Rei dos cogumelos tem luz verde dos acionistas para expandir produção em Trás-os-Montes. “É o início da recuperação”
Após ter ido “ao osso” da Varandas de Sousa na primeira fase de reestruturação, a CoRe Capital avança com plano de investimento a 5 anos na histórica produtora de cogumelos resgatada da insolvência.
Três anos e meio depois de ter sido resgatada da insolvência com a venda à CoRe Capital, no âmbito da aprovação de um plano de recuperação que contemplou um perdão de dívida da ordem dos 54 milhões de euros, a Varandas de Sousa acaba de receber luz verde dos acionistas – Sogepoc e Sugal detêm uma posição minoritária – para avançar com um plano de revitalização a cinco anos. Chama-se “Renascer” e prevê já este ano um investimento de três milhões de euros para substituir equipamentos e aumentar a área de produção de cogumelos.
Contratado em outubro pela sociedade de capital de risco liderada por Nuno Fernandes Thomaz, Martim Avillez Figueiredo e Pedro Araújo e Sá para substituir António Vaz na liderança da maior produtora portuguesa de cogumelos, detida pelo seu fundo Core Restart, Nuno Pereira ilustra ao ECO que “até agora [o trabalho] foi tirá-la do -2 para o piso zero”. “Vamos agora passar para uma nova etapa. É o início da recuperação. A empresa tem um potencial gigantesco e é um diamante por polir, mas precisa de uma visão que lhe dê uma direção diferente”, resume o gestor.
Fundada em 1989 por Artur José Varandas de Sousa, antes de lhe ser estendida a “tábua de salvação” em plena pandemia e “completamente no limite”, nas palavras do atual CEO, o principal braço do grupo Sousacamp, que viu as suas empresas ficarem insolventes, “estava no corredor da morte” e “praticamente a saque, com dívidas gigantescas [de 60 milhões de euros] a praticamente todos os stakeholders”. Desde logo ao Novobanco, o maior credor, que tal como a Caixa Agrícola perdoou 70% para viabilizar este negócio que ficou conhecido como o “rei dos cogumelos”.
Dedicada à produção, comercialização e distribuição de cogumelos frescos, a Varandas de Sousa chegou a faturar mais de 50 milhões de euros e a empregar perto de 700 pessoas em sete unidades em Portugal e Espanha (e planeava até construir fábricas na Argélia), ostentando o título de maior fabricante ibérico e um dos maiores da Europa.
Os problemas começaram em 2014 com o colapso do Grupo Espírito Santo, acionista (39%) e principal financiador. A Sousacamp tinha a operação completamente integrada, desde a aquisição das matérias-primas, que era feita a empresas do próprio grupo, até ao transporte com uma frota própria de camiões para colocar o produto nas prateleiras dos supermercados.
Nestes primeiros três anos, os novos donos avançaram com um “trabalho de fundo”, no sentido de racionalizar os ativos que estavam “claramente sobredimensionados” para este novo período de vida da empresa, e de repensar os processos, as funções e aquilo que poderia ser entregue a terceiros, sem prejudicar os níveis de serviço.
“Produzir cogumelos é o que sabemos fazer e em que aportamos valor; os processos complementares há quem faça melhor, mais barato e de forma mais eficiente”, resume Nuno Pereira. Entre esses ativos não estratégicos a alienar, ainda no balanço, estão as antigas unidades de embalamento de enlatados em Mirandela e de tratamento e valorização de subprodutos em Sabrosa.
Uma das primeiras medidas foi deixar a fábrica de Paredes (distrito do Porto), inaugurada em 2008, apenas com as áreas de embalamento e expedição. A produção de cogumelos foi concentrada em Vila Real e em Benlhevai, no concelho de Vila Flor (distrito de Bragança), onde está a sede e que foi a primeira unidade.
A racionalização de processos foi acompanhada de “algum ajustamento da força de trabalho”, de perto de 450 para os atuais 320 funcionários. Depois de ter ido “praticamente ao osso”, o antigo responsável de projetos como a Solana Fruits, Vitacress e The Summer Berry Company diz que é tempo de “reforçar as equipas e recuperar conhecimento”. Sobretudo na gestão intermédia, em que “está quase tudo por fazer” e irá contratar dez pessoas para vários níveis funcionais da organização.
Entre a injeção inicial para financiar fundo de maneio, adiantada ainda à massa insolvente da Sousacamp para o pagamento de salários, e a nova fábrica de composto erguida no complexo industrial de Vila Flor, a CoRe Capital calcula já ter investido até agora cerca de dez milhões de euros.
Esta unidade de oito milhões começou a laborar em meados de 2023 e abastece a produção de cogumelos também em Vila Real. Substituiu num “valor muito significativo” a importação de matéria-prima do estrangeiro, que antes chegava todas as semanas em dezenas de camiões, sobretudo dos Países Baixos.
Aumentar as vendas até 30% em quatro anos
Submetido no final do ano passado e aprovado pelos acionistas a 31 de janeiro, o plano de negócios para o período 2024-2028 prevê neste primeiro ano a substituição de um conjunto de equipamentos “completamente obsoletos e que hoje não garantem a consistência no fornecimento”. Por outro lado, vai recuperar e revitalizar algumas áreas abandonadas que já existem nas fábricas para fazer crescer a produção de cogumelos em Trás-os-Montes durante os próximos 12 meses e “consolidar a posição no mercado” nacional, em que reclama a liderança com uma quota de 85%.
Mais transversal é a vertente que designou por “Humanizar” e que teve na génese um inquérito aos trabalhadores lançado pelo novo CEO para “perceber as maiores preocupações, carências e ansiedades” e como primeira medida a nomeação de uma diretora de Higiene e Segurança.
