Guerra entre Israel e o Hamas expõe impotência do FMI e do Banco Mundial
Dificuldade em emitir comunicados conjuntos pelo FMI e o Banco Mundial evidenciam as divisões políticas e a falta de consenso entre os países membros das instituições.
Os principais responsáveis financeiros chegavam a Marrocos a 7 de outubro para os Encontros Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial quando o Hamas atacou Israel. O conflito pôs em causa a agenda do evento, tornando-se o centro das atenções de conversas privadas durante as reuniões. No entanto, em declarações oficiais, as duas instituições revelaram dificuldades em abordar as suas implicações.
Nos eventos de abertura, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, não mencionou o mais recente conflito no Médio Oriente. Mais tarde, numa entrevista com vários meios de comunicação, disse que é difícil avaliar o impacto do ponto de vista económico, acrescentando que o FMI “acompanha muito de perto a situação” e as suas eventuais consequências.
Ainda assim, a escalada das tensões naquela região soma-se às “graves perturbações” que a economia mundial já enfrenta e que estão a tornar-se “a nova norma, fragilizando ainda mais um mundo já debilitado pelo fraco crescimento e pela fragmentação da sua economia”, insistiu Georgieva.
“É uma tragédia humanitária e um choque económico global de que não precisamos“, afirmou, por sua vez, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, em declarações à Reuters no dia 9 de outubro. No último dia do evento, voltou a falar do tema, ao reconhecer que o conflito entre Israel e o Hamas, juntamente com a guerra na Ucrânia e os golpes de Estado no continente africano, “lançam longas sombras” sobre as realizações da reunião e aumentam os desafios económicos: “Sem paz, é difícil para as pessoas obterem estabilidade, crescimento, cuidar dos seus filhos, arranjar emprego”.
A impotência na abordagem ao ataque do Hamas e à resposta israelita expõe as divisões geopolíticas dentro das duas instituições. “Com a divisão política que há neste momento, haver um joint communiqué (comunicado conjunto) vai ser muito difícil”, considera Francesco Franco, economista e professor assistente na NOVA SBE, em declarações ao ECO.
A linguagem dos comunicados emitidos por estes organismos é bastante escrutinada, em particular quando há um choque global provocado pelo homem. Anteriormente, as tensões viram-se, por exemplo, na invasão russa da Ucrânia, como também nas disputas entre os Estados Unidos e a China. Quanto ao conflito no Médio Oriente, um responsável do G20 afirmou, citado pela Reuters, que “é ainda mais controverso, sendo quase impossível chegar a um consenso”.
Se chegar ao ponto de ter dificuldades orçamentais, se tiver dificuldades em manter a estabilidade da sua moeda, aí sim também pode apoiar Israel.
“Não podem fazer nada relativamente ao conflito ou às consequências diretas” do mesmo, refere, ao ECO, o economista Álvaro Santos Almeida. O docente na Faculdade de Economia do Porto (FEP) distingue o papel do Banco Mundial e do FMI: enquanto a intervenção do primeiro destina-se a financiar projetos de apoio ao desenvolvimento dos países, o segundo tem como função o auxílio a países em dificuldades financeiras.
Significa isto que o Banco Mundial pode ter um papel numa fase de reconstrução dos territórios afetados pela guerra — mas não durante o conflito — e o Fundo Monetário Internacional poderá apoiar países que, na sequência de uma crise económica que possa resultar do conflito, se encontrem em situações de incumprimento ou pré-incumprimento do pagamento da dívida.
No caso do conflito no Médio Oriente, Álvaro Santos Almeida aponta que o único apoio que o FMI poderia dar seria a Israel, uma vez que o Hamas não é um Estado. “Naturalmente que o conflito implicará um esforço orçamental muito grande para Israel. Se chegar ao ponto de ter dificuldades orçamentais, se tiver dificuldades em manter a estabilidade da sua moeda, aí sim também pode apoiar Israel“, nota o economista, que pertenceu aos quadros da instituição sediada em Washington.
Desde 6 de outubro, dia anterior ao ataque lançado pelo Hamas, a moeda israelita, o shekel, desvalorizou 3,8% face ao euro. “Para já, o Banco de Israel conseguiu controlar a situação, mas, se se agravar, pode ficar sem reservas e aí sim entramos no domínio da ação preferencial do FMI, que é precisamente apoiar os bancos centrais que tenham falta de reservas para apoiar a estabilização da sua moeda”, explica.
