APS Dia 1: IA e Saúde Mental devem aprender a lidar com humanos
No primeiro dia do XIX Encontro Resseguros, organizado pela APS, especialistas e cientistas recentraram a reflexão para avaliar os males do momento. Tudo passa e vai passar pelos humanos.
O XIX Encontro Resseguros realizado pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) foi inaugurado esta quinta-feira pelo seu presidente José Galamba de Oliveira. Como habitual nestes eventos, previsto para se realizarem de dois em dois anos, os temas são debatidos essencialmente por convidados exteriores ao setor segurador e ressegurador. Este ano, os encontros marcados para esta quinta-feira – no dia 1 do evento – foram o envelhecimento e saúde mental e os desafios da Inteligência Artificial (IA) e do digital. E, no dia 2 do evento, a realizar esta sexta-feira, serão tratados os temas “Os grandes desafios das catástrofes naturais” e, no painel final, será falada a “(Des)proteção das sociedades”.
Os painéis realizados no primeiro dia permitiram verificar que o fator humano – é opinião quase geral dos participantes – continua protagonista e está aos comandos da mudança, está também a enviesar com a sua perceção sobre a verdadeira importância atual da IA e sobre a generalização de sintomas como diagnósticos de doença mental. Pode-se concluir neste primeiro dia, que nesta fase serão os males que terão de compreender os humanos que os causam.
Jad Ariss, diretor geral de The Geneva Association, o mais relevante think tank da indústria seguradora, iniciou o primeiro painel com uma apresentação sobre “Envelhecimento e saúde mental — novos riscos ou novas perceções de risco?”. Assinalou grandezas como mil milhões de habitantes da terra terem um problema mental e, com a Covid 19, surgiram mais 53 milhões de casos de depressão e 76 milhões de situações de ansiedade extrema.
Para Ariss, os riscos da doença mental influem mais diretamente nas coberturas de Acidentes de Trabalho, Viagem, Automóvel, Saúde e Vida e sugeriu uma estimativa 6 biliões de dólares como perdas estimadas devidas a saúde débil e perdas de produtividade.
Diz o especialista que a doença mental, para além de causar estigma social e existirem poucos recursos para apoiar doentes, tem um impacto na consciencialização do segurado quanto à sua condição, de lançar incertezas sobre o design dos produtos de proteção, questionar as técnicas tradicionais de subscrição e complicar a validação de sinistros.
Como resposta dos seguros Jad Ariss propõe utilizar as novas tecnologias para melhor detetar e prevenir as doenças, ativar programas de saúde envolvendo grupos, promover literacia correta e tornar a subscrição de riscos por parte das companhias mais flexível, ou seja, mais inclusiva.
Helena Canhão, diretora e Professora Catedrática de Medicina da NOVA Medical School, trouxe uma visão mais ligada à ciência prática e salientou que se terá de juntar condições de solidão à existência de doenças mentais: “um quarto das pessoas com mais de 65 anos vive só e dois terços vive com uma companhia de idade semelhante”, alertou. Estando habitualmente a padecer de uma condição médica crónica, salienta que esse isolamento também provoca um acréscimo de deslocações aos hospitais com casos agudos.
Um contraponto surgiu por parte de Alban Senn, diretor Médico e responsável pela área de Investigação e Desenvolvimento da resseguradora Munich Re, ao afirmar que a prevalência de doenças mentais não mudou desde há décadas, “o que mudou foi a nossa perceção”, disse. Para Senn a doença mental “está a ser justificação para todos os problemas”, um fenómeno com muita visibilidade, enquanto as doenças ósseas continuam importantes, disse.
Ana Rita Gomes, administradora da Multicare, grupo Fidelidade, confirmou que “já quase não há distinção entre doença física e doença mental” e que já em 2021, a Multicare lançou um produto para a prevenção e tratamento psicológico que cobria internamentos. Para a administradora o acesso está aberto à prevenção e recomendou que as empresas estejam mais envolvidas, relembrou que existe estigma social, na utilização das ferramentas que têm à sua disposição.
“Não tem havido aumento do número de diagnósticos, são estáveis há décadas”, reforçou Albino Oliveira e Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria e Investigador Principal da Fundação Champalimaud e Professor na NOVA Medical School, salientando que os suicídios têm estado em declínio de 1% ao ano desde os anos oitenta do século XX. Para o investigador “a pandemia aumentou o awareness”, e verifica-se um aumento de sintomas, mas não de diagnóstico, de doença mental. Albino Maia alerta para se poder estar a perder atenção sobre os verdadeiros casos no meio de casos apenas sintomáticos: “antes tudo era devido à saúde física e a mental era ignorada, agora tudo é saúde mental”. Na sua opinião, esta situação “tem atrasado a indústria”.
Todos os participantes se referiram a tecnologia e ao IA como, por enquanto, pouco interessante. Qualquer diagnóstico feito por IA diz “aquilo que já sabemos há 50 anos”, foi uma conclusão.
Atenção ao novo EU AI Act – Novas regras estão a chegar
Inês Antas de Barros, Sócia de Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia, da VdA – Vieira de Almeida, foi a oradora que introduziu o tema Os desafios da Inteligência Artificial e do Digital, avisando desde logo que os tempos da pandemia permitiu descobrir que na Europa, ao contrário dos Estados Unidos e China, faltavam dados” e essa falta, resultante de “legislação restritiva no acesso a dados”, não estava a permitir um real desenvolvimento da investigação sobre IA.
Daí ter nascido o IA Act – o EU Artificial Intelligence Act, aprovado em março deste ano no Parlamento Europeu, para regular a utilização da IA. Inês Barros descreveu nas suas principais linhas que respeitam a atividade seguradora. Identificou a sua aplicação na deteção da fraude, automação da gestão de sinistros, os assistentes virtuais, formação de tarifas e subscrição de riscos, recursos humanos, biométrica e avaliação de sintomas.
Chamou a atenção para um faseamento em 4 partes do processo legislativo, sendo a primeira a definição de aplicações absolutamente proibidas – exemplificou com a deteção de emoções em pessoas no local de trabalho, exceto cansaço – seguindo-se a aprovação de códigos de conduta, depois a constituição das autoridades de supervisão e por fim a caracterização de sistemas de alto risco. As proibições devem estar em vigor em 6 meses, a última fase será aplicada dentro de dois anos.
Daniel Quermia, Chief Financial Officer da resseguradora Mapfre Re, falou da experiência da seu grupo envolvido em 90 projetos diferentes de utilização de IA. Fez notar que “a IA tem ajudado a estruturar informação muito dispersa”, mas considera que, por exemplo, a subscrição de risco “será uma atividade humana por alguns anos, mesmo com ferramentas de IA” porque, concluiu, “um tonto com uma ferramenta continua a ser um tonto”.
O painel contou também com João Saraiva diretor de Transformação e de Advanced Analytics da Generali Tranquilidade, que sublinhou ser a IA uma necessidade da sua companhia que “tem muitos dados e vontade de se aproximar dos clientes”. Já Rui Monteiro Lopes, CEO e fundador da AgentifAI, empresa tecnológica da área, exemplificou uma aplicação de IA desenvolvida pela sua empresa para atendimento inteligentes ao público. Confrontado por ser uma ferramenta de substituição de pessoas por máquinas, respondeu que pelo contrário, a aplicação “está a resolver a falta de pessoas”
Esta sexta-feira terá lugar o dia 2, e último, deste Encontro.
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