André Jordan, o “empreendedor inato” de “gosto requintado”

  • Ana Petronilho
  • 9 Fevereiro 2024

Trabalhou em nove países e viveu em “cinco ou seis”, mas foi em Portugal que viveu 50 anos. Com 90 anos bem vividos Jordan deixa um legado "inapagável" no turismo de "cabeça fresca até ao fim".

Já passava há muito a idade da reforma, mas nem por isso André Jordan calçou as pantufas e se desligou para deixar de estar atento ao mundo do turismo e do que ia acontecendo pelo Algarve. Quem o conhecia diz ao ECO que os 90 anos do empresário luso-brasileiro foram bem vividos deixando um legado de vários empreendimentos chave para o turismo nacional que fundou, idealizou e promoveu, como a Quinta do Lago, o Belas Clube de Campo e o Vilamoura XXI.

Tinha “uma cabeça extraordinária até ao fim, a 100%, ainda com ideias de projetos”, contam ao ECO vários amigos e empresários do setor que destacam a veia “inata de empreendedor” e um “gosto requintado” daquele que é considerado como o pai do turismo nacional.

É o caso de Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo, que conheceu André Jordan há 40 anos e com quem construiu uma amizade que se prolongou até hoje. É sem dúvidas que vinca, ao ECO, que o empresário luso-brasileiro teve “uma intuição nata” e foi “o senhor turismo” em Portugal.

Entre os vários episódios, guarda na memória um dos tempos em que conheceu André Jordan, no final dos anos 80, quando o patrão do turismo estava ainda “a dar os primeiros passos” no setor. “Estávamos a reunir com o governo da altura para discutir vários assuntos e o André Jordan fez uma intervenção que me deixou impressionado quando o ouvi: chamou à atenção, com a leveza do sotaque brasileiro, para a falta de indicações e de sinalização nas estradas, a frisar que era muito difícil aos turistas se deslocarem sem sinais em locais que não conhecem. Ele sabia tudo de turismo.”

Uma admiração por André Jordan que guarda até aos dias de hoje, que vê como um “empreendedor nato” e como um visionário, lembrando que o empresário luso-brasileiro pensou e começou a construir a Quinta do Lago, ainda antes do 25 de Abril de 1974, “num terreno onde não havia nada” e quando o turismo em Portugal “era incipiente”. “Não era fácil ter aquela visão”, remata ainda o presidente da CTP.

Em entrevista ao Público em 2018, André Jordan conta que comprou os terrenos da Quinta do Lago a Pinto de Magalhães, o banqueiro do Porto ligado à origem da Sonae, e garantiu que “sempre” foi “muito feliz lá”, mesmo durante a época em que o projeto foi intervencionado pelo Estado, no pós-25 de Abril.

E é essa forte ligação ao Algarve que Helder Martins, o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), recorda ao ECO. “Assumiu-se como louletano e como algarvio há 20 anos e conseguiu comprar à junta de freguesia uma sepultura no cemitério de Almancil que estava lotado”, conta Helder Martins para quem esta vontade é o espelho do amor do empresário pela região sul do país. “Até para morrer há burocracia“, lamentava-se em entrevista ao Negócios, em 2018.

Sem medo da morte e como não queria deixar nada ao acaso, o pai do turismo português já tinha há duas décadas o seu jazigo, desenhado por um arquiteto amigo. “Uma coisa muito simples, moderna”. As chaves já as tinha entregue ao filho, que mora no Algarve. E cumprindo com a vontade de André Jordan é mesmo neste cemitério que o empresário será sepultado na segunda-feira, depois de celebrada uma missa de corpo presente na Igreja Paroquial da Nossa Senhora de Fátima, em Almancil, marcada para as 16 horas.

Helder Martins recorda ainda ao ECO o último encontro com o empresário, que tratava apenas por André, que decorreu há um ano, pelo verão, quando almoçaram e conversaram durante “largas horas” sobre o Algarve. “Tinha a cabeça fresquíssima”, diz o representante dos hoteleiros no Algarve que conheceu André Jordan há 30 anos, na génese da Quinta do Lago.

Já o presidente e fundador do segundo maior grupo hoteleiro do país, o Vila Galé, lembra a “extraordinária e perspicaz visão” de André Jordan que também conhece há 30 anos. No campo profissional, Jorge Rebelo de Almeida, salienta ao ECO, o “excelente” papel de Relações Públicas de Jordan que “fez muito pela imagem de Portugal”, sobretudo no imobiliário onde deu “um grande contributo” ao país.

O mesmo diz o Turismo de Portugal que vê em Jordan “um homem de pensamento e de ação” que deixa um legado “inapagável” com “obra feita de visão estratégica, modernidade e excelência, que muito honra e valoriza a nossa oferta turística no contexto mundial”.

