BRANDS' TRABALHO Promova Talks: “A discriminação vai muito além da desigualdade salarial”
Sandra Mateus, da Microsoft, é a sétima convidada da II temporada do Promova Talks. Apesar de fazer parte de uma empresa que luta pela igualdade, a responsável garante que ainda há muito a fazer.
A CIP – Confederação Empresarial de Portugal – lançou o “Promova Talks”, o espaço de debate do Projeto Promova em podcast, uma iniciativa que visa alargar o acesso das mulheres a cargos de liderança nas empresas portuguesas e sensibilizar para a igualdade de género.
Sandra Mateus, Public Sector Account Executive – Health Lead na Microsoft, foi a convidada deste sétimo podcast da II temporada do “Promova Talks”. Neste episódio, a responsável da Microsoft explicou que, apesar da sua experiência positiva no mercado de trabalho, tem consciência de que ainda há muito a “fazer mais e depressa”. Veja abaixo a entrevista completa.
Quando começou este interesse pelo empoderamento feminino e pela promoção do mesmo?Eu acho que comecei muito cedo nesta luta pela igualdade, sobretudo pelo meu contexto familiar. Eu fiquei sem pai muito nova e durante grande parte da nossa vida formativa até chegar à vida adulta, nós éramos quatro mulheres em casa – eu, a minha mãe e mais duas irmãs. E, portanto, tudo tinha que acontecer na nossa casa e na nossa vida sem haver essa figura masculina. E acho que, muito impulsionado pela minha mãe e pelas minhas irmãs, fui sempre sentindo que não havia que não fosse possível fazer sendo mulheres. Enquanto que algumas das minhas amigas passavam algumas tarefas aos irmãos ou aos pais, em nossa casa éramos nós que fazíamos. E acho que até fomos ganhando algum gosto por isso, por essa independência e por essa capacidade de fazer tudo o que os outros faziam.
Ao longo da minha vida profissional fui trabalhando em organizações multinacionais e nunca senti propriamente para essa desigualdade. Foi uma coisa que foi acontecendo e também não existia visivelmente uma desigualdade nessas organizações, mas de forma mais consciente este caminho começou quando eu fui convidada para fazer parte da PWN, Professional Women Network, em 2017, onde passei a ter uma responsabilidade relativamente às parcerias da PWN com as empresas. E, de alguma forma, nesse trabalho que fui desenvolvendo como voluntária e também todas as atividades da PWN, fui tendo maior consciência que existe ainda muito trabalho para fazer e que eu posso não ser a amostra certa da nossa sociedade do ponto de vista dessa igualdade. E foi com esse trabalho que passei a estar mais envolvida e que passei a identificar noutras mulheres e até em mim preconceitos que nos limitam e limitam também a visão que os outros têm de nós. Apesar de me sentir capaz de fazer tudo, muitas vezes limitamo-nos na nossa própria vida por aquilo que é a nossa própria visão. Isso tem impactos consecutivos na nossa representatividade, no nosso potencial e até naquilo que é o poder das mulheres na sociedade e nas empresas.
Tendo em conta que esta sua consciencialização para o tema começou quando ainda era muito nova, em que medida é que o Projeto Promova conseguiu consciencializá-la ainda mais?O Promova trouxe uma partilha que nos permitiu perceber que, seja em empresas nacionais ou internacionais, nós estamos numa geração de mulheres que está pela primeira vez a tentar ter papéis iguais. É verdade que a geração das nossas mães já era de trabalho, já eram mulheres que tinham a sua carreira, mas acumulavam obrigações domésticas, familiares e de educação. E nós somos a primeira geração de mulheres que está a tentar fazer esse caminho de igualdade, abandonando algumas dessas tarefas mais antigas, mais domésticas, e trazendo as competências dessas tarefas para aquilo que é hoje o mundo empresarial.
O que eu senti no Promova foi que, com a partilha de outras mulheres mais ou menos nos mesmos níveis de carreira e nas mesmas faixas etárias, estamos todas a passar pelo mesmo. E, ao passarmos pelo mesmo, mas de formas diferentes e em contextos diferentes, temos uma maior consciência de que podemos fazer a diferença. E eu senti que isso foi uma consciencialização que eu não tinha tão presente, ou seja, eu tinha presente que as empresas, do ponto de vista da sua organização, tinham que fazer mais, muitas vezes na sua orientação estratégica e no seu caminho, mas consciencializou-me mais para o papel de cada uma de nós, pelo que estamos a fazer nesta mudança da sociedade. E essa partilha entre todas as participantes, para mim, foi absolutamente essencial para me consciencializar ainda mais para as necessidades que temos do ponto de vista da evolução e aqui muito centrada na evolução profissional, mas também muito na evolução pessoal.
