Nicolas Schmit, o fazedor de pontes que quer substituir von der Leyen
Colegas socialistas descrevem "spitzenkandidat" como um fazedor de pontes e uma pessoa flexível. Não sendo disruptivo, como von der Leyen, compensa com a capacidade de diálogo e negocial.
É flexível e um orador mobilizador, com capacidade negocial e de diálogo. Não é agitador nem disruptivo, e o perfil público é relativamente discreto. Mas, quem trabalhou de perto com Nicolas Schmit, reconhece-lhe a aptidão para compreender a complexidade dos puzzles que envolvem as instituições europeias, desde os tempos em que representava o Luxemburgo em Bruxelas até liderar a política social comunitária.
Após ter oficializado, na semana passada, a sua candidatura para ser o rosto da campanha do grupo dos Socialistas & Democratas (S&D) às eleições europeias, o comissário europeu luxemburguês será eleito o spitzenkandidat da segunda maior família política do Parlamento Europeu no Congresso Eleitoral do Partido Socialista Europeu (PES, na sigla em inglês), agendado para 2 de março, em Roma.
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“Não querendo ser injusto com ninguém, Nicolas Schmit é, muito provavelmente, o comissário deste mandato que mais proximamente trabalha com o Parlamento Europeu“, realça, em declarações ao ECO, o socialista Pedro Marques, notando que, todos os dias em que estão em Estrasburgo, o luxemburguês tem uma reunião com os eurodeputados.
Este “empenho muito intenso”, como descreve o deputado europeu do PS, facilita o trabalho do comissário com a pasta do Emprego e dos Direitos Sociais no momento de criar consensos políticos. “Pude testemunhar como ele desenvolvia diretamente contactos com os diferentes grupos políticos para procurar formar maiorias“, acrescenta.
Ao mesmo tempo, Nicolas Schmit é muito popular entre os sindicatos europeus, o que ajudou, por exemplo, na hora de negociar as novas regras para o salário mínimo nos países da União Europeia (UE), a iniciativa relativa ao rendimento mínimo, a diretiva sobre os direitos dos trabalhadores das plataformas digitais ou o instrumento SURE (um conjunto de apoios financeiros de emergência para preservar os empregos na altura da pandemia).
A eurodeputada Margarida Marques responsabiliza o luxemburguês pelas propostas da área social acordadas por Bruxelas desde 2019: “Sempre que penso naquilo que se fez pela UE em matéria social, eu atribuo a Nicolas Schmit, não a Ursula von der Leyen. É evidente que ela é presidente da Comissão e tudo o que é aprovado também tem o apoio dela, mas ele claramente liderou as políticas sociais”.
No entanto, o principal sucesso do seu mandato foi a Cimeira Social, que decorreu no Porto durante a última presidência portuguesa do Conselho da UE, no primeiro semestre de 2021. Lado a lado com a ministra Ana Mendes Godinho, viu aprovado o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais pelos líderes dos 27 Estados-membros, “aumentando o destaque que podia ter no contexto do programa da Comissão”, aponta Pedro Marques.
O ex-ministro do Trabalho José Vieira da Silva, com quem Schmit trabalhou naquela ocasião, destaca que o luxemburguês “pondera muito qual é a relação de forças” na tomada de decisões. “Não avança de certo modo só porque acha que é esse o caminho. Pensa sempre em função daquilo que é possível fazer, ainda que seja uma pessoa de convicções”, argumentou.
Mas o caminho de Nicolas Schmit na política europeia começou muito antes de 2019, ano em que foi nomeado comissário em representação do seu país de origem. Depois de alguns anos em gabinetes ministeriais, tornou-se, no final da década de 1990, o embaixador representante permanente do Luxemburgo junto da União Europeia, cargo onde permaneceu durante cerca de sete anos.
Foi ministro dos Negócios Estrangeiros no Governo luxemburguês entre 2004 e 2009 e, neste ano, assumiria a pasta do Trabalho, Emprego e Imigração, numa altura em que a crise financeira atingia o grão-ducado, com a comunidade portuguesa no país a representar quase um terço dos desempregados.
Tem uma grande capacidade de fazer a ponte, tanto com alemães e franceses, como também com os países da Europa do Sul, com Portugal e Espanha. É uma grande mais valia que tem.
Os desafios enfrentados em quase uma década com a tutela das áreas do emprego e do trabalho no Luxemburgo, a par com a formação académica em relações económicas internacionais, conferiram a Schmit a experiência necessária para, nos últimos cinco anos, ter abraçado a dimensão social a nível europeu, ainda mais no contexto da pandemia de Covid-19 e da crise provocada pela alta inflação. Agora, chegou-se à frente para, dependendo dos resultados que saírem da votação agendada para 6 a 9 de junho, poder ser a escolha para liderar a Comissão Europeia.
