Lei de Bases do Clima faz três anos com vários pontos por cumprir. Fiscalização e credibilidade em causa
O Governo destaca os avanços em Portugal na ação climática mas assume-se “empenhando em concretizar os pontos em atraso”.
Há praticamente uma mão cheia de iniciativas previstas na Lei de Bases do Clima que ainda não foram cumpridas, três anos depois da respetiva entrada em vigor, a 1 de fevereiro de 2022. O Governo destaca que já foram, contudo, dados passos relevantes na ação climática e assume-se “empenhando em concretizar os pontos em atraso”.
Por cumprir estão a apresentação dos Planos Municipais e Regionais de Ação Climática, o lançamento de uma Estratégia Industrial Verde e dos Planos Setoriais de Mitigação e de Adaptação às Alterações Climáticas, no que diz respeito aos setores considerados prioritários e, finalmente, o Relatório de Avaliação Inicial de Impacte Climático Legislativo.
“Todas estas medidas têm prazos específicos na própria lei para a sua execução, os quais estão ultrapassados há mais de um ou dois anos”, acusa a organização ambientalista Zero, na voz da analista de políticas climáticas Susana Militão.
Além disto, há medidas nas quais se deram alguns passos, como a aprovação da criação do Conselho para a Ação Climática (CAC), que já remonta a agosto de 2023, mas cujo conselho ainda não está operacional, “comprometendo importantes dispositivos previstos na legislação”, destaca a Zero.
De momento ainda não se conhecem os membros deste conselho, e a organização ambientalista afirma que está a ser travado por “um impasse relacionado com a garantia de paridade de género na sua composição”. “Tem de haver um Conselho para a Ação Climática, senão, o sistema de planeamento e avaliação não funciona”, alerta Miguel Costa Matos, coautor da proposta de lei que deu corpo à atual Lei de Bases do Clima.
Filipe Duarte Santos que, como presidente do CNADS – Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, é automaticamente nomeado membro do CAC, afirma-se “surpreendido” de ainda não ter sido convocada qualquer reunião para este último conselho. Da existência deste órgão está dependente, por exemplo, a aprovação dos Orçamentos de Carbono, que estabelecem limites de emissões de gases de efeito de estufa para o país até 2030, e que estão agora em consulta pública.
No caso dos Planos Climáticos, também não está tudo por fazer, mas sim a maior parte. No final de 2023, os dados mais recentes que a consultora Get2C, responsável pela monitorização, tem disponíveis, contam-se 184 municípios que ainda não tinham entregue o respetivo Plano Municipal de Ação Climática, o correspondente a 60% dos municípios em Portugal.
O Ministério do Ambiente sublinha, contudo, “o percurso notável de Portugal” na elaboração de planos de adaptação ao nível das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, que cobrem atualmente a quase totalidade do território nacional.
O ministério da tutela diz-se “empenhando em concretizar os pontos em atraso” e destaca os pontos que foram sendo concretizados. Por exemplo, no ano passado, foi assumida a antecipação da meta de neutralidade climática para 2045, tal como previsto na Lei de Bases do Clima. Afirma ainda que “está em revisão o Roteiro para a Neutralidade Carbónica (2050) e em breve será iniciada a revisão da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC)”.
Clima, credibilidade e fiscalização: as grandes perdas
“Portugal arrisca-se a transformar uma lei pioneira em mais um exemplo de promessas políticas não cumpridas no campo climático, com consequências graves não só para a sua reputação, mas principalmente para o futuro de todos, incluindo o das próximas gerações”, acusa a Zero.
“O Governo está empenhado no cumprimento da Lei de Bases do Clima e a dar passos no sentido do reforço das políticas de ação climática, incluindo na definição de metas mais ambiciosas”, afirma, por seu lado, o Governo.
O executivo realça que Portugal é atualmente uma referência ao nível do desempenho climático, tendo conseguido a 15.ª posição mundial no Climate Change Performance Index for 2025 (CCPI), situando-se no grupo de países com classificação alta. Na avaliação do Tribunal de Contas, “a avaliação das ações públicas relacionadas com as alterações climáticas foi, na generalidade das componentes, muito positiva em Portugal”.
“Há certas obrigações na Lei do Clima, que são uma validação daquilo que está a ser feito [a nível climático], que seria muito importante assegurar”, afirma Filipe Duarte Santos, referindo-se ao Relatório de Avaliação Inicial de Impacte Climático Legislativo.
Também Miguel Costa Matos considera que “a principal vitória desta Lei está por cumprir – um regime rigoroso, de base científica, de planeamento, execução e avaliação das políticas climáticas, de forma transversal”, e que seja aplicado também no setor financeiro, no setor agrícola, até na política externa. “Até lá, estamos vulneráveis ao greenwashing”, alerta.
Sobre a falta de uma estratégia industrial verde, Miguel Costa Matos entende que esta se nota, por exemplo, na perda de projetos na área do hidrogénio verde. Ainda esta semana, a ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, assumiu que os projetos de hidrogénio verde apresentam uma “grande dificuldade” na execução, mas justificou com a corrida à compra de eletrolisadores no mercado europeu e mundial.
Pela positiva, o Governo destaca ainda a criação da Agência para o Clima, que vai concentrar em si todos os fundos ligados à ação climática. Filipe Duarte Santos concorda que a existência desta agência “é um passo importante” e que pode ajudar a dar resposta às exigências da lei.
“É muito importante ter uma cooperação entre os ministérios”, entende o presidente do CNADS, olhando por exemplo a setores afetados pelas alterações climáticas, como a agricultura, e outros que contribuem para a descarbonização, como as florestas, e que não estão na esfera política do Ambiente.
O que falta, então, para concretizar a lei em pleno? “Para desbloquear, há que pôr a funcionar o CAC e que haja um maior diálogo e cooperação nos temas da agricultura, água e florestas, e também ao nível dos financiamentos”, acredita Filipe Duarte Santos. Do ponto de vista da Zero, falta apenas “vontade política”.
“Depois de ter declarado em abril do ano passado a implementação da Lei de Bases do Clima como uma prioridade, o Governo precisa agora, com urgência, de transformar palavras em ações concretas e mensuráveis”, urge Susana Militão.
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