Numa das talks em que participou referiu mesmo que era preciso “fazer mais e depressa” dentro do empoderamento feminino. O que é que ainda falta fazer?Falta tanto. Falta muito e temos de fazer tudo muito mais depressa se queremos efetivamente ser uma sociedade mais feliz. E podemos começar por falar das próprias políticas públicas que suportam a maternidade e a paternidade, a forma como os nossos filhos são ensinados desde o pré-escolar, que ainda têm um ensinamento muito enviesado para aquilo que são as opções de futuro que podem ter nas suas carreiras, passando pelo papel que nós temos, não só do ponto de vista profissional, mas no nosso trabalho em casa, um trabalho de educação em casa e de convivência em sociedade.
Fala-se muitas vezes das micro discriminações, as micro agressões, portanto, a ideia é nós contrariarmos esses micro momentos para garantir que criamos uma sociedade onde as mulheres se sentem mais à vontade para fazer o que querem fazer. E essa é uma parte essencial da sociedade. Como sociedade, temos esse trabalho para fazer e isto é uma das chaves onde temos de acelerar.
Depois, nas empresas, a verdade é que nos últimos anos começamos a ver que o tema da diversidade de género e até da diversidade do ponto de vista mais lato começa a estar na agenda estratégica das organizações e essa é uma intenção muito positiva. No entanto, o que é que eu acho que ainda falta fazer nas organizações? Falta que toda a organização perceba e trabalhe nessa necessidade de forma estrutural. Nós não estamos à procura da igualdade do ponto de vista da gestão e da organização só para termos um número igual de mulheres e de homens, nós estamos à procura dessa igualdade porque acreditamos que é através dela que teremos empresas mais proveitosas, mais felizes e, consequentemente, uma sociedade também ela mais feliz.
Há variados estudos que demonstram que as mulheres, quando comparadas com os homens, têm alguns aspetos de liderança que são muito mais fortes. E estamos a falar em criar ambientes de trabalho de respeito, criar modelos de remuneração justos e considerar os impactos dos negócios na sociedade. Por isso, trazer as mulheres para decisões estratégicas traz essa complementaridade dessa visão dessas temáticas que é necessária para a organização e para as equipas.
Hoje em dia, as empresas são muito mais do que os seus produtos, são toda a sua envolvente. Portanto, pegando só nesta característica que os estudos apontam, trazer mulheres para as organizações significa que vamos ter melhores decisões, melhores produtos, melhores empresas e isso faz com que as empresas se mantenham no mercado, se desenvolvam, evoluam e se tornem mais conscientes e mais presentes. E isto é a diversidade no sentido lato. É por isso que o que eu sinto que falta muitas vezes nas organizações não é esta intenção de ter equipas mais diversas, mas sim esta consciência de cima a baixo na organização para perceber porque é que precisa dessa diversidade.
Acha que se houvesse uma maior atenção nas micro discriminações poderia ser mais fácil haver essa consciencialização no mercado de trabalho?Claro, acredito que sim. Mas isso tem de ser feito por cada um quando nos deparamos com pequenos comentários que, na verdade, são comentários que levam a um viés de discriminação. Quando, por exemplo, vemos uma equipa de futebol de crianças, onde não existe a diferença entre equipa de futebol masculino e feminino e assistimos a comentários em que a equipa é mais fraca porque, em vez de ter só meninos, também tem meninas a jogar, somos nós naquele momento que temos de contrariar isso. Até porque sabemos que há atividades que para que uma menina ou uma mulher consiga estar a competir com homens tem que gostar muito do que está a fazer e tem que lutar muito. Por exemplo, não é uma menina qualquer que decide ir jogar futebol, ela sabe à partida que vai entrar numa atividade que está rotulada como sendo de meninos e, portanto, vai porque quer mesmo. E quando quer mesmo é, muitas vezes, melhor do que muitos dos rapazes que estão lá e só vão pela atividade em si.
Eu trabalhei muito em tecnologia e houve uma altura em que a nossa equipa precisava de crescer e sempre que me aparecia um currículo de uma mulher que dizia “programadora senior”, eu sabia que estava muito para além da senioridade. Isto porque uma programadora que escreve no CV que é programadora senior já escreveu muitas linhas de código, muito acima de qualquer homem que escreve “programador senior” no CV. Nós mesmas temos esse viés de nos desmotivarmos e, portanto, quando chegamos a esse nível de achar que podemos pôr no CV que somos programadoras seniores é porque, na verdade, já tivemos muitas provas de que somos um senior da programação.
Do ponto de vista de sociedade, quando, na educação dos nossos filhos ou das crianças à nossa volta, há um comentário de “isto é mais para menino” ou ” isto é mais para menina”, devemos questionar. É importante questionar este viés que muitas vezes nós nem sabemos de onde vem. Portanto, fazer isso à nossa volta, seja no contexto familiar, no contexto da sociedade ou no contexto empresarial, cria essa maior consciência dessa mudança.