Aliás, na carta de motivação para se tornar o principal candidato dos socialistas, Schmit usou a sua experiência na política luxemburguesa e enquanto comissário do Emprego como trunfos para ser eleito o spitzenkandidat, apontando que lhe proporcionaram “uma visão sólida e um conhecimento prático da política nacional e europeia”.
José Vieira da Silva evidencia, precisamente, que a vida política do antigo ministro de governos de Jean-Claude Juncker e Xavier Bettel foi sempre ligada à União Europeia. Em Schmit, vê uma “grande capacidade de fazer a ponte, tanto com alemães e franceses, como também com os países da Europa do Sul, como Portugal e Espanha”.
Além dessa “grande mais-valia”, o ex-ministro socialista considera que o outrora seu homólogo é uma pessoa “muito flexível” — “algumas pessoas poderão até achar demais” –, mas aponta como qualidades “muito importantes” a “capacidade de diálogo”, a “capacidade negocial” e o facto de ser “tecnicamente muito forte”.
Comparando-o com a atual presidente do Executivo comunitário, Vieira da Silva reconhece algumas diferenças. “Von der Leyen é uma pessoa mais agressiva, disruptiva, como se tem visto. Não é exatamente o perfil de Nicolas Schmit“, que, embora seja “capaz de jogar com os puzzles diversos que existem na UE”, não é um “fazedor de ideias novas”.
Schmit sem concorrência por falta de figuras socialistas de peso
Os Socialistas & Democratas foram a primeira família política europeia a anunciar o seu spitzenkandidat. Chegou a falar-se de outros nomes nos corredores de Bruxelas, como o dos comissários Paolo Gentiloni (Itália) ou Maroš Šefčovič (Eslováquia), mas Nicolas Schmit, do Partido Operário Socialista do Luxemburgo (LSAP), foi o único que se apresentou na corrida, apoiado pelos dois partidos mais poderosos do PES: o alemão SPD e o espanhol PSOE.
Aos 70 anos, completados em dezembro passado, o luxemburguês sucederá a Frans Timmermans, que nas eleições de 2019 foi a figura de proa do S&D. Mais do que com Ursula von der Leyen, que ainda não anunciou se vai ser a candidata principal pelo Partido Popular Europeu (PPE) e é conhecida por trabalhar muito sozinha, Schmit tem sido comparado com o ex-comissário dos Países Baixos, pelo facto de, alegadamente, não ser tão conhecido fora de Bruxelas como era Timmermans.
“Não me parece que seja mais ou menos conhecido do que era o Timmermans há cinco anos“, afirma a eurodeputada Margarida Marques, notando que o neerlandês era um comissário que se tinha batido sobretudo pelas questões do Estado de Direito, enquanto Nicolas Schmit era mais conhecido pela dimensão social.
Pedro Marques, que foi o cabeça de lista pelo PS nas últimas eleições europeias, considera que o luxemburguês era dos ministros “mais reputados” da área social e que, logo em 2019, fez “uma campanha muito forte”, destacando-se como “um dos oradores mais mobilizadores” nos congressos do PES.
Embora há cinco anos o grupo tenha ficado em segundo lugar, como também afiançam as sondagens da votação marcada para junho, Timmermans parecia ter boas hipóteses de se tornar o presidente da Comissão Europeia. Mas os líderes europeus ignoraram o processo de designação conhecido por Spitzencandidaten e propuseram ao cargo Ursula Von der Leyen, que não era candidata durante as eleições – e ninguém sabia quem ela era fora da Alemanha.
Este “golpe” levou a uma quebra de confiança entre os partidos europeus de que os candidatos propostos consigam efetivamente um cargo de topo na UE. Ao ECO, os dois eurodeputados socialistas esperam que, desta vez, “haja mais transparência” na escolha dos presidentes das instituições europeias.
Se houve políticas sociais acordadas pela Comissão, o Nicolas Schmit esteve por trás delas. Sempre que penso naquilo que se fez pela UE em matéria social nesse tempo, eu atribuo a Nicolas Schmit, não atribuo a Ursula von der Leyen. É evidente que ela é presidente da Comissão, tudo o que é aprovado também tem o apoio dela, mas ele claramente liderou as políticas sociais.
“Quando estamos a candidatar o Nicolas Schmit como spitzenkandidat é porque acreditamos no processo. Agora, vamos ver também que maiorias se formam. Esperamos que os partidos europeístas continuem a formar uma maioria clara e que entre esses partidos não haja nenhuma espécie de moção de começar a fazer coligações com a extrema-direita, como já aconteceu em alguns países”, defende Pedro Marques.
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