Licenciamento de hidrogénio ficou mais simples. Mas mantêm-se grandes dificuldades
Uma nota interpretativa, recentemente emitida, veio clarificar e simplificar o licenciamento de projetos de hidrogénio verde. Mas muitos obstáculos mantêm-se, alertam especialistas.
A Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) publicou recentemente uma nota interpretativa para “promover a clareza e transparência sobre as questões envolvidas no licenciamento industrial de hidrogénio renovável em Portugal”, com o objetivo de diminuir a complexidade dos procedimentos, indicou o Ministério do Ambiente e da Ação Climática. A nota agiliza o processo, mas persistem entraves ao licenciamento de projetos de hidrogénio verde, alertam os especialistas ouvidos pelo ECO/Capital Verde.
A nota interpretativa começa por clarificar as condições que os produtores devem cumprir para provar que o hidrogénio produzido é, de facto, renovável.
Uma vez que não se encontram estabelecidos em lei ou regulamento nacional os critérios para o hidrogénio ser considerado de origem renovável, explica a sociedade Macedo Vitorino, a nota acaba por remeter para as regras estabelecidas na Diretiva de Energias Renováveis.
Além disso, “até agora, não era claro que tipo de prova os promotores deveriam fazer para demonstrar a origem verde da eletricidade utilizada para produzir hidrogénio”, indica o sócio da área de Projetos e Energia da PLMJ, João Marques Mendes.
A nota interpretativa determina que seja assinada uma “simples declaração de honra”, na qual os produtores se comprometem a produzir hidrogénio de fonte renovável, “tornando simples um processo que é complexo nos termos da lei e das regras europeias”, avalia o sócio responsável pelo Departamento de Ambiente na SRS, José Luís Moreira da Silva. A ‘prova dos nove’ é pedida mais tarde, na fase de construção, quando devem ser entregues um conjunto de documentos que comprovam o atestado na declaração inicial.
Caso não se confirme o uso de energias renováveis, os produtores ficam sujeitos a sanções, ressalta o mesmo sócio da SRS. Essas sanções passam por uma perda de direitos de exploração, não sendo emitido o título relativo à instalação e exploração do estabelecimento industrial, lê-se na nota.
A nota interpretativa “vem realmente simplificar o processo e permitir a abertura do procedimento e a sua conclusão mais célere”, conclui, portanto, José Luís Moreira da Silva.
Mas servirá para atrair mais projetos? “A minha convicção é que esta nota interpretativa aproveitará, sobretudo, aos promotores que já estão efetivamente interessados na participação no concurso, achando difícil que tal suscite um incremento exponencial de procura”, estima Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em Economia da Energia.
A sociedade Macedo Vitorino também rejeita a tese de aumento do volume de interessados, pois identifica outros problemas no licenciamento.
O “elefante na sala” é a própria energia
Apesar de concordarem que a nota interpretativa vem facilitar o processo, os mesmos especialistas ressalvam que persistem entraves ao licenciamento de projetos de hidrogénio verde, os quais veem como verdadeiros desafios.
“O principal entrave ao desenvolvimento de projetos de hidrogénio parece-nos que não reside no processo de licenciamento do eletrolisador em si, mas antes no processo de licenciamento de soluções de autoconsumo solar que vão alimentar o processo de eletrólise”, indica a Macedo Vitorino, na voz do sócio fundador João Macedo Vitorino e do Associado Sénior Coordenador Frederico Vidigal.
"Alguns projetos de produção de hidrogénio têm acabado por não sentir do papel pela dificuldade em encontrar o terreno necessário à operação da UPAC [Unidade de Produção para Autoconsumo] necessária à produção do hidrogénio.”
De acordo com os mesmos, os promotores têm sentido dificuldade em instalar junto a polos industriais grandes projetos de autoconsumo que consigam alimentar em exclusivo a produção do eletrolisador. “A proximidade entre a UPAC e as instalações de consumo é condição legal para o exercício da atividade de produção”, explicam, para depois alertarem: “Alguns projetos de produção de hidrogénio têm acabado por não sentir do papel pela dificuldade em encontrar o terreno necessário à operação da UPAC [Unidade de Produção para Autoconsumo] necessária à produção do hidrogénio”. Isto porque os custos são “demasiado altos” se a produção de hidrogénio verde for feita com recurso a eletricidade fornecida pela rede, dizem.
"A definição de uma estratégia rápida e eficaz para criar e libertar capacidade de acesso à rede pública para novos projetos de produção renovável é determinante para viabilizar não só projetos de hidrogénio verde mas uma série de projetos industriais estratégicos e que dependem de eletricidade verde.”
João Marques Mendes considera como principal desafio o acesso à rede pública de eletricidade por parte das centrais solares ou eólicas que vão abastecer os eletrolisadores, e acrescenta à problemática as dificuldades no licenciamento de gasodutos de ligação entre produtores e clientes.
Então, como dar resposta a estes problemas? Para Marques Mendes, é urgente “a definição de uma estratégia rápida e eficaz para criar e libertar capacidade de acesso à rede pública para novos projetos de produção renovável” pois “é determinante para viabilizar não só projetos de hidrogénio verde, mas uma série de projetos industriais estratégicos e que dependem de eletricidade verde”.
Já a Macedo Vitorino sugere dois caminhos: que o legislador considere a figura do Cliente Eletrointensivo e permita aos promotores, ainda numa fase inicial do projeto, aderir a este estatuto, através do qual o consumidor fica isento de uma parte do preço da eletricidade, os custos de interesse económico geral (CIEG). Em paralelo, esta sociedade considera “desejável” que fosse estabelecido um canal específico de atribuição de capacidade, dedicado à alocação de capacidade para projetos de autoconsumo, especialmente para consumidores eletrointensivos direcionados à produção de hidrogénio e seus derivados.
"A minha convicção é que temos uma relativa desatualização nos mapas de potencial hídrico, por exemplo no Baixo Alentejo, com consequências para o licenciamento futuro de novos projetos.”
Filipe de Vasconcelos Fernandes identifica ainda outro entrave ao desenvolvimento de projetos: “a necessidade uma maior adesão à realidade de algumas perspetivas, por parte da(s) entidades licenciadoras, quanto ao potencial hídrico de determinadas localizações”. A água também é necessária para a produção de hidrogénio mas, face à instabilidade dos ciclos hidrológicos, “poderá estar muito mais abaixo do que o expectável”, assinala o mesmo. “A minha convicção é que temos uma relativa desatualização nos mapas de potencial hídrico, por exemplo no Baixo Alentejo, com consequências para o licenciamento futuro de novos projetos”, conclui.
O ministério da tutela considera que o lançamento da nota interpretativa é “um contributo relevante para a concretização do potencial da fileira do hidrogénio renovável” mas reconhece, de certa forma, que é preciso mais, referindo que irá continuar a trabalhar em “estreita colaboração com as partes interessadas”, lê-se em comunicado.
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