Von der Leyen de olho numa reeleição difícil na Comissão Europeia

Principais parceiros políticos da família de Von der Leyen já admitiram votar contra a reeleição, e nem as negociações de diplomas e de comissários parecem convencer os restantes grupos políticos.

É um sonho que arrisca a ficar pelo caminho. Ursula von der Leyen está em busca de mais cinco anos à frente da Comissão Europeia, mas as garantias são poucas e os obstáculos são muitos — sobretudo numa altura em que o Parlamento Europeu está mais fragmentado do que nunca e os pilares que suportaram a eleição da presidente, em 2019, estão mais fracos. A candidata alemã está ciente disso. Durante a campanha eleitoral para as eleições europeias, Leyen visitou vários Estados-membros — incluindo Portugal — onde a presença do Partido Popular Europeu (PPE) é maior, mas não se ficou por aqui. Até esta quinta-feira, a governante alemã de 68 anos sentou-se com todas as bancadas parlamentares “pró-europeias” e encetou negociações, numa verdadeira tour de force.

Von der Leyen deixou de ter condições para depender só dos três partidos que a apoiam formalmente“, considera, em declarações ao ECO, Paulo Sande, especialista em assuntos europeus e ex-conselheiro do Presidente da República. “Está a fazer pressão porta a porta com o maior número de deputados, e certamente a fazer promessas, porque sabe que o voto é secreto [e individual] e isso, por si só, levanta algumas questões”, acrescenta.

Ursula von der LeyenLusa

Entre o PPE, os socialistas (S&D) e os liberais do Renovar Europa somam-se 401 votos, mas a recandidata não deverá poder contar com todos, tal como aconteceu há cinco anos.

Em 2019, os três maiores grupos políticos tinham 444 assentos no Parlamento, mas Von der Leyen foi aprovada por apenas 383 votos. Significa que, em comparação com a maioria no papel, faltaram 13,5% dos eurodeputados populares, socialistas e liberais. Traduzidos para 2024, esta mesma percentagem significaria menos 54 votos do que os 401 preenchidos pelos três maiores grupos, ou seja, 347 votos a favor, menos 14 do que o necessário para garantir a eleição.

Anticorpos à esquerda…

A aproximação de Von der Leyen a Giorgia Meloni durante a campanha eleitoral criou um mal-estar entre os principais parceiros políticos.

Para os socialistas, esta relação com a direita radical, embora estratégica — Von der Leyen precisava de ser um nome consensual entre os líderes dos 27 Estados-membros antes de ser votada no Parlamento –, foi uma linha vermelha atravessada sem volta a dar. Até ao momento, a família política ainda não formalizou o seu apoio à candidata alemã, o que põe em causa os 136 votos que poderia receber desta bancada.

“Os socialistas estão a saborear vitória que foi a nomeação de António Costa [para o Conselho Europeu], mas sabem que, implicitamente, têm de preparar o apoio à candidata“, recorda José Filipe Pinto politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona ao ECO.

Isto porque o nome proposto pela presidência para o Conselho Europeu foi discutido como um “pacote” apresentado pelos três maiores grupos políticos no último encontro de líderes em Bruxelas, estando incluído nesse conjunto o nome de Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia e de Kaja Kallas para alta representante da diplomacia da UE. Afinal de contas, o PPE foi o grande vencedor das eleições, ficando desta forma com o direito à presidência do executivo, enquanto os socialistas ficam com a liderança dos 27 e os liberais com a chefia da diplomacia europeia. Depois de uma falsa partida, todos os candidatos foram aprovados com a ajuda das três principais famílias.

“Neste momento, já entrou em funcionamento o sistema negocial. Sendo o presidente do Conselho Europeu do grupo dos socialistas, é evidente que a presidência da Comissão terá de pertencer ao grupo maioritário, o PPE. Não vejo grandes dificuldades em que Ursula volte a ser escolhida, mas pode haver vozes discordantes“, prevê o politólogo da Lusófona.

