Abertura do ano judicial marcada por sete novas lideranças

A abertura do novo ano judicial, que decorreu esta segunda-feira no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, ficou marcada pelo insólito de ter sete novos líderes no palco.

A abertura do novo ano judicial, que decorreu esta segunda-feira no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, ficou, desde logo, marcada pelo insólito de sete novos líderes no palco cada vez mais mediático da Justiça.

De um lado, um novo primeiro-ministro, dois novos presidentes de tribunais superiores (Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal da Relação de Lisboa) – que o protocolo não contempla que discursem na cerimónia – e, do outro, os ‘estreantes’ na maioria dos discursos que foram proferidos: ministra da Justiça, Rita Júdice; Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra; presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco; e presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz conselheiro Cura Mariano. Só Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, eram repetentes.

E foi precisamente aí que o Chefe de Estado apontou as antenas do seu discurso, que encerrou a cerimónia. Chamando este nosso tempo de “novo ciclo na Justiça”, o Presidente disse, então, que esta é a oportunidade “renovada” para olhar para o futuro.

Liberto dos governos socialistas de António Costa dos últimos oito anos, Marcelo Rebelo de Sousa deixou no ar que o caminho ou seria o da ambição de uma escolha global ou o de uma ambição mais comedida em escolhas setoriais. No fundo, uma ambição como o pacto de justiça, como aquele que ele próprio propôs há quase oito anos, “e que o concluíram rapidamente”, ou um sucesso limitado nas decisões dos atores políticos, com passos mais pequenos e por áreas de maior urgência de intervenção. Alertando que “o tempo foge”, convidou a que a Assembleia da República, Governo e protagonistas judiciários não desperdicem esse tempo em nome de uma “exigência nacional”.

Sem o adivinhar, a ministra da Justiça, que discursou antes do Chefe de Estado, respondeu a Marcelo: “Sei o que fazer para que a Reforma da Justiça não tenha resultados: é fazer anúncios de grandiosos planos estratégicos. E também sei o que fazer para que a Justiça seja reformada: resolver os problemas um a um, mesmo que não sejam imediatamente percetíveis para o cidadão”, disse.

O discurso da ministra foi, talvez, o mais direcionado para respostas concretas aos bloqueios da Justiça mas também o mais pessoalizado, com a referência à mais recente vítima de violência doméstica em contexto conjugal, Alcinda Cruz. A tónica do discurso foi, aliás, direcionada para este tipo de crime. Com ênfase na palavra ‘crime’.

“O que temos a dizer aos filhos de Alcinda Cruz? Nada do que aqui se diga vai salvar a vida desta mulher, que tinha dois filhos para educar e ver crescer. Mas o que tem a Justiça a dizer a estes filhos, aos avós, aos tios, aos primos, aos amigos, aos professores dos filhos, aos vizinhos, a outras mulheres vítimas de violência doméstica, a todos nós que vimos as notícias? A queixa que Alcinda Cruz apresentou em 2022 foi arquivada no ano seguinte. As palavras bonitas sobre a Justiça já foram todas inventadas e já foram todas ditas. Encaremos então as palavras duras”, avisou a ministra.

“Muitas pessoas pensam que a violência doméstica é apenas uma questão familiar, e até se envergonham de serem vítimas, o que as leva a sofrer em silêncio. Mas a violência doméstica não é uma questão familiar. É um crime, e dos mais graves, que precisa de ser denunciado, investigado, reprimido e, acima de tudo, evitado”. Rematando que “Alcinda Cruz é a grande ausência, e o grande silêncio, nesta sala e nesta cerimónia”. Porém, Rita Júdice não apresentou soluções para este flagelo.

Falou e prometeu que os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) serão bem utilizados, defendeu a necessidade urgente da digitalização dos tribunais – assumindo que esse caminho já está a ser seguido – e não deixou de mandar recados para os funcionários judiciais que a esperavam à porta do STJ, em protesto.

E disse: a ministra da Justiça é uma aliada mas não é alguém que distribui dinheiro público “na proporção do ruído ou do número de notícias”. E pôs os pontos nos ís ao relembrar que a política de Justiça é definida pelo Governo. Ou seja: a gestão, a administração, os investimentos, a afetação de recursos, as prioridades legislativas e orçamentais cabem a quem foi eleito para governar, sujeitando-se ao debate, à discórdia, à negociação e ao escrutínio final dos eleitores. Mas é o Governo que decide.

O novo titular da investigação criminal não poupou também nos recados: sem rodeios, dirigindo-se ao Ministério da Justiça, Governo e Marcelo Rebelo de Sousa, Amadeu Guerra pediu que este ano fosse o ano em que, finalmente, a PGR obtenha o controlo dos servidores que têm a informação sobre os inquéritos mais mediáticos e sensíveis e critica que tal informação esteja alojada em servidores controlados pelo Ministério da Justiça. “Tal solução permitiria, para além de uma maior celeridade dos inquéritos, um controlo rigoroso em relação ao acesso e consulta dos dados dos inquéritos do DCIAP e dos DIAP Regionais, através de servidor alojado na PGR”, explicou, continuando: “Não nos podemos conformar com a situação atual e queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP – com informação sensível e mediática – estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, entidade dependente do Ministério da Justiça”.

Amadeu Guerra escolheu, assim, o que chamou de quatro “temas estruturantes”. São eles: a necessidade da autonomia dos meios financeiros da PGR, a situação dos dados dos inquéritos do DCIAP e dos vários DIAP estarem na alçada do Ministério da Justiça, a falta de magistrados e oficiais de Justiça e a estratégia do Ministério Público para o confisco de bens adquiridos como resultado de crimes.

João Cura Mariano, o recente empossado presidente do STJ, sublinhou que “estes novos tempos” devem levar a uma reflexão sobre que tipo de leis queremos ter: “minuciosas, tudo querendo prever e regular”, ou “deverão antes limitar-se a enunciar princípios, soluções gerais e linhas diretrizes, deixando para aqueles que as aplicam a sua adaptação às novas situações que constantemente a vida em sociedade vai colocando?”.

No seu discurso de estreia questionou a plateia: “como é possível tamanha inércia política? Como é possível este desinteresse pelas condições de exercício da função judicial? Como é possível tudo isto acontecer, ou melhor, nada acontecer?”, questionou o presidente do STJ, que citou a personagem da obra O Senhor dos Anéis, o sábio Gandalf, para afirmar “não nos é dado escolher o tempo em que vivemos, mas apenas o que fazer com os tempos em que nos foi dado viver”.

Sobre o envelhecimento dos juízes, tema sobre o qual tem deixado repetidos alertas, referiu que nos próximos seis anos se reformaram cerca de 600 magistrados, apontando que “atualmente, o número de juízes existentes já não é sequer suficiente para preencher os quadros existentes”, o que torna “necessário que nos próximos anos se reponha o número de juízes que se vão reformando, o que só se conseguirá com o ingresso e uma formação, de cerca de uma centena de novos juízes por ano”.

Para isso, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), que forma magistrados, deve ser dotado dos meios necessários. Lembrando que tomou posse há menos de um ano, em junho, quando a justiça “estava na crista da onda discursiva, sob o signo da crise e da desconfiança e a sua reforma era um desígnio nacional prioritário”, mas que a onda acabou por se desfazer “na espuma dos dias”, João Cura Mariano defendeu que “após um longo período de inação, há uma extensa reforma por fazer”.

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