Conflitos armados são o principal risco este ano. Em Portugal é a escassez de talento

Portugal é vulnerável aos riscos globais mas os principais riscos que enfrenta são outros: escassez de mão-de-obra, recessão económica e falta de serviços públicos e proteções sociais.

Os conflitos armados, eventos climáticos extremos e a confrontação geoeconómica são os riscos com maior probabilidade de provocar uma crise global significativa este ano, segundo o Global Risk Report 2025 do Fórum Económico Mundial.

Há dois anos, poucos especialistas identificavam o conflito armado como uma das principais ameaças para 2025, ao ponto de este risco nem sequer figurar entre os dez principais no Global Risks Report. No entanto, atualmente, é considerado o principal risco para este ano, mantendo-se em destaque nas projeções até 2035.

De acordo com o relatório, este aumento nas preocupações deve-se, em grande parte, às “consequências desestabilizadoras decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia, bem como aos conflitos no Médio Oriente e no Sudão”. Na perspetiva de dois anos, o risco de conflito armado subiu da 5.ª posição para o 3.º lugar em relação ao relatório anterior.

Neste estudo, entende-se por risco global a possibilidade de ocorrência de um evento que, caso se verifique, teria um impacto negativo de magnitude significativa no Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Para chegar a estas conclusões foram inquiridos 900 especialistas do meio académico, empresarial, governamental, organizações internacionais e sociedade civil. No inquérito foi-lhes pedido para fazerem avaliações sobre a sua perceção dos riscos globais. As respostas foram recolhidas entre 2 de setembro e 18 de outubro do ano passado.

Desinformação mantém-se como risco

Em simultâneo, a desinformação continua a ser vista como o principal risco global a dois anos, mantendo esta posição pelo segundo ano consecutivo. Há várias formas pelas quais a proliferação de conteúdo falso ou enganoso está a complicar o ambiente geopolítico: “é um dos principais mecanismos usados por entidades estrangeiras para influenciar as intenções de voto; pode plantar dúvidas entre o público em geral sobre o que está a acontecer em zonas de conflito; ou pode ser usado para prejudicar a imagem de produtos ou serviços de outro país”, lê-se no estudo.

O aumento das tensões geopolíticas e a desinformação podem afetar a estabilidade económica e política em Portugal, assim como aumentar a instabilidade e a desigualdade social

José Coutinho

Chief underwriting officer na Zurich Portugal

Enquanto isso, os eventos climáticos extremos permanecem na segunda posição e o risco de conflitos armados em terceiro lugar.

A subida da “confrontação geoeconómica” no ranking a dois anos, da 14.ª posição no ano passado para a 9.ª atualmente, reflete a crescente preocupação com o futuro das relações económicas globais. A importância da tecnologia nas tensões geopolíticas também é uma preocupação para os inquiridos, com a “ciberespionagem e guerra cibernética” a ocupar o 5.º lugar nas perspetivas até 2027.

Riscos ambientais são o maior risco na próxima década

De acordo com os especialistas, a perspetiva para os riscos ambientais na próxima década é “alarmante”. Ainda que todos os 33 riscos do estudo devam agravar-se em severidade no horizonte de dois a dez anos, os riscos ambientais apresentam o pior agravamento: este risco ocupa o primeiro lugar na lista de riscos a dez anos pelo segundo ano consecutivo.

Perda de biodiversidade e colapso de ecossistemas está classificado em segundo lugar no horizonte de 10 anos, enquanto o risco das mudanças críticas nos sistemas do planeta terra surge em terceiro lugar.

A inteligência artificial (IA) é outro dos aspetos que mais subiu no ranking de riscos a dez anos, comparativamente ao ranking a dois anos, passando do 31.º lugar para o 6.º. O relatório destaca o papel da IA generativa na produção de conteúdos falsos ou enganosos em larga escala, o que contribui para a polarização social.