“Se tratarmos bem as pessoas, elas acabam por tratar bem dos nossos negócios e dos nossos interesses. Este é um negócio fundamentalmente operacional, em que o negócio é feito pelas pessoas, para o bem e para o mal. Se não se sentirem valorizadas e se sentirem maltratadas, é meio caminho andado para correr mal”, descreve Nuno Pereira, 50 anos, natural de Lisboa e com formação de base em Agronomia.
Em termos produtivos, o plano de negócios estima passar das 4.000 toneladas vendidas no ano passado para 5.500 toneladas no final de 2027, justificando o aumento da capacidade instalada com a ambição de fazer crescer a categoria e, por consequência, as receitas da Varandas de Sousa.
É que o mercado interno, onde vende a totalidade da produção, é ainda “muito incipiente”: em média, cada português come apenas um quilo de cogumelos por ano, muito abaixo dos espanhóis (4), dos alemães (10) ou dos holandeses (14). Tratando-se de um produto perecível e estando a dois dias de viagem do Norte da Europa, onde o produto é mais valorizado, o porta-voz aponta que “a não ser que o mercado sofra algum tipo de desvio que não [está] a prever, não [tem] necessidade de vender para fora”.
A crescer desde 2021, mas com “acréscimos marginais”, o volume de negócios rondou os 20 milhões de euros no ano passado. Até 2027, segundo prevê no plano, as vendas devem subir 20% a 30%. A maior ritmo a partir do próximo ano, quando estiverem concretizados e consolidados no terreno os investimentos em curso, avaliados em três milhões de euros. E porque, admite o CEO, 2024 é um ano de “alguma incerteza e grandes incógnitas”. “Nós estamos numa prateleira de supermercado e, portanto, qualquer coisa que afete o poder de compra dos portugueses, naturalmente terá implicações”, completa.
Libertar a empresa da “asfixia” da dívida
Quando foi convidado pela CoRe Capital, Nuno Pereira teve a garantia do acionista de que a nova equipa de gestão teria o tempo e os recursos necessários para implementar este plano de negócios, que ambiciona tornar a Varandas de Sousa numa “grande empresa”, em termos de mercado, de eficiência dos processos e a nível laboral. “Temos o acionista connosco durante este período e, portanto, não se espera que faça um exit nos próximos dois ou três anos. Eventualmente depois disso”, esclarece, falando num trabalho de recuperação que “não é imediatista”.
“A empresa foi muito ao tapete. É mais difícil recuperar um negócio que já vem com vícios do que começar do zero. É preciso algum tempo. Não tenhamos ilusões: não vai acontecer em 2024. Isto é o princípio. Vai ser moroso, mas o trabalho daqui para a frente vai ser mais visível. Não que o anterior não tenha sido importantíssimo – esta fase não era possível sem ter sido feito aquilo que foi feito até agora, de todo. Foi um trabalho ingrato, pouco visível para fora e para dentro, inclusive”, contextualiza.
A empresa foi muito ao tapete. É mais difícil recuperar um negócio que já vem com vícios do que começar do zero. É preciso algum tempo. Não tenhamos ilusões: não vai acontecer em 2024. Isto é o princípio.
A empresa “neste momento não dá prejuízo, mas não liberta ainda os meios para fazer face à totalidade das responsabilidades”, adverte o gestor. “Temos responsabilidades com a banca. A empresa tem-se continuado a financiar e, como é óbvio, não temos uma empresa limpa de dívida. Ainda é um constrangimento do ponto de vista do plano de negócios, mas que no decorrer dos próximos anos deixará de o ser e deixará de ter o peso que tem hoje. Prevê-se que os meios libertos sejam os necessários para fazer face ao serviço da dívida e para reinvestir no negócio. É isso que se pretende. Uma asfixia? Neste momento ainda é, tem sido até agora; o que se pretende é que daqui para a frente deixe de o ser”, resume.
Para os próximos dias, de 10 a 14 de fevereiro, há um pré-aviso de greve convocado pelo SINTAB pela não atualização de salários, pela implementação de um “justo sistema de diuturnidades”, pela diminuição do período normal de trabalho semanal para as 35 horas e pela aplicação direta de 25 dias de férias, entre outras reivindicações.
Em comunicado, o sindicato afeto à CGTP acusa a administração da empresa de “continuar a escudar-se num infinito processo de reestruturação que advém de uma insolvência em que beneficiaram de um considerável perdão de dívida aos contribuintes”.
Percebo que as pessoas estejam muito estigmatizadas e magoadas, mas este pré-aviso de greve vem numa fase muito injusta e prematura, em que vamos começar efetivamente a entregar investimento e ações concretas.
Rebatendo que o salário médio na Varandas de Sousa é de 1.000 euros, se forem considerados os bónus de produtividade, diuturnidades e o trabalho suplementar, e que na agricultura é “completamente irrealista estar a falar em semanas de trabalho de 35 horas”, Nuno Pereira associa este protesto ao “momento político de grande agitação social” no país, em véspera de eleições. E defende “uma visão de médio e longo prazo, sob pena de [estar] a atropelar princípios e medidas que são estruturais e que vão garantir efetivamente melhores condições de trabalho e de remuneração”.
“As nossas pessoas tiveram uma vida duríssima e de grande incerteza. Há três anos não tinham perspetiva de ganhar o próximo salário e podiam ir para o desemprego. Percebo que estejam muito estigmatizadas e magoadas; agora, há aqui um trabalho sério que está a ser feito. Este pré-aviso de greve vem numa fase muito injusta e prematura, em que vamos começar efetivamente a entregar investimento e ações concretas que vão beneficiar as pessoas no seu ambiente de trabalho e valorizá-las. E, se tudo correr bem durante 2024, começar a pensar na componente remuneratória de uma forma diferente”, promete o CEO.
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