Efeito Trump. Parlamento Europeu admite deixar empresas dos EUA fora do IRC mínimo de 15%

Depois das ameaças de retaliação, o Parlamento Europeu admite agora isentar as grandes empresas norte-americanas. Em contrapartida, pondera avançar com um imposto global sobre serviços digitais.

Depois das ameaças de retaliação da Administração Trump contra os países que tributarem as suas multinacionais à taxa mínima global de IRC de 15%, o Parlamento Europeu já admite isentar as empresas norte-americanas com atividade nos Estados-membros da União Europeia (UE), segundo fonte oficial do gabinete de comunicação da subcomissão parlamentar dos assuntos fiscais, numa resposta enviada ao ECO. Em contrapartida, os eurodeputados ponderam avançar com um imposto global sobre os serviços digitais.

“A reforma do Pilar 2”, que diz respeito à tributação mínima global de multinacionais com faturação igual ou superior a 750 milhões de euros, “foi concebida de forma a poder ser implementada unilateralmente”, começa por apontar a mesma fonte oficial do subcomité, liderado pelo eurodeputado Pasquale Tridico. “Contudo, os Estados-membros da UE podem decidir fazer cumprir a lei, mesmo sem a participação dos EUA. A fim de evitar retaliações por parte dos EUA, teriam de considerar a possibilidade de alterar a lei de uma forma a isentar as empresas norte-americanas sem prejudicar o objetivo da reforma no que diz respeito a outros países terceiros”, sugere o Parlamento Europeu.

É um claro recuo da instância europeia sediada em Estrasburgo, depois de o presidente Donald Trump ter rasgado o acordo histórico de 2021, assinado pelos EUA de Joe Biden e mais cerca de 140 países, para a aplicação de um imposto global mínimo sobre multinacionais com uma faturação igual ou superior a 750 milhões de euros. Durante a cerimónia da tomada de posse, na segunda-feira, Trump foi taxativo, ao declarar que esse pacto já “não tem força ou efeito”.

Num memorando presidencial, emitido horas depois de ter assumido o cargo, Donald Trump pediu ao Tesouro dos EUA que preparasse “medidas de proteção” contra os países que implementaram ou que irão implementar “regras fiscais que visem desproporcionalmente as empresas americanas”.

O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, terá agora 60 dias para apresentar as conclusões e recomendações sobre os países terceiros que não cumpram os tratados fiscais com os EUA ou que planeiam aplicar a taxa global mínima de 15%. De lembrar que, na semana passada, o mesmo governante considerou “um erro grave” a implementação da reforma do Pilar 2.

A Comissão Europeia lamenta a posição de Trump, “mas acredita que é possível discutir estas questões com a nova Administração dos EUA para compreender melhor as suas preocupações”, indicou ao ECO fonte oficial de Bruxelas.

A instituição, presidida por Ursula Von der Leyen, salienta que “tanto a UE como os EUA partilham os mesmos interesses em desencorajar a transferência de lucros para países com impostos baixos”. Por isso, considera que ainda há margem de manobra para debater esta matéria de forma a chegar a um entendimento, até porque está em curso “uma reforma fiscal interna nos EUA”, que deverá estar concluída no final deste ano. Será nesse palco que a Comissão poderá tentar alguma forma de negociação com o Tesouro norte-americano.

Tanto a UE como os EUA partilham os mesmos interesses em desencorajar a transferência de lucros para países com impostos baixos.

Comissão Europeia

Num tom mais crítico, o presidente da subcomissão do Parlamento Europeu para os assuntos fiscais, Pasquale Tridico, já reconheceu que a saída dos EUA do acordo global sobre a tributação das multinacionais representa “um revés significativo”. “A decisão de Trump beneficia multinacionais e ultrabilionários que apoiaram a sua campanha. O fardo recairá sobre os cidadãos e as pequenas e médias empresas, que continuarão a enfrentar impostos desproporcionalmente mais elevados em comparação com as grandes empresas”, criticou o eurodeputado do grupo da Esquerda Unitária.

Tridico sinalizou que, “há mais de um ano, a UE introduziu novas regras que determinam uma taxa de imposto efetiva mínima global de 15% para empresas multinacionais que operam nos seus Estados-membros”. “As ameaças de retaliação de Trump não devem deter-nos. O nosso dever é servir os cidadãos e as empresas europeias, que são fortemente penalizados pelas práticas de evasão fiscal das grandes multinacionais, especialmente dos gigantes tecnológicos”, defendeu.

Apesar desta posição de força, o Parlamento Europeu já veio admitir a possibilidade de isentar as multinacionais norte-americanas face às ameaças de retaliação de Donald Trump. “Existe o risco de tensões crescentes entre os EUA e a UE, se a UE avançar e decidir implementar” o imposto mínimo global “e impô-la às empresas dos EUA”, reconheceu fonte oficial em resposta às questões colocadas pelo ECO.