Que ferramentas o Projeto Promova disponibilizou que mais impactaram a sua vida e porquê?A ferramenta que, desde início, foi a mais impactante foi o coaching. O Promova tem um assessement inicial que tinha alguns resultados com os quais eu quis ter ali algumas reações e a coach com quem trabalhei, e que continua até hoje, ajudou-me a olhar para esses resultados de uma forma diferente. Portanto, essa exposição ao coaching foi uma grande mais valia e tem-me ajudado muito a preparar e a pensar o que é que eu quero fazer e como quero fazer em situações concretas na vida profissional.
Outra ferramenta que eu acho muito importante foi o espaço para pensar. É que nós vivemos num mundo tão acelerado que nos falta tempo para pensar e, nomeadamente, para pensar intencionalmente, e o Promova trouxe-me esse espaço. A forma como está organizado o Promova cria ali um horizonte temporal de 3 dias que nos permite estar envolvidos naquela bolha e que nos cria ali espaço para fazer alguma reflexão pessoal, quer da vida pessoal quer da vida profissional.
Eu acredito que esta segunda edição do Promova, onde eu estive, tinha um grupo de mulheres muito diverso, com condições muito diferentes, e vínhamos no contexto de saída da Covid-19, então havia ali uma predisposição nossa para a partilha e isso ajudou-me imenso a olhar para as pessoas à minha volta com outra lente e até a gerar mais empatia.
Em Março passado, a Microsoft desenvolveu um vídeo para o Dia Internacional da Mulher com funcionários da empresa, no qual ficou evidente a diferença na forma de tratamento perante uma mulher e perante um homem ainda nos dias de hoje. Que impacto este vídeo teve nos funcionários da empresa? Houve alguma mudança depois disto?A verdade é que as pessoas não são estanques àquilo que é o seu contexto profissional e naquele vídeo ficou muito evidente de que, apesar de trabalharmos todos numa organização que faz muito pela diversidade, há diferenças, ou seja, as mulheres sentem-se de alguma forma discriminadas.
As perguntas que foram feitas na altura, algumas tinham a ver com o contexto profissional, mas muitas tinham a ver com o seu contexto pessoal, e eu recordo, por exemplo, que uma das perguntas que mais me marcou, foi a seguinte: “Já alguma vez sentiste necessidade de usar o telefone enquanto andas à noite numa rua escura?”. E isto é uma pergunta que para uma mulher tem um contexto. Mas, se formos rever o vídeo, o colega do sexo masculino que responde a isto diz: “Sim, eu todos os dias à noite vou passear o cão e vou sempre ao telefone”. Ou seja, a resposta demonstra que nem sequer a pergunta é entendida da mesma maneira.
E dentro da Microsoft sentiram que, se calhar, quando se fala em discriminação, afinal não estão a ver isto bem. Ou seja, muitas vezes sente-se o tema da discriminação nas organizações em questões salariais, por exemplo, mas a discriminação vai muito além da desigualdade salarial. Tem a ver como eu me sinto na sociedade, até em questões como quando um filho fica doente associar-se que é sempre a mãe que tem de ficar em casa. E este vídeo trouxe essa consciencialização.
Que mensagem gostaria de deixar às futuras participantes do Projeto Promova?Eu sou uma grande fã do projeto. Entendo que, em todos aspetos, desde o calendário, os conteúdos, o corpo docente, toda a envolvência do espaço, é um programa muito completo e muito bem conseguido.
Saio extremamente valorizada por dois aspetos: a primeira é pela dedicação e prioritização, isto porque nos dias em que é para estar no Promova é mesmo para estar no Promova. Eu senti isso conforme o programa foi avançando, sentia que não podia perder um minuto. Por isso, o meu primeiro conselho é que estejam mesmo concentradas no Promova, a agenda é feita com tempo suficiente para nos conseguirmos organizar, para não estar sequer num telefonema de 15 minutos a meio de um determinado momento, mesmo que sejam momentos de networking.
Aquilo que eu sinto que são as mais valias do programa vêm muito da partilha e, portanto, daí passo para o meu segundo conselho, que é dizer para fazerem parte desse envolvimento nos momentos de networking, seja nos intervalos, almoços, etc, porque é aí que se têm conversas menos orientadas, mas onde se aproveita para partilhar algumas das nossas preocupações mais pessoais e conhecermos cada vez mais o outro. Eu tive a sorte de nesta segunda edição contar com um grupo espetacular de mulheres que entendeu bem esta missão de networking, de partilha e de dedicação e isso trouxe imenso valor a todas.
Ouça aqui o episódio completo.
O Projeto Promova conta com o apoio da ANA Aeroportos, da EDP, da Randstad e da SONAE.
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