Portugal protege anonimato dos denunciantes. Lei varia na Europa

Seja por suspeitas de crimes ou conflitos de interesses, a identidade dos 'whistleblowers' das empresas portuguesas não precisa de ser revelada nos canais de denúncia. Na Alemanha a lei é controversa.

Portugal protege a identidade dos denunciantes acima de outros países europeus, que consideram uma denúncia inválida se não tiver um nome e um rosto por trás. Nas empresas nacionais, o anonimato de uma queixa não retira importância para o departamento que a vai analisar, mas o mesmo não acontece em toda a Europa, segundo a análise do ECO a outros regimes jurídicos de proteção de whistleblowers.

Em Portugal as empresas foram obrigadas a criar sistemas de denúncias anónimas, apesar de a diretiva europeia de proteção de denunciantes deixar em aberto essa possibilidade. Então, caso o canal de denúncias da Galp não permitisse o registo de uma queixa anónima, a denúncia sobre o relacionamento do CEO sobre uma diretora superior teria avançado?

“Este é o ponto mais converso nas divergências de transposição ao nível dos vários Estados-membros da União Europeia. Em países como a Alemanha, a diretiva foi transposta sem que a possibilidade de anonimato do denunciante seja exigida pelo Whistleblower Protection Act, ficando ao critério das entidades obrigadas a adoção de canais que permitam ou não a realização da denúncia dessa forma”, explica o advogado Francisco Pimenta.

Em Espanha tem sido polémica a opção pela comunicação obrigatória ao Ministério Fiscal de todas as denúncias recebidas por empresas que possam, em abstrato, reportar um crime, porque essa obrigatoriedade põe em causa o direito à não incriminação da própria empresa, diz ainda o jurista. “Pode ver ser-lhe imputada a infração reportada, que é obrigada a comunicar à autoridade judiciária”, alertou o associado principal de Contencioso & Arbitragem da CCA.

Questionado sobre se estes canais têm de ficar sob tutela de comissões de ética, Francisco Pimenta esclarece que, nos termos da lei, não está explícito quem deverá ser responsável pela gestão do canal e pelo consequente tratamento das denúncias recebidas, mas a prática tem sido atribuir esta responsabilidade aos comités de ética internos ou departamento de RH – caso não se passe essa pasta a uma firma externa, como escritórios de advogados ou consultoras.

‘Negócio’ das denúncias

Já a Lituânia, como tem essa hipótese, pode seguir o modelo americano e lançar-se no negócio das denúncias. “Optou-se por uma transposição mais próxima ao regime norte-americano, no qual é permitida a compensação monetária do denunciante pela realização da denúncia, o que, em última instância, tem criado um verdadeiro ‘negócio’ de denúncias nos Estados Unidos da América, já que o denunciante, em alguns casos, confirmados os factos denunciados, poderá ter direito entre a 10%-30% do valor da sanção que venha a ser aplicada à entidade denunciada”, clarifica Francisco Pimenta.

Desde junho de 2022 que as empresas com 50 ou mais trabalhadores estão obrigadas a ter canais de denúncia, no âmbito da lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que transpôs a diretiva europeia do whistleblowing (2019/1937), que foi publicada a 23 de outubro de 2019 para proteger as pessoas que denunciam violações do direito da União Europeia – após os escândalos divulgados com a Cambridge Analytica e os Panama Papers, por exemplo.

Os Estados-membros tinham de a transpor até 2021 e Portugal fez um brilharete entre os 27 porque foi um dos primeiros países a avançar com essa transposição – ainda assim, com três dias de atraso – ao lado de economias nórdicas, entre as quais a Suécia e a Dinamarca. A título de exemplo, na Alemanha e em Espanha o regime só entrou em vigor em março e julho de 2023, respetivamente.

“O seguimento das denúncias (através do canal) deve ser operado (internamente) por pessoas ou serviços da entidade especificamente designados para o efeito. Tendo em consideração o conteúdo da denúncia, compete às entidades praticar os atos internos adequados à verificação das alegações nela contidas (socorrendo-se dos necessários recursos) e, se for caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusive através da abertura de um inquérito interno ou da comunicação a autoridade competente para investigação da infração, incluindo as instituições, órgãos ou organismos da União Europeia”, esclarece o advogado Eduardo Castro Marques, sócio fundador e managing partner da Dower Law Firm.

A violação das regras previstas neste regime legal poderá constituir a prática de contraordenações muito graves (puníveis com coimas de 1.000 euros a 250 mil euros) ou contraordenações graves (puníveis com coimas de 500 euros a 125 mil euros). Na vizinha Espanha, o quadro é tripartido: coimas de 100 mil euros por infrações leves, entre 100.001 e 600 mil euros para graves e entre 600.001 e um milhão para muito graves. Essas dessemelhanças têm que ver com a dimensão do tecido empresarial de cada país.

CEO da Galp demite-se

Na sexta-feira veio a público, através de uma notícia do ECO, que a Comissão de Ética e Conduta da Galp está a investigar uma denúncia relativa ao presidente executivo da empresa. Filipe Silva confirmou a investigação em curso, embora não se tenha pronunciado sobre o conteúdo na mesma. “Sim, tive conhecimento da denúncia, mas não conheço o teor da mesma e assim que tiver conhecimento dela apenas a discutirei com a Comissão de Ética”, escreveu Filipe Silva, numa resposta enviada ao ECO, quando questionado sobre o assunto. Quatro dias depois, Filipe Silva demitiu-se.

Em análise estarão alegados conflitos de interesse devido a um relacionamento próximo e pessoal, mantido em segredo por Filipe Silva, com uma diretora de topo que é hierarquicamente dependente do CEO da petrolífera.

O Código de Ética e Conduta da Galp não faz referência à obrigatoriedade de reportar uma relação íntima com outro membro da companhia, exceto se houver – ou percecionar-se que haja – conflito de interesses. Ainda assim, em 2023, das 54 participações – das quais 21 sobre assédio moral e cinco com potencial conflito de interesses – recebidas por esta comissão apenas seis levaram à adoção de medidas, de acordo com o relatório e contas analisado pelo Expresso.

As pessoas da Galp têm a obrigação de reconhecer quando estejam, possam vir a estar ou possam ser percecionados como estando perante uma situação que configure conflito de interesses. Nas circunstâncias em que identifiquem estar perante um conflito de interesses, devem reportar através da plataforma existente para o efeito, por forma a que sejam tomadas as medidas que permitam eliminar ou gerir tais conflitos”, explana o documento.

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