Sonho de uma Comissão paritária de von der Leyen sob ameaça

Presidente reeleita pediu que cada Estado-membro sugerisse um homem e uma mulher para candidatos à Comissão mas nenhum seguiu a indicação. Dos nomes sugeridos, apenas três são de mulheres.

Recém reeleita, Ursula von der Leyen pediu que até ao final do mês os Estados-membros da União Europeia (UE) submetessem dois nomes para integrar o processo de formação do próximo colégio de Comissários da UE: um homem e uma mulher. O pedido surge com o objetivo de garantir a paridade no executivo comunitário – à semelhança do atual que conta com 13 mulheres e 14 homens –, no entanto, está a ser amplamente ignorado pelo bloco europeu.

Dos 25 países que têm de submeter os seus candidatos – nem a Alemanha nem a Estónia o fazem por já terem a presidência da Comissão, com Ursula von der Leyen, e uma das vice-presidências e simultaneamente chefe da diplomacia europeia, com Kaja Kallas – 13 já o fizeram, mas nenhum vem acompanhado de um segundo nome. E desses apenas três são mulheres. Jessika Roswal, da Suécia, Henna Virkkunen, da Finlândia e atual comissária croata para a democracia e demografia, Dubravka Šuica. Por sua vez Espanha, embora ainda não tenha formalizado o seu candidato, deverá enviar o nome da atual ministra da Transição Ecológica, Teresa Ribera.

“É a tradição. Cada país indica uma pessoa, como indicam os tratados, e lamentavelmente aparecem sempre mais homens do que mulheres”, comenta ao ECO Margarida Marques, ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus e eurodeputada no Parlamento Europeu na legislatura anterior. “Mas são candidatos. Estou confiante de que von der Leyen vai voltar insistir com os países para respeitarem este pedido. A história já nos provou que quando não há uma imposição de reforçar a participação de mulheres, a tendência é indicar homens”, diz.

Mas a exigência de equilíbrio de género de von der Leyen não é apenas uma questão de igualdade. Também dá à alemã mais poder de escolha na constituição da sua equipa, um exercício complicado em que terá de ponderar também a geografia, a filiação política e as competências. Se todos os países respeitassem esta exigência, a presidente do executivo comunitário teria um catálogo de 50 nomes por onde escolher para formar a sua equipa, sendo a decisão final da própria ao invés dos Estados-membros que têm o direito de nomear um comissário por cada mandato.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der LeyenEPA/OLIVIER MATTHYS

“Ao ter dois nomes por onde escolher, Ursula acaba por ter mais poder político do que o previsto nos tratados. E muitos Estados-membros não gostam dessa ideia. Essa foi uma das críticas feitas no seu mandato anterior”, aponta Paulo Sande, especialista em assuntos europeus e ex-conselheiro do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Ao ECO, Sande recorda ainda que, na legislatura anterior, a presidente alemã foi acusada de gerir o executivo comunitário a partir de um núcleo fechado no seu gabinete, muitas vezes “sem consultar os seus comissários”, algo que criou “muito mal-estar” em Bruxelas.

A resistência dos Estados-membros em concretizar o sonho da paridade de von der Leyen poderá, na verdade, ser estratégica. Afinal de contas, a próxima legislatura contará com a estreia de três novas pastas que abrangem dossiês de elevada relevância na atualidade europeia: Defesa, Mediterrâneo e Habitação. Fora estes três novos pelouros, as pastas ligadas à economia, orçamentos e mercado interno voltarão a ser as mais procuradas o que elevará o tom de negociação com cada Estado-membro.

“Aquilo que vai mais pesar na decisão de von der Leyen será a repartição de pelouros. [A presidente da Comissão Europeia] poderá jogar com essa repartição para conseguir os nomes que quer e simultaneamente garantir o equilíbrio de géneros”, explica Paulo Sande.

E Portugal?

De Portugal ainda não há sinal de quem será proposto, nem indicação de quantos nomes serão colocados a concurso. Essa decisão vive “única e exclusivamente nas mãos e na cabeça do primeiro-ministro”, diz-nos fonte do Governo. Mas há já especulações. Desde logo, Miguel Poiares Maduro que depois de ter recusado o convite para integrar a equipa de Luís Montenegro deverá estar de olho em juntar-se ao próximo executivo comunitário de Ursula von der Leyen, em Bruxelas.

O ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional do Governo de Pedro Passos Coelho de 57 anos conta com a experiência europeia que um cargo em Bruxelas exige e deverá estar no topo das escolhas de Luís Montenegro.

Ursula von der Leyen e Luís MontenegroAurore Martignoni/EC - Audiovisual Service 21 Março, 2024

 

“Não seria má ideia Portugal apresentar dois nomes, mas com tantos países a não respeitarem este pedido não sei se haverá vontade”, confessa Paulo Sande.

