Dívida comum da UE para financiar defesa pode ser realidade, mas é preciso reforçar receitas
Países europeus discutem emissão de "defense bonds", mas ainda não há consenso político. Encargos com juros da "bazuca" ainda vão pesar no orçamento da UE.
Depois de uma pandemia e com duas guerras “à porta”, a União Europeia ainda pode esperar “fortes pressões orçamentais” nos próximos anos, vindas de vários quadrantes. O alargamento previsto para países como a Ucrânia vai obrigar a uma reorganização dos fundos, mas há também questões prementes na Defesa que vão obrigar a um maior investimento no setor. E há quem, como Emmanuel Macron, defenda uma nova emissão de dívida conjunta para financiar este esforço, uma hipótese que os economistas ouvidos pelo ECO veem como uma possibilidade real nos próximos tempos.
Como salienta o economista João César das Neves ao ECO, “os próximos anos vão ser de fortes pressões orçamentais, não apenas por razões de Defesa, mas também ambientais, sanitárias e demográficas“. “Claro que, tendo aberto a porta a grandes emissões conjuntas de dívida, com o Plano de Recuperação e Resiliência após a pandemia, agora essa alternativa será cada vez mais invocada”, nota.
Foi no rescaldo da pandemia que o bloco avançou para uma emissão de dívida conjunta de uma dimensão nunca antes vista, para financiar o Next Generation EU, o instrumento que potenciou os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). A chamada “bazuca europeia” previa que a dívida comum poderia chegar aos 800 mil milhões de euros em empréstimos.
Mas como salienta ao ECO Tiago Tavares, economista no Instituto Tecnológico Autónomo do México e Centro de Investigação Económica, “na sequência da pandemia a emissão da dívida conjunta da União Europeia cresceu dramaticamente”. “Estima-se que no final de 2026 a dívida associada ao financiamento do PRR e dos apoios ao desemprego durante 2020 ronde um trilião de euros, ao que se deve juntar mais 700 mil milhões decorrentes do Banco Europeu de Investimento e dos programas de resgate”, diz.
Esta foi uma decisão numa altura excecional, mas têm surgido líderes, como o Presidente francês, a defender uma nova emissão, nomeadamente para financiar o investimento na Defesa, num contexto de tensões geopolíticas.
Como recorda o economista Ricardo Ferraz, esta ideia “não é nova”. “Por exemplo, durante a Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos emitiram pela primeira vez as chamadas ‘Liberty Bonds’, que foram obrigações que ajudaram a financiar as suas despesas de guerra”, sendo que “devido à conjuntura geopolítica volta-se a falar neste tipo de obrigações”.
Como não existiu investimento à escala do que deveria ter sido, argumenta, agora começa-se a “falar num fundo para a defesa europeia, com um poder de fogo de muitos milhares de milhões de euros, e financiado através da emissão de dívida comum que são as tais “Defense bonds””. “Creio que será mesmo uma realidade”, afiança.
É preciso, no entanto, existir consenso político relativamente a esta opção, algo que não se verifica atualmente — a Alemanha, um peso pesado dentro da UE, é um dos principais opositores. O assunto já foi discutido entre os Estados-membros, mas está num impasse, ainda que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (e candidata a mais um mandato), tenha defendido que a discussão “está no início, não no fim”.
UE terá de aumentar receitas próprias
Mesmo que acabe por avançar uma nova emissão conjunta de grande valor, a União Europeia vai precisar de financiamento além dos recursos próprios atuais, até pelos que já terá de enfrentar atualmente.
“Por norma, o pagamento dessa dívida conjunta é feito diretamente pelos países beneficiários”, explica Tiago Tavares, mas “a dívida associada ao PRR e programas adjacentes, no valor de 800 mil milhões de euros e cujos encargos associados ao seu serviço já se vislumbram superiores ao inicialmente previsto, dado a subida das taxas de juro, tem de ser financiada pelo orçamento da UE”.
Quando foi aprovada esta emissão de dívida, a Comissão estimou um custo cumulativo de juros de 14,9 mil milhões de euros até 2027. No entanto, na altura não era esperada uma subida das taxas, que ocorreu a partir de julho de 2022 devido ao disparo da inflação, que levou a uma subida do custo desta emissão.
Uma análise do think-thank Bruegel conclui que “é altamente provável que os custos dos juros da dívida da UE suportados pelo orçamento da UE sejam muito superiores aos previstos pela Comissão Europeia” em 2021. Os custos poderão ser “duas vezes superiores” no cenário de base deste estudo, com os custos totais a ascender a 30 mil milhões de euros.
Assim, “para fazer face ao montante elevado do empréstimo, a Comissão Europeia já começou a reforçar as receitas próprias, onde se destacam o novo mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço e uma revisão no regime de licenças de emissão de carbono”, salienta o economista. “Está também em estudo o lançamento de novos impostos de âmbito europeu, por exemplo, taxas digitais ou taxas sobre transações financeiras”, destaca.
No entanto, “caso estas fontes adicionais de receitas não sejam suficientes, os Estados-membros terão de aumentar as suas contribuições diretas para o orçamento da UE”, alerta, algo que a maioria dos países quer evitar.
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