Taxas extra da UE sobre elétricos chineses arriscam disrupção do mercado

A intenção de Bruxelas é encetar o diálogo com a China relativamente aos subsídios dados aos fabricantes, mas tiro pode sair pela culatra e prejudicar o mercado dos carros elétricos, defende o setor.

Na sequência de uma investigação a subsídios entregues pelo Estado chinês aos fabricantes de veículos elétricos neste país, a Comissão Europeia pretende impor novas taxas sobre as importações dos carros elétricos que sejam produzidos no gigante asiático. A iniciativa, noticiada pelo Financial Times (acesso pago), merece reservas por parte do setor, com as empresas e especialistas a mostrarem-se céticos, sobretudo em relação aos efeitos perversos que pode ter sobre os preços e a concorrência. A Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) afirma mesmo: “Vai tudo ficar mais caro“.

O Executivo comunitário pretende aplicar uma taxa adicional, de 21%, em média, sobre as importações de veículos chineses, que se soma à taxa que já está atualmente em vigor, de 10%. O valor adicional pode ir até aos 38%, no caso de fabricantes que não cooperaram com Bruxelas no seu processo de investigação sobre subsídios atribuídos pelo Estado chinês, indicou ao ECO/Capital Verde a ACAP – Associação Automóvel de Portugal, citando a informação que foi partilhada pela Associação Europeia de Fabricantes Automóveis (ACEA, na sigla em inglês).

De acordo com o jornal britânico The Guardian, a marca SAIC deverá enfrentar a tarifa máxima, sobre a Geely recai uma tarifa de 20% e à BYD aplica-se a taxa de 17,4%. O Financial Times acrescenta que a Tesla também deverá ser afetada.

“As conclusões provisórias da investigação anti-subsídios levada a cabo pela UE indicam que a cadeia de valor de veículos elétricos beneficia pesadamente de subsídios desleais na China, e que o influxo de importações chinesas subsidiadas a preços artificialmente baixos representa uma ameaça” à indústria europeia, afirma a Comissão, numa nota divulgada na quarta-feira. A investigação estava a ser levada a cabo há nove meses.

Os valores das tarifas que estão em causa, ressalva o counsel da sociedade de advogados Vieira de Almeida Filipe Vasconcelos Fernandes, podem ser ainda sujeitos a alterações. O apresentado é a posição da Comissão Europeia e, em matérias aduaneiras, o processo de aprovação tem condições para ser mais rápido do que noutras áreas. No entanto, ainda pode ser discutido “se a medida faz realmente sentido” — e há vozes avessas –, se sim, que taxa fará sentido aplicar e, finalmente, em que momento deverá entrar em vigor.

Para já, a informação de que a ACAP dispõe é que a medida deverá ser implementada entre 4 de julho e 4 de novembro deste ano, sendo portanto provisória. A intenção é encetar o diálogo com a China relativamente aos subsídios atribuídos aos fabricantes de carros elétricos durante este período, através da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em novembro, deverá ser revista a medida, em função do resultado das negociações.

A China reagiu na quinta-feira à decisão de Bruxelas, através do porta-voz do Ministério do Comércio, afirmando que se reserva “o direito de apresentar uma queixa à OMC e tomar todas as medidas necessárias para defender de forma resoluta os direitos e interesses as empresas chinesas“.

Entre as consequências, Filipe Vasconcelos Fernandes destaca que a intervenção regulatória neste mercado pode espoletar “alguma inflação no mercado automóvel”, dependendo da taxa aplicada. “Não excluiria que no mercado europeu pudesse existir um aproveitamento, um ligeiro aumento dos preços”, diz. Sobre possíveis impactos nos preços de compra dos veículos elétricos, o secretário-geral da ACAP, Helder Pedro, remete para as empresas: depende da estratégia de cada uma.

Empresas avessas à medida

“Como uma empresa global, a Stellantis acredita numa concorrência justa e livre no comércio mundial, e não apoia medidas que contribuem para a fragmentação do mundo“, escreve a empresa, numa reação oficial às medidas veiculadas esta quarta-feira através da comunicação social.

Depois desta declaração de princípio, a Stellantis afirma que irá estudar mais aprofundadamente as medidas em causa, assim que forem publicados os detalhes que justificam um novo nível de tarifas aduaneiras. A mesma postura tem a Salvador Caetano que, apesar de preferir não se pronunciar para já acerca do anunciado, indica que irá estudar o tema nos próximos dias.

Sobre a sua própria produção, a Stellantis afirma que o parceiro chinês Leapmotor, no qual investiu em outubro do ano passado, pode beneficiar da “existente e diversa pegada da Stellantis na Europa”. A parceria mantém a mesma estratégia, pois estas empresas dizem que já tinham tido em conta este potencial desenvolvimento. Em segundo lugar, a Stellantis realça que o modelo Citroën ë-C3, fabricado na Europa e cujo preço começa abaixo dos 20.000 euros no caso da gama elétrica, está apto a competir com os produtos de origem chinesa.

