CFP quer ter voz nas projeções de pensões: “Segurança Social está sempre a ser condicionada por interpretações”
Nazaré da Costa Cabral alerta para falta de confiança nas projeções do sistema de pensões, defende papel do CFP no tema e considera que regra sobre portefólio do FEFFS deve ser avaliada.
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) considera que não existe confiança nas projeções do sistema de pensões, pelo que quer capitalizar a sua independência para ser parte ativa das mesmas e desfazer a ideia de “podem ser instrumentalizadas” e “estão a servir um determinado interesse”.
Em entrevista ao ECO, a presidente da instituição defende que não pode existir discricionariedade na utilização dos excedentes previdenciais e que a regra que determina a alocação de 50% do portefólio do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) em dívida portuguesa deve ser avaliada.
A presidente do CFP, Nazaré da Costa Cabral, considera que para “um conhecimento bastante isento e rigoroso do sistema previdencial da Segurança Social” é essencial ter “projeções rigorosas e certeiras da situação” do sistema de pensões, recordando que o último relatório do Tribunal de Contas sobre a sustentabilidade do sistema é crítico das projeções oficiais feitas pelo Ministério do Trabalho.
“O que verificamos é que a Segurança Social está sempre a ser, digamos, condicionada por interpretações. As projeções não geram total confiança, sejam elas ou de grupos de trabalho ou as próprias oficiais. Não geram suficiente confiança nem na opinião pública em geral, na imprensa, por exemplo, e não geram nos atores políticos. Há sempre a ideia de que podem ser instrumentalizadas e estão a servir um determinado interesse“, argumenta.
O que verificamos é que a Segurança Social está sempre a ser, digamos, condicionada por interpretações. As projeções não geram total confiança, sejam elas ou de grupos de trabalho ou as próprias oficiais. Há sempre a ideia de que podem ser instrumentalizadas e estão a servir um determinado interesse.
Neste sentido, recorda a recomendação do Livro Verde sobre o reforço da sustentabilidade do sistema previdencial de trazer o Conselho das Finanças Públicas para o centro deste sistema de projeções. “Isto é, enquanto entidade independente, reconhecida pela capacidade técnica que tem poderia passar a ter responsabilidades e competências ao nível das projeções no sistema de pensões“, aponta.
Nazaré da Costa Cabral adianta que a instituição que lidera tem desenvolvido trabalho “nos últimos tempos” para “quer ao nível dos seus recursos humanos, quer da aposta na dimensão tecnológica apetrechar-se para poder desenvolver projeções de pensões no futuro”, e defende que os estatutos dão mandato ao CFP para o fazer.

“Se uma entidade independente como o CFP pudesse ter condições para fazer projeções nesta área seria uma vantagem, porque fazer projeções de pensões é um exercício técnico. Não tem de ser sistematicamente objeto de instrumentalização política e muito menos de natureza ideológica“, afirma.
Vincando a “vontade de o fazer”, contudo, adverte que há fatores externos que ultrapassam a instituição como o “acesso à informação, nomeadamente a dados, incluindo microdados”. Para a responsável do CFP, “aquilo que o país neste momento precisa é de ter um modelo de pensões que seja bem adequado àquele que é o sistema da Segurança Social, àquela que é realidade no seu mercado de trabalho, um modelo que em que as especificações do mesmo sejam devidamente conhecidas para que possam ser trabalhadas”.
“Cerne do problema da sustentabilidade da Segurança Social é o seu sistema de pensões”
Nazaré da Costa Cabral aponta o conhecimento das eventualidades como determinante para responder aos desafios da sustentabilidade. “O cerne do problema da sustentabilidade da Segurança Social é o seu sistema de pensões. Defendo há muito que deveria haver uma clara separação na Taxa Social Única (TSU) daquela que é a taxa alocada ao financiamento na eventualidade de pensões de velhice, eventualmente invalidez também”, aponta.
Para a responsável do CFP, só assim é possível compreender se essa taxa está adequadamente ajustada àquilo que é o custo técnico e todos os outros custos associados à própria eventualidade de velhice. “Um modelo como temos de taxa única para todas as eventualidades não permite isso. Além de que torna a velhice muito condicionada pelas outras eventualidades, nomeadamente pelo desemprego. O desemprego é uma eventualidade muito volátil, tipicamente cíclica e, portanto, o custo do desemprego está sempre de certa maneira a contaminar a velhice“, adverte.
O desemprego é uma eventualidade muito volátil, tipicamente cíclica e, portanto, o custo do desemprego está sempre de certa maneira a contaminar a velhice.
Alerta ainda para a necessidade de identificar “se o valor da taxa alocada à eventualidade de velhice está bem determinado”, de forma a determinar “se existe um equilíbrio atuarial ou não no sistema”.
“Aí das duas uma: ou esse equilíbrio atuarial está garantido e podemos estar tranquilos ou então temos de fazer qualquer coisa ou ao nível da taxa ou do ajuste da idade de reforma, que é o que tem vindo a ser feito. A permanente elevação da idade de acesso à pensão de velhice é um sinal de que o sistema não está atuarialmente equilibrado”, refere.

Regras de gestão do portefólio do FEFFS têm de ser avaliadas
A presidente do CFP realça a “importância sistémica” do FEFFS, alertando que este “tem de ser preservado e olhado com toda a cautela” quer a montante, quer a jusante. “Muitas vezes olhamos para o FEFFS e pensamos que ele é a almofada financeira do nosso sistema, que está ali para garantir o tal respaldo quando o sistema previdencial entrar em em défice. Só que o FEFFS não é só isso, é uma reserva que permite equalizar os índices de contribuição das várias gerações que nele se cruzam“, recorda.
Neste sentido, realça que este é alimentado a partir dos excedentes do sistema previdencial e “deveria mensalmente ser alimentado a partir de uma parte da quota do trabalhador – de dois a quatro pontos percentuais (pp.) da quota do trabalhador, algo que não tem sido cumprido inteiramente nos últimos anos”.
Assim, considera que “o excedente do previdencial nunca é demais, nunca pode ser usado para outros fins espúrios ao próprio sistema previdencial“, sendo “dos trabalhadores” e, por isso, “não pode ser desbaratado, porque não está ali na disponibilidade do decisor”.
O excedente do previdencial nunca é demais, nunca pode ser usado para para outros fins espúrios ao próprio sistema previdencial.
Nazaré da Costa Cabral deixa ainda um alerta sobre a política de investimento do FEFFS: “Deve ser gerido de forma profissional como, aliás, tem sido, a sua política de investimento deve estar muito bem pensada. É importante que o Instituto Gestão de Fundos de Capitalização tenha condições para planear antecipadamente como é que vai investir o bolo financeiro que tem ao seu dispor“, indica.
“Claro que tem que ter princípios e aspetos que têm que ser conciliados. Por um lado, a gestão do risco, mas, por outro lado, a tentativa de obtenção do maior retorno possível”, sinaliza.
Quando questionada sobre a regra que determina que, pelo menos, 50% do portefólio deve estar alocado à dívida pública portuguesa deve ser alterada, salienta que “é uma decisão política, mas tem de ser avaliada e estudada“.
“Foi justificada num determinado contexto muito particular, nos idos anos de 2012 em que Portugal estava só sob a égide de um programa de assistência financeira. Foi usado para dar segurança da dívida pública. Neste momento, temos de pensar se esse modelo se mantém como o mais adequado, na perspetiva também de aquilo que é a rentabilização do fundo e do que pode ser o retorno para os pensionistas do futuro“, considera.
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