Se assim for, Portugal seguirá o mesmo caminho que os restantes países europeus ao apresentar um homem para candidato a comissário, embora tenham sido especulados outros nomes como o de Maria Luís Albuquerque, ex-ministra do Estado e das Finanças do Governo de Passos Coelho.

“Precisamos de alguém competente, que conheça as instituições europeias e tenha uma visão e ambição portuguesa e europeia. Espero que Portugal responda ao princípio de um homem e de uma mulher como no passado”, diz Margarida Marques.

O pedido de Ursula von der Leyen em nome da paridade não é novo. Em 2019, quando presidiu a Comissão Europeia pela primeira vez, a alemã fez a mesma solicitação. Os primeiros nomes que chegaram a Bruxelas eram de homens, mas von der Leyen insistiu (e conseguiu) que na Comissão Europeia houvesse um equilíbrio de géneros.

Esta mudança de planos em nome da paridade obrigou Portugal a retificar a sua sugestão. Pedro Marques foi o primeiro candidato proposto para integrar a equipa executiva em Bruxelas, mas com a exigência da presidente o nome foi substituído pelo de Elisa Ferreira que acabou por ficar com a pasta da Coesão e Reformas. A Comissão que iniciou funções em 2019 e que terminará o mandato em novembro deste ano conta com 13 mulheres (incluindo von der Leyen) e 14 homens.

Colégio de Comissários (2019-2024)

Quem são os candidatos?

Até ao momento, 13 países já apresentaram os seus candidatos a integrar a Comissão Europeia na próxima legislatura. Desses, cinco são repetentes: o francês Thierry Breton, comissário europeu para o Mercado Interno e Serviços; o eslovaco Maroš Sefčovič, comissário para as Relações Interinstitucionais; Wopke Hoekstra dos Países Baixos, comissário para a Ação Climática; Valdis Dombrovskis, da Letónia, vice-presidente da Comissão Europeia e Olivér Várhelyi da Hungria, comissário para o alargamento;

Deste grupo, que, em princípio não será novamente entrevistado por Ursula von der Leyen, apenas o húngaro parece ter o caminho dificultado para ser reconduzido. Ou pelo menos, não será garantido que consiga pôr as mãos novamente sobre a mesma pasta que presidiu nos últimos cinco anos uma vez que o processo de adesão da Moldávia e da Ucrânia já decorre e é conhecida a posição da Hungria em relação a Kiev.

E mesmo que passe pelo crivo de von der Leyen, Várhelyi não deverá passar nas audições do Parlamento Europeu. Durante o seu mandato, o candidato húngaro foi alvo de críticas implacáveis por ter rompido com a linha oficial da Comissão Europeia e ter seguido uma agenda alinhada com o governo de Viktor Orbán. Em outubro 2023, imediatamente após os ataques do Hamas contra Israel, Várhelyi anunciou subitamente que “todos os pagamentos” vindos da UE às autoridades palestinianas serão “imediatamente suspensos”. A declaração faz manchetes internacionais e desencadeou uma reação negativa em alguns Estados-membros. Confrontada com questões, a Comissão esclareceu que Várhelyi atuou sem a bênção de von der Leyen ou sem consultas prévias. Dias depois, cerca de 70 eurodeputados apresentaram uma petição para que o húngaro apresentasse a demissão, mas o mesmo manteve-se no cargo.

Assim, se o primeiro nome for rejeitado, da Hungria será expectável que seja apresentado um segundo. Esse nome juntar-se-á aos restantes que ambicionam chegar ao executivo comunitário, entre eles, Apostolos Tzitzikostas, da Grécia; Michael McGrath da Irlanda, Magnus Brunner da Áustria; Tomaz Vesel da Eslovénia; e Josef Sikela da República Checa.

Os restantes países, incluindo Portugal, deverão dar a conhecer os seus candidatos até ao final do mês, altura em que serão também entrevistados pela presidente da Comissão. Caso passem, em setembro, dar-se-á início ao processo de entrevistas e posteriormente as audições nas comissões a que se candidatam a presidir. Cada comité avaliará a competência do candidato e enviará à Presidente do Parlamento a sua decisão e não é garantido que passem à primeira. Uma avaliação negativa pode levar os candidatos a retirarem-se do processo, como já aconteceu no passado.

Depois das audições, arranca em outubro o processo de votação no Parlamento Europeu, altura em que será votada também Kaja Kallas para a alta representante da política externa. À semelhança das votações para os cargos de topo, os candidatos precisam de uma maioria de 361 votos para serem aprovados pelo Parlamento Europeu.

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