Fed aquece motores para baixar juros com foco a mudar para o emprego

Com a inflação em queda, a Fed pode aliviar a política monetária para atingir o objetivo de uma “aterragem suave” e robustez do mercado de trabalho. Mas o corte de juros fica adiado para setembro.

Após 12 meses com as taxas de juro em máximos de 23 anos, a Reserva Federal dos EUA (Fed) ainda não alcançou a confiança necessária para iniciar o ciclo de alívio da política monetária restritiva, mas o banco central deverá aproveitar a reunião desta quarta-feira para cimentar as expectativas de que o primeiro corte de juros surgirá no final do verão.

O Comité de Política Monetária da Fed (FOMC, na sigla em inglês), órgão que define as taxas de juro nos EUA, vai deixar as Fed Funds no intervalo de 5,25%-5,50%, o que representa o nível mais elevado desde 2001. Esta decisão, que será anunciada às 19:00 (hora de Lisboa), é vista como quase unânime entre economistas e investidores.

No primeiro trimestre deste ano, a inflação suspendeu a trajetória descendente que vinha a registar desde que atingiu um máximo de 40 anos em meados de 2022 (9,1%), impedindo a Fed de inverter a política monetária no arranque do ano. A tendência de desinflação regressou em abril e prosseguiu nos últimos meses, reforçando a confiança de que o indicador está a caminho da meta dos 2%.

Com a inflação a abrandar a caminho da meta e o desemprego a agravar-se, a Fed pode assim mudar o foco para o objetivo no mercado de trabalho e contribuir para a ambição de orquestrar uma “aterragem suave” da economia.

O índice de preços no consumidor (IPC) dos EUA desceu 0,1% em junho face a maio, colocando a evolução homóloga em 3%, igualando um mínimo de três anos. O indicador preferido da Fed para medir a inflação também valida o alívio das pressões inflacionistas, com uma descida de uma décima em junho para 2,5%.

Tendo em conta apenas as leituras desde março, a inflação está a crescer a um ritmo anual de 1,5%, já abaixo do objetivo da Fed. Mesmo retirando os itens mais voláteis, como a alimentação e a energia, o indicador já está em 2,3%, o que reforça a confiança do banco central para “aquecer os motores” do corte de juros.

Enquanto o Banco Central Europeu tem como único mandato a estabilização dos preços, a política monetária da Fed tem também como propósito alcançar o pleno emprego, o que corresponde a uma taxa de desemprego em redor de 4%. Tendo em conta o nível elevado das taxas de juro, o mercado de trabalho tem demonstrado uma resiliência notável, mas começam a ser evidentes os sinais de abrandamento.

A taxa de desemprego dos EUA subiu para 4,1% em junho, já bem acima do mínimo de 3,4% registado em abril do ano passado. A economia continua a criar cerca de 200 mil postos de trabalho por mês, mas os últimos números têm saído mais fracos. Os pedidos de subsídio de desemprego têm evoluindo em alta e as aberturas de vagas estão a baixar, validando a ideia de enfraquecimento do mercado de trabalho da maior economia do mundo.

Fed vira atenções para a economia

Com a inflação a abrandar a caminho da meta e o desemprego a agravar-se, a Fed pode assim mudar o foco para o objetivo no mercado de trabalho e contribuir para a ambição de orquestrar uma “aterragem suave” da economia. Apesar de o PIB ter surpreendido pela positiva no segundo trimestre (crescimento de 2,8%, contra 1,4% nos três meses anteriores), a economia ainda não está a salvo de uma “aterragem brusca”. Até porque também se avolumam os sinais de fragilidade em áreas como o consumo das famílias e a atividade da indústria.

Apesar desta evolução favorável para aliviar a política monetária, é quase garantido que a Fed não vai alterar os juros na reunião desta quarta-feira, preferindo esperar por mais sinais de que a inflação está na trajetória certa, uma margem que só é possível porque a economia permanece resiliente.

O banco central dos EUA utilizará a reunião de hoje para preparar terreno para o corte de juros em setembro, mas há quem pense que a Fed não deveria esperar mais tempo. É o caso de Bill Dudley, ex-líder da Fed de Nova Iorque. “Os factos mudaram, por isso alterei o meu pensamento”, escreveu o conhecido conservador, depois de muito tempo no campo dos que defendem taxas de juro elevadas por mais tempo, “insistindo que a Fed deveria manter as taxas de juro nos níveis atuais para colocar a inflação sob controlo”.

Os economistas defendem a abordagem mais cautelosa da Fed, lembrando que no final de 2023 a narrativa também apontava caminho livre para baixar os juros, mas no primeiro trimestre deste ano a inflação inverteu a tendência descendente, a economia continuou aquecida e o mercado de trabalho robusto. Uma evolução que invalidou descidas de juros no primeiro trimestre, mas voltam agora a estar em cima da mesa.

Os dados da inflação são “encorajadores” e a economia “está claramente a abrandar”, pelo que o “equilíbrio de riscos é agora diferente de há quatro meses”, defendem os economistas do Citi. Acrescentam que os responsáveis da Fed “pretendem alcançar um maior nível de certeza”, daí que seja expectável que “sinalizem em julho que vão cortar em setembro”.

Os últimos indicadores devem dar à Fed mais confiança de que a inflação se dirige para os 2% e suspeitamos que a atenção vai começar a concentrar-se na obtenção de uma ‘aterragem suave’ da economia. A Fed tem-se esforçado por uma ‘aterragem suave’ e se os dados lhe permitirem fazer cortes, então pensamos que aproveitará a oportunidade.

Economistas do ING

Os últimos indicadores devem dar à Fed “mais confiança do que a inflação se dirige para os 2%, e suspeitamos que a atenção vai começar a concentrar-se na obtenção de uma ‘aterragem suave’ da economia”, referem os economistas do ING. Desta forma, a reunião “deverá lançar as bases para um corte de juros em setembro, à medida que política monetária começa a mudar de um território restritivo para algo mais neutro”.

“A Fed tem-se esforçado por uma ‘aterragem suave’ e se os dados lhe permitirem fazer cortes, então pensamos que aproveitará a oportunidade”, refere o ING, assinalando que a “Fed não quererá causar uma recessão se o conseguir evitar”. Segundo o banco dos Países Baixos, o banco central deverá utilizar o simpósio de Jackson Hole em agosto para mostrar que estão a “reavaliar as perspetivas” e sinalizar que, além de cortar os juros, irá também reduzir as previsões de crescimento económico e inflação, elevado a projeção para o desemprego.

A Capital Economics também suspeita que a Fed vai esperar pelo importante encontro anual em Jackson Hole para comunicar de forma mais explícita a provável descida de juros em setembro. Ainda assim, o comunicado que será publicado esta quarta-feira já avançará nesse sentido, com a consultora a perspetivar que o banco central vai deixar de classificar a descida da inflação como modesta e destacar que os riscos para atingir os objetivos na inflação e emprego estão agora equilibrados.

Dois ou três cortes em 2024

As habituais sondagens das agências de informação junto de economistas coincidem na perspetiva de que, além do corte previsto para setembro, a Fed reduzirá os juros em 25 pontos base por mais uma vez em 2024, com o consensus a apontar para dezembro. Mas, nos mercados, está a crescer a expectativa de que o banco central vai cortar os juros em todas as reuniões de 2024 após a que culmina esta quarta-feira. Ou seja, em 18 de setembro, 7 de novembro e 18 de dezembro.

Segundo a ferramenta da CME, que mede as expectativas dos investidores no mercado de futuros de taxas de juro, a probabilidade de as Fed Funds baixarem para 4,75%-4,50% é de 55,7%. Já a probabilidade de a Fed efetuar apenas dois cortes de juros este ano é de 35,8%. Estas projeções oscilam bastante em função dos dados económicos e declarações da Fed, mas indicam que nesta altura o mercado está confiante de que o banco central vai optar por cortes de juros consecutivos na fase inicial do ciclo para remover rapidamente o nível demasiado restritivo da política monetária.

O ING alinha com esta perspetiva, apontando para três cortes de juros em 2024, seguidos de pelo menos mais três no próximo ano. A Capital Economics estima um total de 175 pontos base de cortes até ao final de 2025, para 3,75%-3,5%, alertando que esta previsão está sujeita a uma “considerável incerteza” tendo em conta as eleições de novembro nos EUA.

Na sondagem efetuada pela Reuters a 100 economistas, cerca de três quartos aguarda dois cortes de juros este ano, bem acima dos 60% registados em junho. De acordo com a mesma poll, os economistas apontam para mais quatro cortes de 25 pontos base em 2025, o que perfaz um por trimestre.

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