União Bancária teria impedido uso do dinheiro dos contribuintes na resolução do BES, diz Maria Luís Albuquerque
Comissária indigitada garante que a criação da União Bancária é um prioridade para o seu mandato, e argumenta que este mecanismo teria protegido contribuintes na resolução do BES.
Maria Luís Albuquerque colocou a “estabilidade e integridade do sistema financeiro” como prioridade do seu mandato enquanto futura comissária para os Serviços Financeiros. A ex-ministra das Finanças, que está esta quarta-feira a ser ouvida no Parlamento Europeu durante três horas, no âmbito das audições dos candidatos a comissários, afirma que “a economia europeia está a ficar para trás no que toca à competitividade” e que sem uma “ação decisiva” o bloco europeu “perderá a habilidade de decidir o seu futuro”.
Aos olhos de Maria Luís Albuquerque, que cita os relatórios de Mario Draghi e Enrico Letta, sem condições adequadas a União Europeia “não será capaz de cumprir com as suas promessas de crescimento, emprego e prosperidade” que fez perante os mais de 450 milhões de cidadãos dos 27 Estados-membros.
Assim, e perante a necessidade de criar uma “economia forte e competitiva” Maria Luís Albuquerque defende mais inovação, empreendedorismo, sustentabilidade, desenvolvimento de capital humano e proteção e empoderamento dos consumidores. E parte dessa ambição recai sobre a pasta dos Serviços Financeiros, Poupança e a União dos Investimentos.
“Se for confirmada, irei garantir que as novas regras nos serviços financeiros contribuirão para uma economia mais competitiva“, afirmou perante os eurodeputados.
“Se a UE quiser ter uma economia forte e competitiva, terá de unir estes elementos no sentido do progresso e prosperidade“, afirmou Maria Luís Albuquerque durante a sua intervenção inicial, sublinhando que para tal será necessário o bloco agir em conjunto.
“Vai ser necessário coragem política. Não tenho ilusões de quão desafiante será — tanto tecnicamente como politicamente”, disse referindo-se aos dois pilares da sua pasta, que no último mandato ficaram por executar: a união bancária e a união dos mercados de capitais. “Este mandato será mais exigente do que o termina agora“, avisou ainda referindo-se à antecessora, Mairead McGuinness.
BES, ANA e swap. Eurodeputados exigem esclarecimentos quanto às “portas giratórias”
Durante a fase de inquérito dos eurodeputados, Maria Luís Albuquerque reiterou o seu compromisso em executar os principais compromissos do seu dossier, e relativamente a um potencial conflito de interesses derivado do facto de ter trabalhado no setor público e no privado, a ex-ministra das Finanças desdramatiza, relembrando que este tema foi mitigado aquando da avaliação da idoneidade pela comissão dos assuntos jurídicos (JÚRI).
Catarina Martins também teve oportunidade de questionar a comissária indigitada, fazendo questão de recordar as polémicas que marcaram o percurso de Maria Luís Albuquerque em Portugal, desde logo, a privatização da ANA, a venda do Banco Português de Negócio (BPN) a resolução do Banco Espírito Santo (BES), ou os contratos swap “ruinosos na REFER”. Aos olhos da eurodeputada, a atribuição da pasta dos Serviços Financeiros a Maria Luís é equivalente a um “raposa tomar conta do galinheiro”.
“Já sabe para que banco vai trabalhar a seguir?“, questionou a deputada do Bloco de Esquerda, fazendo referência à sua passagem pelo Morgan Stanley e Arrow Global.
Sobre isso, Maria Luís foi clara sublinhando que todas as privatizações que acompanhou foram consideradas “válidas pelas entidades competentes” e que os contratos swap — instrumentos financeiros complexos associados a empréstimos bancários — “trouxeram benefícios superiores a 40 milhões de euros para as empresas”. Sobre a ANA, Maria Luís diz ter visto uma primeira versão do relatório do Tribunal de Contas e, “por razões que ainda não” percebeu, “foi substituída por uma análise menos positiva”.
João Oliveira, do PCP, também teve oportunidade de questionar a comissária indigitada, lembrando que o colapso do BES aconteceu quando Maria Luís liderava o Ministério das Finanças e que o processo resultou em custos avultados para os contribuintes. Assim, o eurodeputado comunista rejeita a estratégia para uma União Bancária, argumentando que esta só irá promover “a concentração do setor bancário” e a” criação de ainda maiores grupos económicos”, políticas que “multiplicam os lucros [da banca] e concentram o poder na mãos de banqueiros e especuladores. Vimos isso bem com o escândalo da falência do BES”. “Opomo-nos à sua nomeação”, vincou.
Maria Luís respondeu às críticas, reconhecendo as “visões diferentes” e “irreconciliáveis” com o PCP. Ainda assim afirmou que se, de facto, já estivesse em vigor uma União Bancária, que permitisse assegurar a estabilidade do setor bancário, que a resolução do BES teria evitado consequências financeiras para os contribuintes.