O caminho para Portugal

Nasceu a 10 de setembro de 1933 em Lviv, na Ucrânia — cidade que à data era polaca e tinha o nome Lwów –, no seio de uma família de judeus abastados, produtores de petróleo.

Saiu da Polónia em 1939 com a família, aos seis anos de idade, para fugir à invasão nazi. Trabalhou em nove países e viveu em “cinco ou seis”, do Brasil aos Estados Unidos, da Argentina a Porto Rico, Bahamas, Paris ou Londres, mas foi no Algarve que se afirmou, tendo vivido em Portugal mais de 50 anos.

Passou por Nova Iorque, onde, em 1968, após a morte do pai, se tornou diretor de desenvolvimento internacional da Levitt & Sons, que à data era o mais importante promotor imobiliário residencial nos EUA. Passagem que o marcou a nível político e profissional, com os EUA na Era do New Deal, de Franklin Roosevelt, dos valores sociais-democráticos, da economia da livre empresa.

Jordan chegou, então, a Portugal em 1971, deixando para trás a família no Brasil e o seu cão que se chamava Tostão. Foi por essa altura que criou, no Algarve, a Quinta do Lago, o primeiro empreendimento de turismo residencial de luxo do país ligado ao golfe, que acabou por vender no final da década de 80. “Ainda hoje quando vou à Quinta do Lago olho para aquilo e penso: Como é que eu fiz isto tudo sem dinheiro?”, contou o empresário, em 2017, numa entrevista ao Diário de Notícias.

Mais tarde, em 1991, André Jordan criou um novo projeto de 400 hectares (o equivalente a mais de 400 campos de futebol) na região de Lisboa, o Belas Clube de Campo, que foi palco de provas internacional de golfe e que, em 2019, foi alvo de um investimento de 500 milhões de euros por parte do André Jordan Group e do Oaktree Capital Management.

Em 1995, André Jordan comprou a Lusotur, proprietária do Vilamoura XXI, o maior complexo residencial e de lazer na Europa, com uma área de 18 quilómetros quadrados, uma área que ultrapassa o Mónaco. Esta empresa foi vendida a investidores espanhóis, Prasa, em 2006, por 360 milhões de euros, tendo vendido, posteriormente a Lusotur Golfes por 120 milhões de euros, segundo a Lusa, citada pelo Público.

O “bon vivant” que foi casado com uma princesa do Liechenstein

No campo pessoal, Francisco Calheiros recorda “o bom humor” e o “gosto requintado” do “bon vivant” com quem bebia cocktails. “Vou sentir saudades dos nossos almoços, onde passávamos horas a falar sobre turismo”, disse o presidente da CTP.

Já Helder Martins lembra a “sinceridade” e a “leveza” de Jordan que via como “um cidadão do mundo” e com quem as conversas “eram uma lição de vida, porque para ele a palavra quantidade nunca existia, mas sim a qualidade”.

Conhecido como um galã e boémio, André Jordan foi casado quatro vezes, a primeira com uma princesa do Liechtenstein, a mãe dos seus dois filhos mais velhos. “Três das minhas mulheres continuam boas amigas minhas. O outro casamento foi a única relação que tive com alguém que foi má. A única pessoa má de todas aquelas com quem estive envolvido na vida. Muitas dessas minhas amigas passam por Lisboa e telefonam-me, mas não me querem ver. Não querem ser vistas, melhor dizendo. É o envelhecimento”, dizia numa entrevista ao Expresso.

Filho de um pai maçon, com ligações a Salazar, Jordan chegou a conhecer o ditador pessoalmente, após este lhe ter escrito uma carta pessoalmente para dar as condolências pelo falecimento do seu pai. “O Salazar tinha uma espécie de atração pelos opostos. O meu pai era um bon vivant, um homem de amores, um homem de grandes gestos. E ele achava graça a isso. Fez vários comentários sobre essas características dele, que fascinavam as pessoas. Estava muito relaxado. Ele tinha muito carisma. Tinha uma voz feia”, afirmou na mesma entrevista.

A ligação do pai ao regime levou-o, após o 25 de abril, a sair do país. Voltaria mais tarde para prosseguir os seus projetos. Mas nem sempre o turismo foi a sua paixão. Quando regressou ao Brasil com 17 anos para viver com o seu pai, Jordan ainda tentou a sua sorte no jornalismo, no Diário Carioca. “Fui para ‘foca’, o estagiário. Cheguei lá, menino rico e americanizado. Os jornalistas eram todos supremamente tesos, não tinham um tostão e olharam para mim com o maior desprezo possível. Mandavam-me para a rua, depois eu entregava os textos ao chefe de redação e ele dizia-me: “Pode deixar aí.” Acordava de manhã cedinho para comprar o jornal, mas os meus textos nunca eram publicados”, contou à Visão. Assim continuou até ter sido despedido.

Ficou o sonho do jornalismo, nasceu a paixão pelo turismo.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

André Jordan, o “empreendedor inato” de “gosto requintado”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião