Qualidade da água no topo. Mas regras apertam e será difícil manter

A dificuldade advém sobretudo da avaliação de risco, que vai ser estendida “da origem à torneira”, e de novos parâmetros de avaliação da qualidade da água.

A Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) divulgou esta segunda-feira que, em 2022, pelo oitavo ano consecutivo, Portugal Continental atingiu o patamar de 99% no indicador “água segura”, considerado um patamar de “excelência”.

Contudo, as regras quanto à qualidade da água irão ser reforçadas a nível europeu nos próximos anos, pelo que será “difícil” manter este patamar, indica a presidente da entidade, Vera Eiró.

Estes resultados são muito bons, estamos contentes com a resposta que foi dada pelo setor num ano de escassez. (…) É um resultado que vemos com uma enorme responsabilidade, porque vai ser cada vez mais difícil de garantir. Temos noção que este não é um trabalho finalizado e que os próximos anos vão ser muito, muito difíceis”, aferiu Vera Eiró, num encontro com jornalistas em que apresentou o documento publicado esta segunda-feira.

A dificuldade acrescida advém das novas regras que deverão ser implementadas faseadamente nos próximos anos e que estão previstas num diploma que entrou em vigor no passado dia 21 de agosto (Decreto-Lei n.º 69/2023), o qual transpõe a mais recente diretiva europeia nestas matérias (a diretiva 2020/2184).

Vera Eiró, presidente do Conselho de Administração da ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, em entrevista ao ECO/Capital Verde - 23JAN23
Vera Eiró, presidente do Conselho de Administração da ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, em entrevista ao ECO/Capital VerdeHugo Amaral/ECO

As novas regras debruçam-se sobre cinco grandes temas, que vão desde a melhoria do acesso à água (através da obrigação de instalar bebedouros em locais públicos, ou de garantir que qualquer pessoa possa pedir um copo de água gratuitamente) até ao dever de informação sobre a qualidade da água.

Mas a dificuldade advém sobretudo da avaliação de risco, que vai ser estendida “da origem à torneira”: em vez de estar focada nos sistemas de abastecimento, vai também incluir as bacias hidrográficas (onde existem as captações de água) e os sistemas prediais. Vai passar a ser avaliada a qualidade da água em edifícios públicos como hospitais e escolas e, além de abarcar mais partes do sistema de água, vai também ser mais direcionada; vai passar a focar-se nos parâmetros identificados como mais frágeis para cada sistema em específico, tornando assim maior a probabilidade de incumprimento.

As diretivas europeias determinaram também que se adicionasse novos parâmetros e que alguns valores se tornassem mais exigentes. Por exemplo, as quantidades de chumbo e crómio aceitáveis desceram para cerca de metade.

Estas exigências vão requerer um reforço nos recursos técnicos e financeiros, mas para já o regulador não avança uma quantificação dos custos associados.

Seca faz Algarve migrar de furos para a rede

A situação de seca não se tem repercutido na qualidade da água “por força das entidades gestoras”, indica Vera Eiró, explicando que, por exemplo, quando se capta água no volume morto da barragem, a qualidade da água é pior, pelo que exige um esforço acrescido de tratamento.

Outra tendência que se verifica em situações de escassez de água é o aumento do consumo de água na rede, que o regulador associa ao facto das captações próprias (como furos ou poços) secarem. “O aumento é notado e é preocupante”, indica Vera Eiró, uma vez que isto evidencia o uso anterior de captações próprias.

A presidente da ERSAR identifica três problemas em usar este tipo de captações: por um lado põe em causa o modelo financeiro de distribuição da água, que assenta numa repartição de custos; por outro lado, põe em causa a qualidade da água ingerida ou usada pelos proprietários da captação e, finalmente, essa captação, se mal mantida, pode contaminar a rede pública.

A diretora do departamento de Qualidade do regulador, Susana Rodrigues, assinala ainda que a mais recente diretiva da qualidade da água é mais holística que a anterior, e abarca também a questão das perdas de água.

Até janeiro de 2026, todos os Estados-membros têm de reportar resultados quanto a perdas de água, algo que já é medido atualmente pelo regulador. No entanto, “Há potencial de melhoria, há trabalho a fazer nesse âmbito”, indica a diretora de Qualidade da ERSAR. Já em 2030, os Estados-membros que não cumpram com os limites de perdas de água que deverão estar definidos em 2028, mediante um ato delegado, terão de apresentar um plano de redução de perdas.

Três municípios abaixo de 95%

Susana Rodrigues atribui os bons resultados na qualidade da água, que classifica como “o milagre português”, a “um setor muito maduro”. Há 20 anos, em 1993, o mesmo indicador estava nos 50%, e em 2004 ficava-se pelos 84%.

O indicador “água segura” mede, simultaneamente e com o mesmo peso, o número de análises realizadas (se se enquadram, ou não, no previsto por lei) e quais respeitaram os valores definidos para os diferentes componentes presentes na água.

Há apenas três municípios que não atingiram o patamar dos 95%, “que é um patamar muito exigente”, indica Susana Rodrigues. Foram Arronches, Sever do Vouga e Crato. No caso de Sever do Vouga, ficou prejudicado pela situação de seca, que não permitiu fazer o número de análises recomendado. Nos restantes municípios também não houve incumprimento nos valores paramétricos, mas as exigências de reporte não foram respeitadas tendo em conta mudanças nas entidades gestoras.

A mensagem, para o regulador, é clara: “Portugal tem água segura na torneira e temos de incentivar o consumo pela questão ambiental”, apela Susana Rodrigues. Para se chegarem a estes resultados, foram feitas mais de 600 mil análises em 2022, e não se registaram quaisquer surtos epidemiológicos no país.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Qualidade da água no topo. Mas regras apertam e será difícil manter

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião