Fiscalização no TC da lei das Ordens profissionais vai atrasar tranche do PRR de 2,4 mil milhões?

Marcelo enviou a 1 de fevereiro o diploma que regula as Ordens profissionais. Atraso na publicação da lei vai atrasar a tranche de 2,4 mil milhões do PRR? CNOP diz que não.

O pedido de fiscalização da lei das ordens profissionais, que chegou ao Tribunal Constitucional (TC) no dia 1 de fevereiro pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa, pode atrasar a entrega de 2,4 mil milhões, a próxima tranche do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que Portugal deveria receber? António Mendonça, bastonário dos Economistas e presidente da Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), que abrange 17 das 20 ordens profissionais existentes no país, defende que não.

Em causa está o terceiro pedido de Portugal à Comissão Europeia (CE) do pagamento 2,4 mil milhões que supostamente estaria dependente da aprovação do diploma, aprovado pelo Parlamento a 22 de dezembro, da lei das associações públicas profissionais.

O plano inicial era o de aprovar este diploma em 2020, como foi feito, mas o Presidente da República submeteu a fiscalização preventiva de constitucionalidade pelo TC este decreto da Assembleia da República que altera a legislação relativa às associações profissionais e o acesso a certas profissões reguladas. O TC tem agora até dia 26 de fevereiro para se pronunciar.

Na reunião que a CNOP teve com Marcelo Rebelo de Sousa, a 7 de fevereiro, a CNOP assumiu rejeitar “as pressões que já estão a ser feitas para condicionar o Tribunal Constitucional, na sua apreciação da constitucionalidade deste diploma, associando a sua entrada em vigor ao desbloqueamento de fundos do PRR. “Quisemos [nesta audição] salientar a rejeição ao que consideramos ser uma pressão junto do Tribunal Constitucional que é a alegação de que o processo atrasa a receção de verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, disse António Mendonça.

“Nós não compreendemos. Se há preocupação da parte da OCDE e da Comissão Europeia tem que ver com o acesso à profissão, e não com o que foi feito em matéria de alteração à legislação das associações profissionais”, afirmou. O responsável sublinhou ainda que o CNOP “sempre participou no processo de acordo com os timings sugeridos. Aliás, o próprio Presidente da República foi extremamente rápido. Recebeu o diploma na segunda-feira (31 de janeiro) e na terça-feira tomou logo a posição, enviando para o Tribunal Constitucional. Portanto, este argumento não faz sentido e é uma tentativa de condicionar a decisão do Tribunal Constitucional”, considerou.

José Luís Moreira da Silva, presidente da Associação de Sociedades de Advogados de Portugal. defende igualmente que “a ideia que tem sido veiculada, que se não fosse aprovado o diploma como o foi, Portugal poderia ficar em risco de perder fundos europeus, não me faz sentido, pois outros países aprovaram esta matéria com inúmeras exceções, admitidas expressamente pela própria Diretiva Serviços”.

A mesma posição foi tomada pela bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro ao rejeitar estas mesmas pressões que alegadamente estarão a ser feitas ao TC. E adiantou ainda que “nos termos da individualidade de cada Ordem, existem questões que se colocam de forma mais incisiva a umas que a outras, já que se prendem com a identidade do exercício da própria profissão, como é o caso da multidisciplinaridade e da incumbência da remuneração dos candidatos ao exercício da profissão. Neste sentido, a Senhora Bastonária dos Ordem dos Advogados aproveitou a oportunidade para reiterar e enfatizar a necessidade de revisão destas duas matérias.

Um diploma que não surge ‘da cabeça’ da maioria absoluta do PS de António Costa. Surge, de facto, na sequência de inúmeros alertas da Comissão Europeia e da OCDE relativamente ao facto de em Portugal existirem demasiadas restrições no acesso às atividades profissionais. Alertas que se intensificaram com o PRR, que trouxe de novo a questão da desregulamentação das ordens profissionais, incluindo a sua fiscalização por entidades exteriores, também em matéria disciplinar, e o fim do acesso reservado da atividade a profissionais inscritos nas mesmas. Portugal, à data, comprometeu-se junto de Bruxelas que a lei relativa às profissões regulamentadas entraria em vigor até ao quarto trimestre de 2022 para pedir a nova tranche no primeiro trimestre de 2023.

