turismo e lidou com a Covid enfrenta agora desafios da guerra

A pasta do Trabalho e Segurança Social continua nas mãos de Mendes Godinho, que apesar das críticas acabou por resistir aos desafios da pandemia, tendo agora que lidar com os impactos da guerra.

Apesar de ser um novo Governo, algumas caras mantêm-se. É o caso de Ana Mendes Godinho, a socialista com experiência na área do Turismo que foi escolhida para a pasta do Trabalho e Segurança Social e teve de enfrentar uma pandemia inesperada. A governante vai agora continuar no cargo enquanto o país lida com as consequências da guerra na Ucrânia, nomeadamente a inflação e um fluxo de refugiados ucranianos.

A jurista lisboeta substituiu José Vieira da Silva, que abandonou a vida política, à frente do Ministério do Trabalho, em 2019. Nesse ano, Portugal atingiu um novo recorde de turistas, a taxa de desemprego foi de 6,5% e foi também a primeira vez em democracia que o país registou um excedente orçamental, de 0,2% do PIB.

Neste contexto, a escolha de António Costa recaiu sobre Ana Mendes Godinho, que era desde 2015 secretária de Estado do Turismo. O perfil da socialista, que nasceu em 1972, era assim ligado a esta área, depois de ter sido vice-presidente do Turismo de Portugal e também representante de Portugal no Comité Técnico da ISO/Turismo. Foi ainda administradora da Turismo Capital e da Turismo Fundos, bem como membro do Conselho Consultivo da Fundação Inatel.

O currículo da socialista, que é licenciada em Direito, contempla também posições mais viradas para a pasta que assumiu, tendo assumido o cargo de diretora dos Serviços de Apoio à Atividade Inspetiva da Autoridade para as Condições do Trabalho, bem como de inspetora do Trabalho e consultora jurídica da Direção-Geral do Turismo.

No entanto, o cenário que se vivia no país mudou e o primeiro mandato de Ana Mendes Godinho acabou por ser principalmente marcado pela resposta aos impactos da crise pandémica, depois de a Covid-19 chegar a Portugal em março de 2020.Debate com o Governo sobre política geral - 07OUT20

Avançaram inúmeros apoios às empresas e aos trabalhadores, com muitos deles a enfrentar percalços como avanços e recuos nos detalhes e atrasos na chegada ao terreno (uma queixa que continua a surgir hoje em dia). Ainda assim, várias pessoas acabaram por beneficiar das respostas à pandemia, com destaque para o esquema do lay-off simplificado, que abrangeu 899 mil pessoas e 110 mil empresas em 2020 e, em 2021, contemplou 336 mil pessoas e 58 mil empresas.

Mendes Godinho ganhou também créditos no controlo do desemprego. Os disparos que se verificaram no desemprego um pouco pelo globo foram mitigados com a aplicação de medidas como o lay-off, sendo que se tem observado uma recuperação da taxa após o impacto da pandemia. Em janeiro, o desemprego atingiu mínimos de duas décadas, fixando-se nos 6%.

Ainda assim, a ministra não escapou a críticas, principalmente na operacionalização dos apoios, mas uma das maiores polémicas que enfrentou acabou por estar ligada aos lares. No verão de 2020, quando o impacto da pandemia ainda se sentia em força, Ana Mendes Godinho admitiu, numa entrevista, que não leu o relatório da Ordem dos Médicos sobre um surto num lar em Reguengos.

Esta confissão motivou críticas de vários partidos e até pedidos de demissão. Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se crítico, reiterando que leu os relatórios, e que todos eles “são importantes”. Surgiram também críticas de que a ministra estava a desvalorizar a situação nos lares, por ter dito, na mesma entrevista, que a “dimensão dos surtos não é demasiado grande em termos de proporção”, referindo que são 3% do total dos lares e 0,5% das pessoas internadas em lares que estão afetadas pela doença.

António Costa saiu em defesa de Mendes Godinho dizendo que “não houve das palavras da ministra nenhuma tentativa de desvalorização da gravidade”. “Não vale a pena pedir demissão da ministra”, frisou. “Tem toda a minha confiança, está a fazer um excelente trabalho”, garantiu Costa, apontando, na altura, que estas “polémicas são artificiais”.

Tanto confiou no trabalho de Mendes Godinho que acabou por chamá-la outra vez para assumir a liderança do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Um mandato que vai novamente ser marcado por vários desafios, desta vez já com o impacto da pandemia a diminuir mas com os efeitos da guerra na Ucrânia a ganhar dimensão.