Da esquerda para a direita: a primeira-ministra da Estónia e candidata a Alta Representante da UE, Kaja Kallas a presidente e recandidata a Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e o antigo primeiro-ministro português e próximo presidente do Conselho Europeu, António Costa.EPA/OLIVIER HOSLET

A relação entre Meloni e Von der Leyen também não agradou ao Renovar Europa. Aos 77 eurodeputados liberais — que passaram de terceira a quinta força política no Parlamento Europa — Von der Leyen garantiu, após um encontro de três horas este mês, que a relação entre as duas líderes não iria perturbar a política europeia durante a próxima legislatura. À Lusa, o eurodeputado da Iniciativa Liberal João Cotrim de Figueiredo afirmou que, a seu ver, o acordo entre o PPE, S&D e Liberais sobre os cargos de topo europeus “está suficientemente equilibrado para poder merecer uma votação favorável”, mas não deixou garantias de que todas as delegações desta família política votarão “sim”.

Ora, não sendo certo que terá o apoio total dos principais parceiros políticos, Von der Leyen virou-se mais para a esquerda.

O Parlamento Europeu tem um peso muito maior neste momento porque deixou de aprovar o candidato à presidência da Comissão para passar a elegê-lo, e isso põe pode por em em causa a eleição de Ursula.

José Filipe Pinto

A candidata alemã reuniu-se com a bancada dos Verdes, este mês, para garantir que tinha do seu lado 53 votos a favor. Ainda que não lhe tenha sido dada essa garantia, os eurodeputados demonstraram abertura para negociar e chegar a um compromisso no sentido de fazer “parte de uma maioria” para evitar a formação de uma aliança parlamentar de direita.

Após o encontro, o líder da bancada, Bas Eickhout explicou que os eurodeputados irão votar “como um grupo” e que vão aguardar até ao último momento para tomar uma decisão, por estarem conscientes de que, neste momento, estão a decorrer negociações “com todos os diferentes grupos e que Von der Leyen pode ajustar a sua mensagem” conforme a família com quem está a negociar.

… e à direita

Embora saiba que à esquerda do PPE no hemiciclo se sentam os partidos “pró-europeus”, Von der Leyen sabe que, se for eleita, presidirá um executivo comunitário que conta com eurocéticos presentes no Parlamento Europeu. São eles o Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), liderado por Giorgia Meloni, os Patriotas da Europa (PdE), de Viktor Orbán e Marine Le Pen, e o Europa das Nações Soberanas (ESN), que tenderão a ser os “que complicam as coisas” por não acreditarem “numa Europa funcional”, aponta Paulo Sande. Estes três partidos juntos somam 187 eurodeputados, menos um que a família europeia de Von der Leyen.

“A questão do próximo Parlamento é se o tradicional peso do centro, entre socialistas e PPE, vai continuar a ser preponderante ou se vamos a assistir a uma direita versus esquerda de forma clara”, analisa Paulo Sande, admitindo que a nova composição vai “condicionar certamente”os trabalhos parlamentares.

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Apesar de se sentarem no mesmo lado do espetro político, divergências políticas de fundo — sobretudo relacionadas com a guerra na Ucrânia e a relação com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin — impedem que se forme um super bloco no Parlamento Europeu. E, em sentido contrário, as posições mais radicais do PdE e do ESN fazem com que o extremismo do ECR seja de menor risco, o que justifica a abertura de Von der Leyen.

Não é de desconsiderar que a própria presidente queira tentar ir buscar votos aos conservadores, mas isso vai-lhe ser cobrado“, aponta Henrique Burnay, especialista em assuntos europeus.

Contudo, dentro do ECR não é certo que haverá apoio de todas as delegações. Nicola Procaccini, vice-presidente dos Conservadores, afirmou na semana passada que, face ao estado atual das coisas, os 24 eurodeputados dos Irmãos de Itália não se comprometem a votar a favor de Von der Leyen para um segundo mandato, a menos que esta prometa “algo que de valor” para a Itália.