Porém, não esquecer que o PRR vai ser alvo de uma reprogramação no início deste ano e isso vai condicionar os pedidos de pagamento do terceiro e quarto cheque, revelou o presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal. “Em primeiro lugar temos o processo de ajustamento decorrente da reprogramação e depois, sim, a apresentação dos próximos pedidos de pagamento. O terceiro e quarto pedidos de pagamento vão ter de ser ajustados em relação à reprogramação do PRR”, avançou Fernando Alfaiate.

O gestor do PRR precisou que, no início de fevereiro, será publicado o regulamento da reprogramação – “está já em estado avançado de decisão” – e que Portugal está “já em conversações informais e com trocas de questões sobre os ajustamentos necessários sobre a inclusão das novas medidas relacionadas com o RepowerEU e com o adicional” de 1,6 mil milhões de euros que Portugal vai receber.

O regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência vai ser alterado devido ao contexto criado pela invasão da Ucrânia, ao aumento de preços e à escassez de matérias-primas, para introduzir a possibilidade de incluir um programa adicional, o RepowerEU, que tem a ver com a diversificação das fontes de energia, do aumento da segurança no abastecimento, eficiência energética, e que vai incluir mecanismos de recuperação e resiliência. No âmbito deste programa, Portugal deverá receber mais 700 milhões de euros.

O projeto de lei relativo às ordens profissionais altera questões como as condições de acesso às respetivas profissões, introduz estágios profissionais remunerados e cria uma entidade externa para fiscalizar os profissionais.

No texto final foram introduzidas alterações como precisões sobre as taxas cobradas durante o estágio e a possibilidade de serem reduzidas. A duração dos estágios fixou-se em 12 meses, podendo ser maior em casos excecionais. Outra das alterações introduzidas foi a aprovação da existência de um órgão disciplinar (não previsto na anterior lei-quadro), que prevê a fiscalização sobre a atuação dos membros das ordens profissionais, composto por elementos externos às profissões respetivas.

O que levou Marcelo a enviar o diploma para o Tribunal Constitucional?

Uma provável violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da autorregulação e da democraticidade das associações profissionais – todos previstos na Constituição da República Portuguesa (CRP) – foram os argumentos dados por Marcelo Rebelo de Sousa para justificar o pedido de fiscalização preventiva relativo ao decreto que regulamenta as regras das ordens profissionais.

Um diploma que já nasceu torto, com praticamente todas as Ordens Profissionais a mostrarem-se frontalmente contra esta proposta que nasceu do PS e do PAN. E que foi aprovado em votação final global com votos favoráveis de PS, Iniciativa Liberal e PAN e votos contra de PSD, Chega e PCP e abstenções de BE e Livre.

Segundo o requerimento enviado ao TC, Marcelo Rebelo de Sousa relembra os juízes do Palácio Ratton que o regime constitucional definido para as associações públicas profissionais é “muito próprio”, sublinhando a existência do princípio da autorregulação das associações profissionais que devem reger-se por “princípios democráticos internos, dotados de órgãos próprios e eleitos pelos seus associados”. Relembra ainda o artigo 267º da CRP que define que “as associações públicas só podem ser constituídas para satisfação de necessidades específicas e que não podem ser constituídas como sindicatos” e ainda o artigo 165º, 1, alínea s) — que não é de todo uma questão menor — e que estipula a reserva relativa que a Assembleia da República tem em matérias de associações públicas. E invoca ainda o artigo 47º que estipula a liberdade de todos no acesso à profissão. Por isso, e mantendo a tónica sempre no princípio da autorregulação, a criação de um órgão de supervisão, de um provedor, de um órgão disciplinar e de um júri para avaliação no estágio, todos eles com entidades externas à profissão, “violam esse mesmo princípio”.

Bem como a criação de um regime de incompatibilidades absolutas relativamente ao exercício de funções dirigentes na função pública, deixando de lado o regime de avaliar essas incompatibilidades em cada caso concreto, que viola o princípio da proporcionalidade, ao criar-se esta “restrição desproporcionada”. Marcelo vai mais longe ao dar o exemplo de um diretor de serviço de um hospital público do SNS ficar impedido de ter funções em órgãos diretivos na Ordem dos Médicos. O que não acontece com um médico do serviço de um hospital privado, violando assim também o princípio da igualdade.

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