BCE dá passo em frente para cortar juros em junho
Ao deixar a porta bem aberta para aliviar a política monetária em junho, o BCE volta a colocar em cima da mesa o cenário de as taxas de juro baixarem para 3% até ao final do ano.
O Banco Central Europeu (BCE) e Christine Lagarde foram surpreendentemente mais brandos do que o esperado na reunião desta quinta-feira, deixando bem vivas as expetativas dos mercados e generalidade dos economistas de que o ciclo de alívio da política monetária vai começar em breve e poderá contemplar quatro cortes de juros este ano, o que deixará a taxa dos depósitos nos 3% em dezembro.
O banco central reduziu as estimativas para o crescimento económico da Zona Euro (PIB cresce apenas 0,6% este ano) e, mais relevante, baixou a previsão da inflação de 2025 para 2%, em linha com a meta do banco central. O comunicado com a decisão do BCE contém alterações apenas ligeiras, mas também dá um passo em frente em direção à inversão da política monetária.
Embora sem se afastar da mensagem de que o BCE não tem pressa em baixar os juros, continua dependente dos dados económicos para definir a política monetária e recusa compromissos com o ritmo e magnitude da potencial descida de juros, a presidente do BCE adotou um discurso mais consonante com corte de juros, admitindo este cenário “nos próximos meses”.
Numa só frase, Lagarde reduziu as já baixas probabilidades de cortes na reunião de 11 de abril, mas deixou a porta bem aberta a descidas a 6 de junho. “Estamos a registar bons progressos em direção à meta da inflação e, em resultado, estamos mais confiantes. Mas não estamos suficientemente confiantes. Necessitamos claramente de mais dados e mais evidências. Saberemos um pouco mais em abril, mas saberemos muito mais em junho”, disse a líder do BCE na conferência de imprensa.
Em junho, o BCE já terá no seu poder os dados da inflação de cinco meses de 2024 e o impacto das negociações salariais do primeiro trimestre na Zona Euro. Se o alívio da alta dos preços prosseguir e a evolução dos salários continuar a abrandar (tal como já aconteceu no quarto trimestre), o caminho fica aberto para a primeira descida de juros em junho.
Os economistas entendem que um corte de juros em abril só com uma descida muito pronunciada da inflação, acompanhada de uma degradação acentuada da atividade económica. Para continuar com a taxa dos depósitos em máximos além de junho, será necessária uma interrupção na tendência de desinflação, taxas de crescimento elevadas nos salários e/ou uma pouco provável recuperação rápida e acentuada da atividade económica.
A confirmar-se este cenário de cortes em junho, a taxa dos depósitos da Zona Euro ficará no máximo histórico durante 10 meses. Isto depois de o BCE ter demorado pouco mais de um ano a levar a taxa de terreno negativo (-0,5%) em 2022 para os 4% em setembro do ano passado, com 10 agravamentos consecutivos num total de 450 pontos base.
“Tendo em conta as revisões nas projeções do staff [do BCE] e a alteração ligeira na linguagem do comunicado, o BCE fica mais perto do primeiro corte de juros”, refere o economista-chefe do Deutsche Bank para a Europa, Mark Wall, salientando que “não surpreende o mercado que o BCE esteja a adotar uma abordagem reunião a reunião e dependente dos dados”.
Nick Kounis, head of macro research do ABN Amro, adianta que as novas estimativas para PIB e inflação “lançam as bases para o início de um ciclo de flexibilização monetária nos próximos meses”. Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa da Capital Economics considera que “a decisão de hoje saiu em linha com o esperado e os comentários de Lagarde reforçam a nossa perspetiva de que junho será a primeira data em que o BCE começará a descer os juros”.
Mário Martins, analista da ActivTrades, destaca a “mudança significativa” no outlook do BCE, com uma “redução substancial das expectativas para a inflação”, o que em conjunto com o “menor fulgor na economia da zona euro, clarifica substancialmente o caminho do BCE, que deverá passar por um corte dos juros antes da Fed, podendo tal ocorrer ainda no primeiro semestre”.
Mercado aponta a 3% no final do ano
O ING conclui que Lagarde “abriu ligeiramente a porta para cortes nas taxas na reunião de junho”, embora alerte que “com a inflação a baixar gradualmente, mas sem ficar abaixo da meta, e o crescimento a regressar ao potencial ainda este ano, a perspetiva macroeconómica do banco central não oferece muito espaço para uma série mais longa de cortes nas taxas de juro”.
Entre os investidores as perspetivas são mais otimistas. Após Lagarde terminar a conferência de imprensa, no mercado de futuros o corte de juros em junho já estava a ser descontado a 100%. As expetativas apontam agora para quatro descidas de 25 pontos base em 2024, com a taxa dos depósitos a baixar para 3% em dezembro. O euro perdeu terreno, as yields das obrigações aliviaram e as ações reforçaram a tendência positiva, validando que o mercado gostou da mensagem que foi transmitida pelo BCE.
Contudo, as expetativas dos mercados são muito voláteis e um desvio mais acentuado dos indicadores económicos face ao estimado poderá voltar a baralhar as previsões para a evolução dos juros. No início do ano os mercados chegaram a descontar seis cortes de juros em 2024, sendo que mais recentemente só esperavam três descidas.
“Os participantes dos mercados financeiros ainda parecem estar a apostar numa inversão simples e rápida dos aumentos de juros dos últimos dois anos”, alerta Carsten Brzeski, global head of macro do ING, assinalando que “este tipo de reversão tradicionalmente só acontece se a economia entrar numa recessão grave”, pelo que “faz mais sentido esperar um ciclo de redução muito gradual assim que este começar”.
Se voltar a manter os juros em abril, o Conselho do BCE terá mais cinco oportunidades para alterar a política monetária até ao final ano. Se iniciar em junho e repetir o corte em todas as reuniões seguintes, a taxa dos depósitos ficará abaixo de 3% em dezembro.
O ABN aposta neste cenário, estimando cortes de 125 pontos base até ao final do ano. “Vemos esta atuação como uma normalização gradual, uma vez que as taxas de juro ainda estariam em níveis restritivos no final do ano”, assinala Nick Kounis.
O Goldman Sachs também não alterou a sua estimativa após a reunião do BCE, continuando a apontar para a primeira descida de juros em junho e cortes subsequentes de 25 pontos base em todas as reuniões seguintes, até a taxa dos depósitos atingir 3,25% em março de 2025.
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