E depois de Von der Leyen ter recuado nas intenções de manter uma relação próxima com a primeira-ministra italiana, Meloni não terá dado ordens para que as suas tropas apoiassem a candidata alemã para um segundo mandato. O mais certo será que cada delegação tome a sua própria decisão esta quinta-feira.

À esquerda, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia e Giorgia Meloni, primeira-ministra de ItáliaEPA/FILIPPO ATTILI

Negociações entre diplomas e comissários

Para os Conservadores, o pacto para as migrações, que foi aprovado antes de terminar a legislatura anterior, é um tema que merece mais discussão.

Adam Bielan, chefe da delegação polaca do ECR, revelou à agência noticiosa polaca PAP que o grupo está desiludido com os últimos cinco anos de liderança de Von der Leyen, sobretudo com “a atual política de migração da UE, incluindo o pacto de migração e o Pacto Ecológico Europeu“.

Já os Verdes exigem que a agenda sustentável não fique para trás, depois de ter sido fortemente contestada pelos agricultores entre fevereiro e março.

Estes não são os únicos grupos a definir as prioridades e exigências que farão ao executivo comunitário na próxima legislatura. Por exemplo, os sociais-democratas, socialistas e liberais também esboçaram uma lista de pedidos para os próximos cinco anos que variam entre dar uma maior atenção aos agricultores, reforçar a indústria da defesa do bloco, reconsiderar o fim dos carros a combustão a partir de 2035 e ainda uma redução do uso de pesticidas.

Mas também incluem apelos para um aumento do investimento público a nível europeu, de impostos sobre os mais ricos, uma redução da burocracia, maior harmonização das regras em toda a UE e ainda novos “recursos próprios” para financiar as despesas a nível europeu.

Além dos diplomas, certo é que os eurodeputados estarão também de olho nos comissários e vice-presidentes que serão escolhidos para a próxima legislatura.

A presidente da Comissão Europeia e os respetivos 26 Comissários (2019-2014)

“Há partidos que se manifestaram contra [a eleição] também por causa das escolhas para os comissários. Nem todas as pastas são iguais e há pastas que têm uma visibilidade e importância muito grande, portanto, é normal que alguns destes partidos manifestem alguma resistência como forma de aumentar a sua capacidade negocial no que diz respeito à pasta desse país”, explica José Filipe Pinto.

Assim, se Von der Leyen conseguir ocupar por mais cinco anos o seu escritório em Berlaymont, as negociações estarão longe de terminadas. A próxima ronda vai exigir a montagem de um complexo puzzle da sua nova equipa de comissários, tendo em conta não só o equilíbrio entre os géneros mas também o equilíbrio partidário e geográfico. E numa altura em que as tensões geopolíticas vão subindo de tom, há tutelas que têm mais brilho do que outras, nomeadamente, aquelas ligadas à competitividade, defesa e mercado interno.

Depois de ter conseguido a eleição para o Conselho Europeu, os especialistas ouvidos pelo ECO afastam a ambição de Portugal voltar a conseguir uma pasta de relevo como a da Coesão, detida por Elisa Ferreira, ou da Investigação, Ciência e Inovação, gerida por Carlos Moedas. “É a desvantagem de ter um presidente no Conselho Europeu, limita as ambições em relação a outros cargos e pelouros”, diz Paulo Sande.

No entanto, todo esse esforço poderá ser em vão e a candidata alemã pode mesmo não conseguir os 361 votos, esta quinta-feira, algo que aos olhos do ex-conselheiro do Presidente da República provocaria uma “crise muito grande” a nível interno.

“O pior pesadelo dos líderes europeus, neste momento, seria ficar mais um mês à procura de alternativas”, diz Sande, uma vez que Von der Leyen só pode ser proposta uma vez à votação. “Fala-se no grego [Kyriákos Mitsotákis] ou no croata [Andrej Plenković], mas seriam escolhas muito difíceis de vender aos deputados”, assume.

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