Pedro Nuno Santos “passou” o teste da CPI a pensar na liderança do PS
O ex-ministro mostrou humildade, reconhecendo erros, e defendeu o PS e as suas figuras em toda a linha. Por agora "não é candidato a nada", mas quer ser.
Apesar de estar no centro da polémica que levou à criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela pública da gestão da TAP, Pedro Nuno Santos entrou nela como candidato à sucessão de António Costa na liderança do PS. Durante as oito horas de questionário reconheceu erros, defendeu o seu legado e teve o cuidado de não semear divisões no partido, antes uni-lo. Agora não é “candidato a nada”, como fez questão de dizer, mas mostrou no Parlamento que ainda quer ser.
O ex-ministro das Infraestruturas e Habitação entrou à defesa (que é o melhor ataque). Na sua intervenção inicial, feita sem quaisquer notas, começou por reconhecer que a saída de Alexandra Reis da administração da TAP “é um processo que correu mal”, mas que assumiu as suas responsabilidades demitindo-se, “a punição máxima”, como lhe chamaria mais à frente na audição.
Mais difícil foi explicar o inexplicável. Pedro Nuno Santos reconheceu que reuniu, a sós, com a ex-CEO da TAP, Christine Ourmière-Widener, a 4 de janeiro de 2022, um mês antes do anúncio da saída de Alexandra Reis e que nesse dia anuiu à substituição da antiga administradora executiva, devido ao “mal-estar” entre ambas. Depois, disse aos deputados, só esteve no fim do processo, quando o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, lhe deu conta do valor pretendido por Alexandra Reis e demais regalias. Primeiro 1,5 milhões de euros e por fim 500 mil euros, que considerou um valor “ainda alto”, mas que Hugo Mendes lhe disse que não dava para baixar mais. Autorizou, por WhatsApp.
Quando o caso rebenta com a notícia do valor da indemnização no Correio da Manhã, a 24 de dezembro, Pedro Nuno Santos começa por, em conjunto com Medina, pedir esclarecimentos à TAP sobre o acordo. “O pedido de esclarecimento é sobre aquilo que não sabia: como se chega àquele valor. Mesmo que soubesse, precisávamos sempre de uma resposta formal da TAP para remeter à Inspeção-Geral de Finanças (IGF)”, defende-se.
Cinco dias depois, a 29 de dezembro, demite-se, dizendo que não teve conhecimento do acordo, mas apenas o seu secretário de Estado das Infraestruturas. Três semanas depois, envia um segundo comunicado onde não só admite que sabia como autorizou o acordo de saída e a indemnização. Fustigado pelos deputados da oposição, Pedro Nuno Santos, alegou que “quase um ano depois não tinha memória”, sublinhou que tinha muitos outros assuntos com que lidar — “A indemnização a Alexandra Reis é menos de 1% do trabalho com a TAP e menos de 0,5% do trabalho do Ministério” — e aludiu ao “período de luto” após o anúncio da demissão em que se afastou de todos os assuntos. André Ventura, deputado do Chega disse e repetiu: “como é se esquece uma indemnização de meio milhão de euros”?
O antigo governante também recorreu ao “não sabia”. Não tinha informação sobre o decorrer do processo e “não sabia que não tinha havido contacto entre o secretário de Estado das Infraestruturas e o Secretário de Estado do Tesouro”.
A auditoria da Inspeção-Geral de Finanças haveria de concluir mais tarde que o acordo com Alexandra Reis violava o Estatuto do Gestor Público (EGP) e era ilegal. A administradora foi sondada mês e meio depois de sair da TAP para assumir a presidência da NAV, em junho de 2022, indicada por Pedro Nuno Santos, o que também a obrigava a devolver parte da indemnização, segundo o EGP. O ex-ministro garantiu que não há relação entre os dois processos, mas sobre a questão da indemnização atirou a responsabilidade para a “competentíssima” Alexandra Reis e os seus deveres como “gestora pública”.
Se era indisfarçável que o processo relativo a Alexandra Reis correu mal, Pedro Nuno Santos procurou quase sempre criar pontes com os outros protagonistas do PS em vez de semear discórdia, unindo o partido e não dando pedras para a oposição atirar.
A “solidariedade” de António Costa
As divergências com o primeiro-ministro foram notórias no caso do despacho sobre o novo aeroporto de Lisboa, que António Costa revogou, desautorizando o ministro. Pedro Nuno Santos não mostrou ressentimentos.
“Tinha e tenho uma boa relação com o primeiro-ministro. Vou vendo muitas leituras sobre a minha relação com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças. Nunca senti falta de solidariedade do primeiro-ministro. A decisão de demissão foi minha”, afirmou, respondendo a Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.
Permitiu-se, ainda assim, discordar do primeiro-ministro quando foi confrontado com as declarações de António Costa sobre o email de Hugo Mendes a sugerir que a CEO da TAP anuísse a um pedido para alterar o voo do Presidente da República, a pedido da agência de viagens. O chefe do Governo afirmou que demitia o secretário de Estado “na hora”. Pedro Nuno Santos afirmou que o trabalho do governante tinha de ser avaliado no seu todo e não apenas por um momento “infeliz”, como o próprio assumiu.
A mesma versão que Medina
O ministro das Finanças é ouvido esta sexta-feira na derradeira audição da CPI. O PSD quis saber se Pedro Nuno Santos tinha falado com Fernando Medina antes de este convidar Alexandra Reis para ocupar a secretaria de Estado do Tesouro.
O ex-ministro confirmou a versão já transmitida pelo antigo colega de Governo há uns meses no Parlamento, garantindo que não falou com Fernando Medina antes deste convidar Alexandra Reis para secretária de Estado do Tesouro, cargo em que tomou posse a 2 de dezembro de 2022. “Ele não pede a minha opinião antes de convidar Alexandra Reis. Soube [que ia para o Governo] no dia em que foi tornado público. Fiquei com pena pela NAV, mas fiquei a achar que o Governo tinha ganho uma excelente secretária de Estado do Tesouro”.
Fazendo suas as palavras do seu ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, negou também que tenha dado qualquer instrução à ex-CEO da TAP para que a comunicação no Governo fosse feita apenas com as Infraestruturas, evitando as Finanças.
Caso Galamba? “Não tomo lados”
Os deputados quiseram saber a opinião do ex-ministro sobre os desacatos de dia 26 de abril no Ministério das Infraestruturas que envolveram Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba, e que levaram o ministro a apresentar a demissão, rejeitada por António Costa. Pedro Nuno Santos não quis deitar mais achas para a fogueira.
“Não tomo lados sobre episódios que não presenciei”, respondeu o ex-ministro das Infraestruturas, de quem Frederico Pinheiro disse ter recebido apoio. Pedro Nuno Santos salientou o também seu ex-adjunto referiu o apoio “como amigo”. Depois quis deixar bem claro: “Não vou emitir nenhuma opinião sobre esse caso”.
Não deixou, ainda assim, de elogiar Frederico Pinheiro. “A avaliação que faço do seu trabalho é muito positiva. É inteligente, trabalhador. Do contacto comigo e que vi com os outros, respeitador”, disse.
Em defesa de Pedro Marques
Alinhando com os restantes ex-governantes socialistas, Pedro Nuno Santos fez a defesa da reconfiguração acionista da TAP protagonizada pelo seu antecessor, Pedro Marques. O Governo fechou em 2017 a recompra de parte do capital reprivatizado em 2015 pelo Governo de Passos Coelho, voltando a deter 50% do capital mas ficando apenas com 5% dos direitos de voto.
O ex-ministro assinalou que sem a operação, em 2019 a Atlantic Gateway tinha a opção de ficar com a totalidade da companhia aérea e que a reconfiguração acionista permitiu um controlo sobre a TAP que os acordos anteriores não possibilitavam.
Reconheceu, no entanto, que o acordo parassocial assinado com os privados levou a que o Estado tivesse de pagar 55 milhões a David Neeleman para sair da TAP em 2020, depois da pandemia, apesar da situação de rutura da companhia. Mas apontou responsabilidades ao PSD. “Nós só tivemos que fazer aquele acordo com David Neeleman porque ele é dono da empresa, não porque há acordo parassocial”, disse.
Tal como já tinha feito na Comissão de Economia, uma semana antes, Pedro Nuno Santos puxou pelos galões do trabalho na TAP e na CP. Voltou a lembrar que foi o único ministro a sair com a empresa de comboios e a transportadora aérea a dar lucros. “Entreguei-me de corpo e alma ao dossiê da TAP. Dei o corpo às balas”, atirou.
Confessando saudades do trabalho como ministro — “foi bom enquanto durou” — o “menino de ouro” do PS, como lhe chamou Paulo Moniz, do PSD, deixou claro que não atirou a toalha ao chão. Vai assumir o lugar de deputado no Parlamento a partir dia 4 de julho. André Ventura disse, às tantas, que Pedro Nuno Santos estava “a falar para o eleitorado”, acusação que devolveu. “Não sou candidato a nada”. Pelo menos, por agora.
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