BRANDS' ADVOCATUS Mercados de carbono: uma oportunidade para planear e rentabilizar o solo florestal?

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  • 7 Março 2023

Tradicionalmente, o solo rústico em Portugal tem sido encarado no imobiliário e urbanismo de uma dupla perspetiva – a perspetiva florestal (ou agrícola) e a perspetiva conservacionista ou natural.

Interessa-nos falar da perspetiva florestal, tendo em conta que se encontra em consulta pública, até ao próximo dia 10 de abril, a proposta legislativa que contém as regras relativas ao mercado voluntário de carbono português.

Em síntese, o mercado voluntário de carbono visa enquadrar um sistema de mitigação ambiental baseado na transação de créditos de carbono criados através de projetos e ações de reflorestação (incluindo a criação, restauração, melhoria ou preservação das zonas florestais) que ficam reservadas para compensar emissões de gases com efeito de estufa.

Como todos os mercados, também o mercado de carbono tem oferta e procura. Iremos focar-nos essencialmente na oferta, tendo em conta que este sistema carece de parcelas de dimensão relevante localizadas em solo rústico com vocação florestal.

Em Portugal, o território florestal apresenta-se espalhado um pouco por todo o País, com especial densidade na zona do Centro e algum Litoral Sul, com manchas relevantes pontuais no Norte e no Sul. Os prédios com dimensão média mais relevante em territórios com ocupação florestal superior a 60% encontram-se concentrados no Centro.

As funções dominantes do espaço florestal estabelecidas em função das produtividades potenciais lenhosas e distribuição no território continental das três espécies florestais – Pinheiro Bravo, Eucalipto e Sobreiro – encontra-se concentrada na zona localizada no Centro e Norte que se expande depois para Sul numa quantidade menos expressiva.

O espaço florestal encontra-se localizado no solo rústico. A regulação deste solo nos planos diretores municipais procurou, na sua origem, dar resposta à necessidade de salvaguardar determinadas áreas caracterizadas pela existência de valores naturais, correspondendo frequentemente a zonas abrangidas por áreas protegidas, pela reserva ecológica nacional, pela reserva agrícola nacional ou por áreas reguladas por planos especiais (em geral, solo rural/rústico).

Neste contexto, a vigência dos planos diretores municipais de primeira geração nos solos florestais deu origem à existência de uma enorme área de território que carecia (e ainda carece) de um modelo de ordenamento silvícola e florestal eficaz, com cadastro desatualizado ou inexistente e em que, frequentemente, a identidade dos proprietários não é conhecida. Uma parte do solo rústico integra os “baldios”, figura híbrida de propriedade cuja gestão tem vindo a ser partilhada entre as assembleias de compartes e o Estado e que carece de uma atenção especial.

A catástrofe originada pelo incêndio de Pedrogão Grande levou ao desenvolvimento do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e ainda de uma panóplia de regras relacionadas, designadamente, com gestão de combustíveis, condicionalismos à edificação em zonas florestais, prevenção de incêndios florestais, entre outros. Entraram ainda em vigor sete novos programas regionais de ordenamento florestal que irão ter uma especial repercussão nos territórios ocupados com floresta e ainda (de forma menos relevante) nas áreas sujeitas a regime florestal integrados em zonas de intervenção florestal.

Os programas regionais de ordenamento florestal estabelecem, entre outros aspetos, medidas de proteção do sobreiro e o carvalho, medidas tendentes à diversificação das atividades e os produtos nas explorações florestais, ou, ainda, limites máximos de área a ocupar por eucalipto.

Não obstante os solos florestais tendam para uma realidade de complexidade crescente, sujeita a restrições muito relevantes, faltava ainda implementar de um sistema de incentivos ao planeamento e rentabilização de tais solos. Os mercados de carbono constituem um importante estímulo para o efeito.

Focando a nossa atenção do lado da oferta, a proposta do legislador dá prioridade às tipologias de projeto de sequestro florestal de carbono que contribuam para a conservação do capital natural e para a construção de uma paisagem mais adaptada e resiliente, incluindo a redução da vulnerabilidade aos incêndios.

O planeamento das áreas prioritárias será realizado no contexto da reconversão da paisagem através de Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP) e de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP). As normas constantes do PRGP enquadram as AIGP e vinculam direta e imediata dos particulares relativamente às normas sobre a ocupação e utilização dos espaços florestais, sendo sujeitas a discussão pública.

As áreas prioritárias incluem também áreas ardidas, zonas de intervenção florestal. Não obstante a dimensão pública das matérias florestais, importará abrir o mais possível as mesmas à iniciativa e investimentos privados, à semelhança do que já sucede com o planeamento do território.