Os especialistas preveem que a ordem liderada pelo Ocidente sofra de erosão na próxima década, mas que deverá manter uma posição de poder relevante, enquanto alternativas ao poder estabelecido no pós-Guerra Fria, lideradas pela China, pela Índia e os Estados do Golfo, deverão a ganhar força.

Segundo o estudo, a fragmentação está a redefinir as relações internacionais, colocando em causa a capacidade das estruturas atuais de enfrentar coletivamente os desafios que confrontam. A cooperação global em várias áreas — desde a geopolítica e questões humanitárias até às relações económicas, ambientais e tecnológicas — pode alcançar novos níveis baixos nos próximos anos. Países de peso no cenário internacional estão a focar-se em questões internas, como os problemas económicos ou sociais domésticos, numa altura em que o fortalecimento dos laços multilaterais é essencial para enfrentar desafios comuns.

Principais riscos para Portugal são todos económicos

O relatório identificou a escassez de mão-de-obra e talento, a recessão económica e a insuficiência de serviços públicos e proteções sociais como os principais riscos para Portugal a curto prazo. A seguir, surge a pobreza e a desigualdade, enquanto a dívida pública ocupa a quinta posição. Para elaborar estes resultados, foram consultados executivos no país.

“O aumento das tensões geopolíticas e a desinformação podem afetar a estabilidade económica e política em Portugal, assim como aumentar a instabilidade e a desigualdade social”, assinala o chief underwriting officer na Zurich Portugal. “Subsistem os riscos ambientais onde os eventos climáticos extremos, perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas podem ter consequências graves para o ambiente, famílias e indústrias”, remata José Coutinho.

Especialistas desconfiam da capacidade das instituições para lidar com riscos

Os especialistas demonstram ceticismo quanto à capacidade dos mecanismos sociais e das instituições governamentais atuais em enfrentar os riscos emergentes, o que influencia diretamente as suas perspetivas a médio e, principalmente, a longo prazo.

Enquanto 31% dos inquiridos antecipa um cenário global turbulento a curto-médio prazo (nos próximos dois anos) e 5% um cenário tempestuoso (avaliação mais pessimista), o panorama piora no horizonte de dez anos. Quase metade (45) dos especialistas aponta para um cenário turbulento a longo prazo e 17% um cenário tempestuoso.

“O otimismo é limitado, uma vez que o perigo de erro de cálculo ou de erro de avaliação por parte dos atores políticos e militares é elevado. Parece que estamos a viver um dos períodos mais tempos mais divididos desde a Guerra Fria, e isso reflete-se nos resultados do GRPS (inquérito)”, lê-se no relatório.

As fraturas sociais estão no centro do panorama geral de riscos. A desigualdade (de riqueza, de rendimento) é vista como o risco mais central de todos, desempenhando um papel significativo tanto no desencadeamento como na influência de outros riscos. A crescente disparidade social está a contribuir para o enfraquecimento da confiança e para a diminuição do senso coletivo de valores partilhados.

O estudo também revela uma divergência geracional nas perceções sobre riscos ambientais, com os inquiridos mais jovens a manifestarem uma preocupação substancialmente maior em relação a estes riscos nos próximos dez anos, em comparação com as faixas etárias mais velhas. Um exemplo claro é a poluição, que ocupa a terceira posição entre os maiores riscos em 2035 para os inquiridos com menos de 30 anos, sendo a classificação mais alta entre todos os grupos etários. Por outro lado, os especialistas com mais de 30 anos dão mais ênfase ao conflito armado, sendo que apenas os com menos de 30 anos colocaram o risco de eventos climáticos adversos em primeiro lugar para 2025.

Tal como observado no relatório do ano anterior, existe uma diferença significativa entre o setor público e o privado quanto à classificação da poluição como risco. O setor público coloca-a entre os dez maiores riscos a dez anos, mas esta preocupação não é refletida no setor privado.

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