A Stellantis é ágil e vai adaptar-se e tirar vantagem de qualquer cenário“, remata a fabricante automóvel. Já a Salvador Caetano diz-se “empenhada e confiante em todos os projetos” que está a gerir e montar, sendo que atualmente representa as marcas chinesas BYD, Dongfeng e Xpeng em Portugal.

A fabricante chinesa Nio também se mostrou apreensiva em relação a este agravamento fiscal, argumentando que tal “irá obstruir o comércio global normal de veículos elétricos”. No entanto, deixa uma garantia: “O compromisso da Nio para com o mercado dos veículos elétricos na Europa permanece inabalável” e, até ao próximo mês, altura em que as taxas entrarão em vigor, continuarão a acompanhar de perto a situação.

A China exportou, em 2023, carros elétricos num total de 10 mil milhões de euros para a UE, duplicando a quota de mercado do ano anterior, para os 8%. As estimativas, citadas pelo FT, são do Rhodium Group.

China admite retaliação e ameaça mobilidade “verde” na Europa

Em Pequim, a reação não demorou a chegar. O Governo de Xi Jinping respondeu prometendo “tomar prontamente todas as medidas necessárias para defender firmemente os direitos e interesses das empresas chinesas”, cita o The Guardian. Por outro lado, lançou um último apelo para que a Comissão Europeia recue na decisão sob o risco de uma retaliação chinesa impactar a normalidade do mercado dos veículos elétricos na UE, à semelhança do que aconteceu em maio, quando Joe Biden decidiu agravar em 100% as taxas alfandegárias nos EUA sobre as importações de carros elétricos, painéis solares, aço e outros produtos fabricados naquele país.

O Ministério do Comércio da China acusou o bloco de “criar e aumentar as tensões comerciais” e afirmou que a medida prejudicaria os consumidores europeus.

Já Lin Jian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sublinhou que a decisão do Executivo comunitário “viola os princípios da economia de mercado e as regras do comércio internacional, prejudica a cooperação económica e comercial entre a China e a UE e a estabilidade da produção automóvel global e da cadeia de abastecimento”. Nesse sentido, Jian apelou a que o bloco europeu respeitasse o compromisso de “apoiar o comércio livre”.

Entretanto, o gigante asiático admitiu mesmo avançar com uma queixa junto da OMC contra as medidas provisórias de Bruxelas. “A China reserva-se o direito de apresentar uma queixa à OMC e tomar todas as medidas necessárias para defender de forma resoluta os direitos e interesses as empresas chinesas”, afirmou na quinta-feira o porta-voz do Ministério do Comércio, He Yadong, durante uma conferência de imprensa.

À esquerda, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, durante uma reunião com o Presidente chinês, Xi Jinping (à direita), em Pequim, na China, a 7 de dezembro de 2023.EPA/DARIO PIGNATELLI

Por cá, uma possível retaliação chinesa é um aspeto que suscita algumas preocupações. Não só devido aos impactos que isso terá no mercado dos mercados elétricos, que é liderado pela China, como também nas metas europeias para a mobilidade “verde”. Ao ECO, o presidente honorário da UVE não exclui que a Comissão Europeia possa ter dado ‘um tiro no pé’ ao avançar nesse sentido.

Esta decisão pode, obviamente, afetar a transição para a mobilidade elétrica. Qualquer medida protecionista encarece o produto e terá impacto na venda. Não há dúvidas de que haverá uma retração no mercado”, diz Henrique Sanchez, lembrando que um veículo elétrico proveniente da China pode variar entre 20 mil a 100 mil euros, mas que este agravamento no imposto pode levar a que um automobilista “pense duas vezes antes de fazer esse investimento”.

“Os modelos de maior sucesso comercial em Portugal são a BYD e os MG, da SAIC, mas há outros modelos que serão impactados também. Vai tudo ficar mais caro”, garante. Porém, a decisão não surpreende face ao que Joe Biden anunciou em maio.

“Era previsível que isto acontecesse. Acontece porque ao contrário do que se tem falado nas últimas décadas, de abertura de mercados e livre-trânsito de mercadorias, vivemos numa época de grande protecionismo. Este protecionismo norte-americano visa isso mesmo e agora o europeu vai no mesmo sentido”, acrescenta o presidente da UVE.

Para o presidente da associação ambientalista Zero, que subscreve à necessidade de a UE taxar os veículos elétricos made in China, a medida é “crucial”. No entanto, defende que esta decisão “seja acompanhada por um impulso regulamentar para aumentar a produção de veículos elétricos” no bloco europeu face ao compromisso assumido entre os 27 Estados-membros de proibir a venda de carros a combustão a partir de 2035.

De acordo com a Zero, quase um quinto destes carros vendidos na Europa no ano passado foram fabricados na China e este número está a caminho de atingir um quarto (25%) em 2024, alerta.

“As taxas forçarão os fabricantes de automóveis a localizar a produção de veículos elétricos na Europa, e isso é bom porque queremos estes empregos e competências. Mas as taxas não protegerão os fabricantes de automóveis tradicionais por muito tempo. As empresas chinesas construirão fábricas na Europa e, quando isso acontecer, a nossa indústria automóvel terá de estar preparada”, alerta Francisco Ferreira.

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