BRANDS' ADVOCATUS Fundos florestais e mercado voluntário de carbono

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  • 9 Março 2023

A indústria de gestão de ativos assiste com atenção à iniciativa do Governo de discussão, através de consulta pública, de um projeto que visa regular o mercado voluntário de créditos de carbono.

A título preliminar, importa salientar que o projeto de decreto-lei integra os projetos de sequestro florestal, e em especial os integrados em territórios vulneráveis, como prioritários no mercado voluntário de carbono.

Diversos motivos levam a considerar que os fundos florestais virão a desempenhar um papel central no futuro mercado voluntário de carbono. De um lado, os fundos florestais são uma figura regulada em Portugal desde há muitos anos, sendo enquadrados como organismos de investimento coletivo imobiliários, não apenas ao abrigo do atual Regime Geral de Organismos de Investimento Coletivo, mas também no futuro Regime de Gestão de Ativos, na versão proposta conhecida. Além disso, gozam de um tratamento favorável no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

De outro lado, estes fundos têm o condão de estabelecer a ligação entre, de um lado, os projetos florestais e, de outro lado, a comunidade de investidores. À atração pelo investimento florestal subjaz não apenas um racional financeiro, mas também o interesse na utilização dos créditos de carbono para a convergência no sentido da neutralidade carbónica. Por este motivo, na comercialização de produtos financeiros, os testes de adequação em caso de gestão de carteiras e consultoria para investimento devem igualmente considerar as preferências dos investidores em matéria de sustentabilidade.

Mas é importante frisar que os fundos florestais promovem a gestão de ativos vivos, o que obriga a uma interpretação adaptada das regras sobre gestão de organismos de investimento coletivo. Em última análise, em causa estão veículos privilegiados na conservação dos patrimónios florestais, o que apresenta uma função relevante de rentabilização dos patrimónios e, designadamente, na prevenção de fogos, com relevo crítico entre nós.

Assim, apesar de a proposta legislativa agora apresentada sobre o mercado voluntário de créditos de carbono representar um estímulo muito positivo no desenvolvimento do mercado de bens associados à conservação do capital natural, que se saúda, a verdade é que, de um ponto de vista institucional, a atividade da gestão de ativos conta já com a intervenção de diversos players que veem no setor florestal um elemento fundamental na composição dos portfólios e integram na respetiva política de investimentos objetivos de sequestro e consequente transação de carbono.

Com efeito, a gestão de ativos florestais emerge de um contexto de aposta generalizada numa estratégia de investimento sustentável, que contribui para a diversificação dos portfólios existentes, a mitigação do risco ambiental e, em última análise, a criação de valor sustentável a longo prazo na esfera dos respetivos participantes. Para tanto, este setor vem florescendo tanto numa lógica de offset direto, como de offset indireto, consoante a atividade se encontre concebida para a compensação de Gases com Efeito de Estufa (“GEE”) do emitente, ou de alguém com ele relacionado, ou para transação e compensação de GEE de terceiros, respetivamente.

O desenvolvimento deste mercado tem alguns marcos importantes que importa assinalar. A comercialização de produtos financeiros associados a ativos florestais confrontou-se, num primeiro momento, com uma dificuldade de classificação. Este cenário beneficiou, contudo, de uma evolução salutar. É, desde logo, o que se verifica com a promoção de regulação sobre a taxonomia e divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros, que sucessivamente enformam o setor de uma calibração mais fina, estabelecendo critérios para a determinação se uma atividade contribui para a mitigação ou adaptação das alterações climáticas e se essa atividade não prejudica o cumprimento de outros objetivos ambientais (“do no significant harm”).

Além disso, impõe-se às instituições financeiras um dever de divulgar o modo como estas integram nas suas decisões de investimento riscos e fatores em matéria de sustentabilidade. Assim, a sujeição dos fundos florestais às regras sobre instrumentos financeiros ao abrigo do SFDR assegura a padronização europeia na sua classificação em termos de promoção ou assunção de objetivos ambientais.

Outro eixo que preocupa tanto as autoridades reguladoras como os investidores finais relaciona-se com a integridade e a credibilidade deste mercado. Os casos recentes de alegada dupla contabilização de créditos de carbono sequestrados reforçam a ideia de que as estruturas de negociação de créditos de carbono não podem ser pensadas exclusivamente sob o ponto de vista dos agentes da procura e da oferta, mas devem envolver igualmente os certificadores e as autoridades reguladoras e de supervisão.

Neste contexto, é expectável um acompanhamento cada vez mais atento às atividades e aos negócios subjacentes ao mercado e gestão de ativos carbónicos, incidindo especialmente sobre os métodos de quantificação da redução de emissões de GEE. Este mercado deve operar sob princípios de qualidade e confiabilidade de informação, deste modo a evitar disfunções informativas. Por este motivo, a Comissão Europeia propôs recentemente o estabelecimento de um quadro uniforme de certificação relativo às remoções de carbono.

Soma-se que, segundo o anteprojeto em consulta pública, o princípio da credibilidade se inclui entre os princípios sob que se deverá reger o mercado voluntário regulado de carbono. Refira-se, aliás, que os fenómenos de greenwashing não se confinam apenas à prestação de informações falsas, como refere o anteprojeto, mas também incluem informações exageradas, ambíguas, tendenciosas ou não objetivas: o documento de consulta pública das autoridades de supervisão europeias de 2022 demonstra-o claramente.

Em suma, o estabelecimento de um mercado voluntário de carbono representa um passo decisivo na transição para uma neutralidade carbónica, o que antecipa diversas virtualidades nos ciclos económicos vindouros, entre os quais a diversificação das fontes de financiamento de projetos sustentáveis. Não é de estranhar, neste contexto, que os projetos de sequestro florestal de carbono, enquanto sumidouros terrestres, surjam identificados como prioritários na prossecução dos compromissos relativos ao êxito de uma economia neutra em carbono.

A reformulação do quadro normativo pode, assim, potenciar a continuada afirmação dos organismos de investimento coletivo como estruturas preferenciais de compensação carbónica e de criação de valor sustentável a longo prazo. A expectativa, agora, é a de que estes possam desenvolver-se, num quadro regulatório, económico e de supervisão equilibrado e integrado.

Paulo Câmara, Sócio da Sérvulo & Associados

José Eduardo Oliveira, Advogado Estagiário da Sérvulo & Associados

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