As ameaças de retaliação de Trump não devem deter-nos. O nosso dever é servir os cidadãos e as empresas europeias, que são fortemente penalizados pelas práticas de evasão fiscal das grandes multinacionais, especialmente dos gigantes tecnológicos.

Pasquale Tridico, presidente da subcomité dos assuntos fiscais do Parlamento Europeu

Por isso, a “UE terá de colaborar com a nova administração dos EUA e apelar a uma reforma do regime dos EUA para o tornar compatível com a reforma do Pilar 2”. Mas vai mais longe: “A fim de evitar retaliações por parte dos EUA, os Estados-membros teriam, no entanto, de considerar a possibilidade de alterar a lei de uma forma a isentar as empresas norte-americanas sem prejudicar o objetivo da reforma no que diz respeito a outros países terceiros”. Estrasburgo indica que esta isenção poderia se feita “a nível nacional”, mas o ideal seria um acordo “adotado a nível da UE”. Nesta fase, contudo, ainda “é demasiado prematuro prever o que os Estados-membros irão decidir”, acrescentou a mesma fonte.

O Parlamento Europeu chamou ainda a atenção para outra das consequências da retirada dos EUA do acordo para a tributação global mínima das multinacionais: “Os Estados-membros da UE já não se irão sentir vinculados ao compromisso com o Pilar 1, que determina a suspensão dos impostos sobre o digital e não introdução de novas taxas sobre estes serviços”.

Ou seja, os países europeus sentir-se-ão livres ou legitimados para criar novas taxas. “Para evitar que isto conduza a um aumento de múltiplos impostos nacionais, a Comissão Europeia poderia reconsiderar a sua anterior proposta de introdução de um imposto sobre serviços digitais à escala da UE”, sugere o Parlamento Europeu, recordando que já instou a Comissão “a reconsiderar um imposto digital alternativo da UE no caso de fracasso da reforma do Pilar 1, dado que uma parte das receitas geradas no âmbito desta reforma deveria ser atribuída ao orçamento da UE”.

A fim de evitar retaliações por parte dos EUA, os Estados-membros teriam, no entanto, de considerar a possibilidade de alterar a lei de uma forma a isentar as empresas norte-americanas sem prejudicar o objetivo da reforma no que diz respeito a outros países terceiros.

Parlamento Europeu

Todas estas matérias terão ainda de ser discutidas e definidas pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu, uma vez que “o Parlamento Europeu desempenha apenas um papel consultivo em questões fiscais“, salientou a mesma fonte do gabinete parlamentar.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que promoveu o acordo multilateral para a criação de um IRC global mínimo de 15% sobre as multinacionais com faturação igual ou superior a 750 milhões de euros, também já reagiu à posição da Administração Trump.

A instituição mostrou-se igualmente preocupada com o recuo norte-americano, mas foi mais branda no tom, salientando que “os Governos dos países membros” da OCDE, incluindo os EUA, “representam os seus interesses como bem entendem”, referiu numa resposta ao ECO. “A OCDE continuará a trabalhar com os EUA e todos os países para apoiar a cooperação internacional de modo a promover a segurança, evitar a dupla tributação e proteger as bases tributárias”, indicou.

A OCDE continuará a trabalhar com os EUA e todos os países para apoiar a cooperação internacional de modo a promover a segurança, evitar a dupla tributação e proteger as bases tributárias.

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)

As grandes multinacionais, com uma faturação anual superior a 750 milhões de euros, estão, desde janeiro de 2024, e pela primeira vez, sujeitas a uma taxa mínima de IRC de 15%, à medida que entram em vigor as reformas fiscais de quase 140 países, incluindo as dos Estados-membros da UE.

Portugal falhou o prazo para transpor a diretiva europeia, até 21 de dezembro de 2013, e só aprovou a respetiva proposta de lei em julho do ano passado, tendo o diploma entrado em vigor em novembro.

O acordo estabelece que se o lucro de uma multinacional for tributado abaixo de 15% num país, outros países poderão cobrar uma taxa complementar até atingir aquele patamar mínimo. A OCDE, que promoveu esta reforma, estima que este imposto aumentará a receita fiscal anual em até 9%, ou seja, em 220 mil milhões de dólares ou 199 mil milhões de euros em todo o mundo.

Reino Unido, Noruega, Austrália, Coreia do Sul, Japão e Canadá foram os primeiros países a implementar o imposto global mínimo. Outros Estados, vistos como paraísos fiscais pelas multinacionais, por terem uma taxa inferior, de 5,5%, como Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos, Suíça e Barbados, também vão participar. EUA e China apoiaram o acordo em 2021, mas não introduziram a taxa mínima na legislação. Com a Administração Trump a liderar a Casa Branca, o mais certo é que o imposto global não seja adotado pelos Estados Unidos.

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