“Se tivéssemos uma União Bancária completa e um enquadramento para resolução bancária, teríamos, de facto, impedido que se tivesse usado dinheiro dos contribuintes para suportar o processo da resolução do BES. Esse dinheiro virá a ser recuperado, mas o facto de demorar muitos anos faz com que existisse um ónus sobre os contribuintes que não deveria existir”, sublinhou Maria Luís Albuquerque, recordando que o processo está a ser julgado em tribunal. “Estamos a falar de fraude”, disse.
Tempo da troika causou “angústia a muitas pessoas”
No seu discurso de intervenção, a comissária indigitada considerou que o seu tempo no Ministério das Finanças, durante a governação de Pedro Passos Coelho e a intervenção da troika, coincidiu “com a crise económica mais profunda que a União Europeia já enfrentou” e que em Portugal criou “uma angústia a muitas pessoas”. “Estou ciente disse”, admitiu.
A eurodeputada do Bloco de Esquerda teve oportunidade de pressionar a ex-governante sobre o seu mandato, acusando-a de ter aumentado a “pobreza, desemprego e dívida pública” com as políticas do Governo da altura. “Não foi capaz de proteger os depositantes de um banco regional”, pressionou ainda Catarina Martins. Para a eurodeputada, este percurso faz com que Maria Luís seja inapta para o cargo.
Mas a ex-governante foi rápida a tentar tranquilizar a eurodeputada, reconhecendo que a situação financeira em Portugal, em 2011, foi “muito dramática” e garantindo que “os depositantes foram protegidos em Portugal”.
Maria Luís insta EUA a acelerar regras e garante ser “contra a abolição do dinheiro físico”
A comissária indigitada foi ainda questionada sobre o resultado das eleições norte-americanas, que deram a vitória ao ex-Presidente Donald Trump. No entanto, Maria Luís Albuquerque optou por não fazer comentário político, referindo-se apenas à necessidade de os Estados Unidos prosseguirem com a implementação das reformas regulatórias globais, Basel III, que servem para fortalecer a supervisão e a resiliência do setor bancário.
“Estou ciente do facto dos nossos parceiros internacionais terem pedido mais tempo para implementar o Basel III. Estou ciente da necessidade de preservar a estabilidade financeira garantir a igualdade de condições de concorrência. Insto os nossos parceiros internacionais a implementar os frameworks previstos. As condições macroprudenciais são essenciais para assegurar estabilidade do setor”, disse, reiterando o apelo deixado nas suas respostas aos eurodeputados: “temos de implementar as regras, não de as reverter”.
A seguir, e no âmbito da estratégia do euro digital, um projeto no qual o Banco Central Europeu está a trabalhar, não estando por isso no pelouro da comissária indigitada, Maria Luís Albuquerque garante que irá “resistir” às pressões de abolir o dinheiro físico. “Não será abolido”, responde.
“As pessoas devem continuar a usar dinheiro, embora a sua utilização esteja a diminuir”, explicou em resposta aos eurodeputados, argumentando que o numerário e os pagamentos digitais devem ser complementários. “O euro digital deve ser uma adição e não uma substituição”, disse “Muitas pessoas já não dão preferência ao numerário, preferem outros formatos para fazer pagamentos. Devemos satisfazer as várias opções”, defende.
Maria Luís “satisfeita” com audição
No final da audição no Parlamento Europeu, ao fim de três horas, Maria Luís Albuquerque admitiu estar “satisfeita” com a audição.
“Estou satisfeita por ter chegado até aqui. Espero ter respondido de forma satisfatória às questões que me foram colocadas. Procurei sei direta, transparente, completa e refletir o que são as minhas convicções“, respondeu em declarações aos jornalistas.
Da parte da presidente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON), Aurore Lalucq, a audição foi “produtiva” e “esclarecedora”, tendo Maria Luís Albuquerque respondido “a todas as questões de forma aberta”.
Segue-se agora um período de deliberação, estando em cima da mesa quatro desfechos possíveis quanto ao futuro de Maria Luís Albuquerque: a aprovação por unanimidade ou rejeição por unanimidade; aprovação por dois terços dos coordenadores que pertencentes a um grupo político; um pedido para a submissão de mais esclarecimentos por escritos ou uma nova audição de 1h30.
Assim que a Conferência dos Presidentes declarar encerradas todas as audições, as cartas de avaliação serão publicadas.
A votação pelos eurodeputados do colégio completo de comissários (por maioria dos votos expressos, por votação nominal) está prevista para a sessão plenária de 25-28 de novembro, em Estrasburgo.
A jornalista viajou a Bruxelas a convite do Parlamento Europeu.
(Notícia atualizada pela última vez às 12h10)
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