Lagarde avisa que “aterragem suave” ainda não está garantida
Presidente do BCE alerta que vitória na luta contra a subida dos preços ainda não está garantida e que levará tempo para maiores certezas sobre se riscos de uma inflação acima da meta passaram.
“Os primeiros 90 minutos são os mais importantes”. Christine Lagarde não falava do jogo de Portugal contra a Eslovénia, no Euro 2024, que tinha arrancado há minutos, mas foi parafraseando Bobby Robson, ex-selecionador inglês e antigo treinador do FC Porto e Sporting, que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) avisou que a vitória na luta contra a inflação e uma “aterragem suave” da economia ainda não estão garantidas.
Numa sala repleta de banqueiros centrais, economistas, académicas e nomes do mundo financeiro, Christine Lagarde abriu esta segunda-feira, com um jantar de boas-vindas, o Fórum BCE, em Sintra, que decorre até quarta-feira, garantido que a instituição está empenhada em atingir a meta de inflação.
“Não iremos descansar até que o jogo [em alusão à frase de Bobby Robson] esteja vencido e a inflação volte a 2%”, afirmou. A presidente do BCE alertou que “a falta de clareza” representa “um desafio profundo para os decisores políticos”, que devem procurar “tentar compreender imediatamente” transformações e “orientar a economia através delas”. Ainda assim, considerou que se percorreu “um longo caminho na luta contra a inflação”.
No entanto, se os investidores e analistas procuravam pistas sobre as futuras ações do banco central, a responsável francesa avançou com poucas novidades. “As nossas decisões de política conseguiram manter ancoradas as expectativas de inflação e prevê-se que a inflação regresse a 2% no final do próximo ano. Considerando a dimensão do choque inflacionista, esta reversão é notável em muitos aspectos”, disse.
O Banco Central Europeu cortou, em junho, em 25 pontos base as três taxas de juro diretoras, colocando a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento e as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez e à facilidade permanente de depósito em 4,25%, 4,50% e 3,75%. No entanto, um novo corte em julho não parece estar em cima da mesa e os mercados questionam se a instituição avançará com uma descida em setembro.
As nossas decisões de política conseguiram manter ancoradas as expectativas de inflação e prevê-se que a inflação regresse a 2% no final do próximo ano
Lagarde garantiu que o BCE não irá vacilar no compromisso de reduzir a inflação para o objetivo, em benefício de todos os europeus. Contudo, alertou que “dada a magnitude do choque sobre a inflação, uma “aterragem suave” ainda não está garantida”.
“Se olharmos para os ciclos históricos de taxas desde 1970, podemos ver que quando os principais bancos centrais aumentavam as taxas de juro enquanto os preços da energia estavam elevados, os custos para a economia eram geralmente bastante elevados”, apontou, acrescentando que apenas cerca de 15% das aterragens suaves bem-sucedidas neste período – definidas como evitar uma recessão ou uma grande deterioração do emprego – foram alcançadas na sequência de choques nos preços da energia.
Ainda assim, a responsável do BCE destacou que o atual “ciclo até agora não seguiu os padrões do passado”, exemplificando que “a inflação atingiu um pico muito mais elevado do que durante as aterragens suaves anteriores, mas também desacelerou mais rapidamente”.
“O crescimento manteve-se dentro do intervalo dos anteriores episódios de aterragem suave, embora próximo do limite inferior desse intervalo. E o desempenho do mercado de trabalho tem sido excecionalmente benigno”, sublinhou.
Neste sentido, considerou que “os custos da desinflação foram contidos em comparação com episódios semelhantes do passado”. No entanto, advertiu que existem “várias incertezas relativamente à inflação futura”, especialmente em termos de como evoluirá a relação lucros/salários/produtividade e se a economia será atingida por novos choques do lado da oferta.
“Levará algum tempo até reunirmos dados suficientes para ter a certeza de que os riscos de uma inflação acima da meta passaram”, sublinhou. Lagarde destacou que um mercado de trabalho forte significa que existe tempo para recolher novas informações, mas também é necessário estar consciente do facto de que as perspetivas de crescimento permanecem incertas. “Tudo isto sustenta a nossa determinação de sermos dependentes dos dados e de tomarmos as nossas decisões políticas reunião por reunião”, frisou.
Desafio da inflação exigiu respostas diferenciadas
A presidente do BCE recordou também que a resposta à subida da inflação, que levou o BCE a subir os juros no ano passado, obrigou a soluções distintas do tradicional.
“Quando começámos a aumentar as taxas, sabíamos que estávamos longe de onde precisávamos estar. O fator mais importante foi, portanto, colmatar a lacuna o mais rapidamente possível. É por isso que tivemos uma subida historicamente acentuada no início da nossa trajetória de taxas, utilizando aumentos de 75 e 50 pontos base para os nossos primeiros seis aumentos de taxas”, disse.
No entanto, à medida que as taxas diretoras avançavam para um território restritivo, o desafio passou de agir rapidamente a calibrar a trajetória com precisão. “Em particular, precisávamos de definir uma trajetória de taxa que proporcionasse um regresso “oportuno” para 2% e que o fizesse com um elevado grau de confiança”, explicou.
Segundo Lagarde, por um lado, “teria sido arriscado confiar demasiado em modelos treinados em dados históricos, uma vez que esses dados podem já não ser válidos”. “Não poderíamos saber, por exemplo, se as mudanças nas preferências, os preços mais elevados da energia e a geopolítica tinham alterado a estrutura da economia”, apontou.
Por outro lado, “confiar demasiado nos dados atuais poderia ter sido igualmente enganador se estes tivessem tido pouco poder de previsão a médio prazo”, disse, acrescentando que “à medida que os choques se espalhavam pela economia, os dados atuais também poderiam ter refletido mais desfasamentos do que as tendências reais da inflação”.
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