A decisão tanto de uma intervenção do Fundo Monetário Internacional para a estabilização da moeda ou de apoio orçamental ao Governo israelita, como de uma intervenção do Banco Mundial para apoiar a reconstrução das zonas afetadas pela guerra, é tomada formalmente pelos respetivos executive boards das instituições.
Estes comités têm representantes dos Estados-membros, mas é aplicada uma representação proporcional às quotas. Neste momento, são os países ocidentais e seus aliados, nomeadamente os EUA, o Japão, o Canadá, a Alemanha, a França, a Itália e o Reino Unido que têm a maioria dos votos.
“As divergências podem ser expressas nas discussões dentro do executive board, mas não são suficientes para impedir um apoio que este grupo de países queira prestar. Porque esses países controlam a maior parte da instituição e, portanto, a maior parte das decisões estão garantidas desde que haja um acordo entre estes países”, aponta Álvaro Santos Almeida.
Estas instituições só podem ajudar a posteriori naquilo que for o âmbito da sua atuação. Não é possível o FMI ou o Banco Mundial prestarem apoio durante o conflito.
O economista João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG), concorda com o professor da FEP. “Estas instituições só podem ajudar a posteriori naquilo que for o âmbito da sua atuação. Não é possível o FMI ou o Banco Mundial prestarem apoio durante o conflito, estariam a financiar a guerra. Nem faz sentido estarem a financiar a reconstrução de um país em guerra”, disse.
Nos Encontros Anuais da última semana, o órgão diretivo do Banco Mundial aprovou uma nova declaração de visão “para criar um mundo livre de pobreza num planeta habitável”, a fim de incorporar a sua nova missão de luta contra as alterações climáticas, as pandemias e os Estados frágeis, juntamente com novas medidas para expandir os empréstimos.
O comité de direção do FMI, por seu lado, concordou em aumentar o financiamento das quotas até ao final do ano, deixando a porta aberta para o fazer sem ajustar a sua estrutura acionista de modo a dar mais votos à China, enquanto foi atingido o objetivo de angariar 3.000 milhões de dólares para o seu fundo fiduciário para os países pobres.
Consequências “imprevisíveis” em caso de escalada do conflito
Os economistas Álvaro Santos Almeida e João Duque subscrevem as palavras da diretora-geral do FMI, considerando ser muito prematuro tentar antecipar as consequências económicas do conflito, em particular ao nível dos mercados internacionais petrolíferos. Só a cotação do barril de Brent, quando considerada em euros, valorizou 6,85% entre 6 de outubro e as 13 horas desta terça-feira.
“Qualquer choque económico que resulte de um aumento do preço do petróleo, que seria um choque com efeitos globais, em princípio não terá uma dimensão tal que possa exigir a intervenção do FMI (…). Pode sim haver um ou outro país que já esteja numa situação difícil e que possa ficar ainda pior se houver um grande aumento dos preços do petróleo“, refere o docente da FEP.
Ainda assim, Santos Almeida argumenta que o conflito pode não ter muitas consequências para o resto do mundo, para além dos países diretamente envolvidos. Dá como exemplo o que aconteceu com a guerra na Ucrânia: “No início sim, teve um impacto, porque se refletiu num grande aumento dos preços da energia, mas o conflito continua e o efeito já desapareceu”.
A minha previsão é que, a não ser que o conflito escale para um conflito regional, passe a ser entre Israel e Irão, não terá grande impacto económico. Se envolver o Irão e armas nucleares, então aí já as consequências serão imprevisíveis.
“A minha previsão é que, a não ser que o conflito escale para um conflito regional, passe a ser entre Israel e Irão, não terá grande impacto económico. Se envolver o Irão e armas nucleares, então aí já as consequências serão imprevisíveis”, defende.
Também para João Duque, o impacto económico da guerra entre o Hamas e Israel depende de como esta escalar. Para o professor catedrático do ISEG, poder-se-ia ainda dizer alguma coisa sobre a passagem de bens e serviços na região, mas considera que ainda está “muito longe disso”.
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