Com guerra e inflação, há novos apoios na calha

Já antes da invasão russa se estava a sentir um aumento dos preços, nomeadamente motivado pelas subidas na energia. Mas este acontecimento veio dar uma nova dimensão às preocupações com a inflação, que motivam apelos de ação ao Governo. O Executivo decidiu já avançar com um conjunto de medidas, com foco especialmente nos combustíveis.

Uma das novas medidas será uma prestação social para ajudar as famílias mais pobres a lidar com os aumentos de preços, que o Ministério de Mendes Godinho terá de operacionalizar. Esta é uma medida ainda a ser trabalhada, mas Siza Vieira explicou que se trata de um mecanismo de apoio às famílias mais vulneráveis, “de forma a poderem ter uma prestação adicional para fazer face aos encargos”. Está então em causa uma “transferência para beneficiários de um conjunto de prestações sociais”, sendo que “o montante tem de ser desenhado em função do que possa ser o aumento”. O universo será de 1,4 milhões de beneficiários, mas o Governo está ainda a avaliar se vai ser este ou mais alargado.

Além disso, os empresários redobram os apelos para apostar no lay-off simplificado, com o presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva a afirmar que a organização “vai continuar a insistir” na manutenção do regime simplificado. Apesar destes pedidos, o Governo já disse que não se vai focar no lay-off, mas sim em apoios para que as empresas continuem a laborar.

“Antes financiámos lay-off, agora temos de financiar aquisição de matérias-primas”, disse António Costa, defendendo que as medidas agora devem ser focadas em financiar o “funcionamento normal das empresas”. Siza Vieira também já sinalizou que esta é a intenção do Governo, descartando o regresso do lay-off e apontando que preferem dar “apoios para que as empresas continuem a laborar do que dar apoios para que os trabalhadores vão para casa e as empresas deixem de laborar“.

Para além das medidas para fazer face ao impacto da guerra na economia, a ministra terá também o desafio da chegada de refugiados ucranianos, para os quais já se montou uma plataforma com ofertas de emprego, que conta com mais de 23 mil vagas. Mesmo assim, será necessário assegurar a integração das pessoas na sociedade e o ajuste dos perfis.

Há ainda preocupações com crianças desacompanhadas ucranianas. A ministra sinalizou, em Bruxelas, que Portugal não tinha ainda nota de que tivessem chegado menores não acompanhados, tendo entretanto adiantado que 18 crianças ucranianas já foram acolhidas por famílias portuguesas. A Já surgiram alertas da Alta-Comissária para as Migrações que, com a chegada de vários refugiados ucranianos ao país, poderão existir casos de tráfico de seres humanos. “Estamos muito atentos ao acompanhamento que fazemos, para podermos sinalizar imediatamente às autoridades competentes situações suspeitas”, disse Sónia Pereira, à Renascença.

Maioria do PS pode mudar negociações na concertação social

Fora do cenário de guerra, a ministra terá também de procurar entendimentos na Concertação Social, algo que será politicamente diferente agora já que, com a maioria absoluta, o Governo deixou de estar dependente da esquerda, o que confere uma maior liberdade. Os parceiros já sinalizaram que esta mudança de paradigma poderá reforçar o papel da Concertação.

É de recordar que os parceiros sociais patronais chegaram a decidir suspender a sua participação na Concertação Social, em outubro do ano passado, na sequência da aprovação em Conselho de Ministros de várias medidas laborais — nomeadamente o reforço da compensação por cessação de contrato a termo e para a reposição do valor das horas extraordinárias, a partir da 120º hora anual — sem que estas tivessem sido negociadas com os patrões e com os sindicatos, apesar de, na véspera, ter havido uma reunião entre estes e o Governo. Entretanto, acabaram por voltar após um pedido de Costa.

Da concertação social saiu ainda a Agenda do Trabalho Digno, que prevê medidas que visam combater a precariedade, como a melhoria da regulação do trabalho temporário, a criminalização do trabalho não declarado, o reforço dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho e a regulação do trabalho nas plataformas digitais — criando-se uma presunção de laboralidade adequada a esta realidade.

Olhando para o próximo mandato, há vários temas a serem discutidos na concertação, nomeadamente a negociação do aumento do salário mínimo, sendo que apesar de existir um compromisso a nível do Executivo, há também um contexto de incerteza.

No programa do PS, com o qual foram eleitos, constavam também promessas de “promover um amplo debate nacional e na Concertação Social sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação da aplicabilidade de experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho, com base na negociação coletiva”.

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