Apesar de ser dada a possibilidade de a Administração Central identificar outras áreas prioritárias, valeria a pena dotar as autarquias e os particulares da capacidade de intervir na seleção das áreas a beneficiar de créditos de carbono.

Por fim, os baldios também são propostos pelo legislador como uma área prioritária. O regime dos baldios tem a virtualidade de enquadrar projetos de carbono, até porque a figura dos contratos de cessão de exploração de baldio é suficientemente ampla para acolher as realidades muito distintas que podemos encontrar ao nível nacional. Todavia, o mesmo regime poderia ainda beneficiar de melhorias de forma a potenciar uma evolução dos modelos de gestão e reorganização dos baldios tendo em conta o mercado emergente de carbono.

Mas também nos terrenos privados se impõe e se impôs esta necessidade de reorganização da área florestal. A criação do BUpi (Balcão Único do Prédio) permitiu, para 144 concelhos do território português, aos titulares de prédios rústicos proceder à sua delimitação e consequente cadastro, de forma voluntária e até agosto de 2023, gratuita. Muitos desses terrenos são ocupados por floresta e, na esmagadora maioria dos casos, por floresta não cuidada, ou que os torna focos de incêndio em potência, e mais suscetíveis de propagação de espécies invasoras e não autóctones.

A regularização do mercado voluntário de carbono e consequente suscetibilidade da transação de créditos de carbono vai permitir, por um lado, moralizar as ações de reflorestação, adequando o plantio, limpeza e manutenção de florestas ajustado aos critérios impostos para a comercialização dos créditos de carbono e, por outro lado, vai trazer rentabilidade a áreas sem potencial valor comercial para os respetivos proprietários.

Na perspetiva do direito privado, os titulares de área florestal terão ao seu dispor várias soluções para potenciar a exploração dos mercados de venda de carbono, que agora esta proposta de lei pretende implementar, e que até ao momento não tinham cobertura regulatória:

  1. ou tornando-se promotores de projetos de carbono, mediante o cumprimento dos requisitos previstos na proposta de lei agora em discussão pública e subsequente registo na plataforma;
  2. ou de forma indireta, através do recurso ao arrendamento florestal (regulado pelo Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de outubro), mediante a celebração de um contrato de arrendamento para as áreas florestais por um período que pode ir até 70 anos com um promotor de projeto de carbono, que respeite os requisitos acima indicados;
  3. ou ainda mediante a constituição de um direito de superfície sobre esses terrenos a favor do mesmo promotor de projeto de carbono, com duração determinada ou perpétua, mas permita igualmente o plantio de floresta ou a exploração e manutenção de floresta já existente.

As figuras previstas no ponto 2 e 3 têm a enorme vantagem de obrigar, quer o arrendatário, quer o superficiário, a potenciar, manter e utilizar a área arrendada ou concedida em superfície, transmitindo a responsabilidade do cumprimento dos critérios a uma entidade profissional.

Não obstante, entendemos que os regimes jurídicos acima indicados deveriam forçosamente sofrer adaptações à realidade dos mercados de carbono, obrigando ainda a pagamentos em dinheiro (e não em créditos de carbono, por exemplo) por parte das entidades exploradoras, e estipulando, no caso do arrendamento florestal, restrições indevidas à forma e tempo de pagamento das rendas, que dificilmente se compaginam com esta nova realidade.

Uma maior liberalização do regime do arrendamento florestal, e uma maior flexibilidade negocial destes contratos de arrendamento ou de constituição de direitos de superfície, agregada ainda à possibilidade de registo predial dos primeiros, para permitir uma eficácia dos mesmos perante terceiros, e uma maior segurança jurídica, permitirá um maior incentivo por parte de quem procura fontes de crédito de carbono para transacionar no mercado.

Do lado dos proprietários, entendemos que o maior óbice é a diminuta dimensão dos terrenos em área florestal em propriedade privada existente em Portugal, que permita às entidades exploradoras beneficiar de uma economia de escala suficientemente interessante para potenciar como mercado alvo.

Este fator apenas pode ser resolvido mediante a agregação dos proprietários, designadamente, em regime de consórcio, ou associação cooperativa de pendor semelhante, que necessariamente terá e deverá passar por um processo cadastral e informativo mais célere, e pela intervenção motivadora de entidades públicas, por forma a levar informação relativa às vantagens da adesão ao mercado de carbono às populações locais, e desse modo estimular a oferta de área florestal o referido propósito.

Os mercados de carbono serão certamente uma oportunidade para planear e rentabilizar o solo florestal, a que todos os proprietários e operadores económicos não deixarão de estar atentos.

Eduardo Gonçalves Rodrigues, Sócio Sérvulo & Associados
Carla Parreira Leandro, Associada Principal Sérvulo & Associados

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