Da corrupção à prevaricação, estes são os crimes imputados pela Justiça aos três detidos na Madeira

Pedro Calado, ex-autarca no Funchal, é suspeito de sete crimes de corrupção passiva. Já Custódio Correia é suspeito de três crimes de corrupção ativa e Avelino Farinha de quatro.

Pedro Calado, presidente demissionário da Câmara do Funchal, Custódio Correia, empresário e principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia, e Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, foram detidos há cerca de uma semana no seguimento das buscas realizadas na Madeira, mas só começaram a ser ouvidos na quarta-feira. Em causa estão cerca de 30 crimes que vão desde corrupção a prevaricação.

Segundo o Ministério Público, Pedro Calado é suspeito de sete crimes de corrupção passiva. Este crime é punido com pena de prisão de um a oito anos, mas a pena pode chegar aos dez anos se for agravada.

Segundo o artigo 373.º do Código Penal (CP), destina-se ao “funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação”.

Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Custódio Correia é suspeito de três crimes de corrupção ativa e Avelino Farinha de quatro. O crime de corrupção ativa (artigo 374.º do CP), pune o agente com pena de prisão de um a cinco anos.

“Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, lê-se.

Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.

Mas a lista de crimes não fica por aqui. Apesar de não concretizar, o Ministério Público sublinha que “são ainda suscetíveis de integrar a prática pelos arguidos dos crimes de prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poderes e tráfico de influência”. Ou seja: poderão ser cerca de cinco crimes por cada um dos arguidos.

Detidos estão a ser ouvidos

Foi no dia 24 de janeiro na sequência de cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias efetuadas pela PJ, sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, que Pedro Calado, Custódio Correia e Avelino Farinha foram detidos.

A detenção dos dois empresários e do autarca do Funchal surgiram na sequência de uma operação que também atingiu o presidente do Governo Regional (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido e anunciou na sexta-feira que vai abandonar o cargo, apesar de inicialmente ter afirmado que não se demitia.

Os interrogatórios aos três detidos começaram na quarta-feira ao final da tarde. O juiz de Instrução Criminal começou a ouvir o empresário Custódio Correia, principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia. A continuação do interrogatório de Custódio Correia prosseguirá nesta quinta-feira, a partir das 09h30, de acordo com fonte judicial.

À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, o advogado de Custódio Correia, André Navarro de Noronha, manifestou-se satisfeito com o início dos interrogatórios, sublinhando que o empresário está disponível para “responder a todas as perguntas”.

“É um alívio começar. Espero que seja só um problema no motor de arranque e que agora empurrado o carro vá de uma vez“, observou.

Questionado sobre os trabalhos, André Navarro de Noronha referiu que o seu cliente vai responder a todas as perguntas que lhe fizerem, ressalvando que ainda está tudo numa “fase muito inicial”.

O defensor lamentou também a demora para o arranque dos interrogatórios, considerando que se trata de uma interpretação “à portuguesa” do que determina o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

É no quinto dia, ao fim da quinta sessão que se inicia um interrogatório, quando a lei determina 48 horas para uma apresentação judicial. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estabelece como máximo quatro dias. Nós é com esta interpretação à portuguesa de que 48 horas é para iniciar e que depois há de ser o que nosso Senhor Deus quiser”, criticou.

De acordo com documentos judiciais, o Ministério Público refere que o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque (PSD), o ex-presidente da Câmara Municipal do Funchal Pedro Calado (PSD) e o líder do grupo de construção AFA, Avelino Farinha, estabeleceram, “ao longo do tempo, uma relação de particular proximidade e confiança” que terá beneficiado aquele grupo empresarial “ao arrepio das regras da livre concorrência e da contratação pública”.

Entre os contratos alvo de investigação criminal, de acordo com os documentos judiciais estão a concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros na ilha da Madeira, a concessão do Teleférico do Curral das Freiras, o projeto da Praia Formosa e o Funchal Jazz 2022-2023.

O que diz, em concreto, o DCIAP sobre a investigação?

  • As investigações estão ligadas à Madeira e incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública. Em concreto sobre o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região;
  • O DCIAP ordenou ainda a detenção de três suspeitos, para apresentação a primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação;
  • Sob investigação estão, além do mais, várias dezenas de adjudicações em concursos públicos envolvendo, pelo menos, várias centenas de milhões de euros;
  • Suspeita-se, designadamente, que as sociedades visadas tenham tido conhecimento prévio de projetos e dos critérios definidos para a adjudicação, assim como acesso privilegiado às propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes diretas nos concursos, o que lhes terá possibilitado a apresentação de propostas mais vantajosas e adequadas aos requisitos determinados;
  • Investiga-se, também, um conjunto de projetos recentemente aprovado na Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais;
  • Há ainda suspeitas de pagamento pelo Governo Regional da Madeira a uma empresa de construção e engenharia da região de elevados montantes a coberto de uma transação judicial num processo em que foi criada a aparência de um litígio entre as partes, bem como suspeitas sobre adjudicações pelo Governo Regional da Madeira de contratos públicos de empreitadas de construção civil relativamente aos quais o Tribunal de Contas suscitou dúvidas e pediu esclarecimentos;
  • A investigação incide, de igual modo, sobre condicionamento na publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa;
  • Investigam-se, ainda, benefícios obtidos por titulares de cargos políticos, por causa dessas funções, que ultrapassam o socialmente aceitável;
  • Em causa estão factos ocorridos a partir de 2015, suscetíveis de serem crimes de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poderes e de tráfico de influência;
  • Participam nas buscas seis magistrados do MP do DCIAP, dois juízes, oito especialistas do Núcleo de Apoio Técnico (NAT) da Procuradoria-Geral da República e inspetores, técnicos informáticos e peritos da Unidade de Perícia Financeira e contabilística da Polícia Judiciária;
  • Foram ordenadas buscas domiciliárias e não domiciliárias em cerca de 60 locais (aproximadamente 130 mandados), 45 desses locais na Região Autónoma da Madeira.

E o que diz a Polícia Judiciária?

  • Três pessoas foram detidas por suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, abuso de poder e tráfico de influências, tendo sido executadas 130 buscas nas regiões autónomas e no continente;
  • “As diligências executadas visaram a recolha de elementos probatórios complementares, a fim de consolidar as investigações dos crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência”, lê-se numa nota divulgada pela Polícia Judiciária (PJ);
  • Segundo a mesma informação, no âmbito de três inquéritos dirigidos pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), foram executadas 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias na Madeira (Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava), na Grande Lisboa (Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa), em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira e Ponta Delgada (Açores);
  • As detenções ocorreram fora de flagrante delito às 14:15, acrescenta a PJ, sem revelar a identidade dos detidos, nem em que locais foram efetuadas;
  • “Nos inquéritos referenciados investigam-se factos suscetíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de atividade privada;
  • Suspeitas de patrocínio de atividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas;
  • A adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, “em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de atividade de natureza política e de despesas pessoais”, explica a Polícia Judiciária.

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