Morais Leitão começa a vender tecnologia, mas nega querer ser empresa de software
A sociedade de advogados e consultores, que se tornou multidisciplinar no início de 2025, criou um portal digital de gestão corporativa para grupos empresariais e 'private equities'.
A sociedade de advogados Morais Leitão (ML) está a tornar-se cada vez mais um escritório com diferentes serviços além da assessoria jurídica. Quatro meses depois de adotar um regime multidisciplinar, a ML tem estado a apresentar às empresas algumas das tecnologias que o novo estatuto lhe permite programar e vender.
A ML começou a desenvolver software para investidores e holdings agruparem toda a informação das suas subsidiárias e participadas, inclusive atas, programas de compras de ações, cisões e fusões, compras e vendas ou apresentações de resultados e assembleias gerais. Trata-se de portal online de gestão societária (MLOne Governance) em Microsoft 365, mas a ML garante: “Não queremos ser uma software house“.
“O nosso compromisso é entregar uma solução all in one [tudo em um] que contribua para a eficiência no corporate management [gestão corporativa] e compliance de grandes grupos económicos, private equities e startups. Prestamos serviços jurídicos e tecnológicos no set-up [configuração] do portal e nas necessidades de dia a dia do cliente pós set-up“, esclareceu a ML, num encontro com jornalistas, garantindo que o sistema parte de um protótipo que pode ser alvo de personalização.
Neste caso, o clássico modelo de honorários é substituído por um preçário à moda Netflix em que o valor varia consoante as funcionalidades que o cliente escolhe ter no portal.
Além disso, a ML está a trabalhar com a empresa portuguesa Mind Over Data, especializada em ciência de dados, numa plataforma baseada na cloud que permite identificar comportamentos e relações alegadamente duvidosas entre sujeitos com base em temas, conversações e documentos. Como? Os algoritmos (combinação de machine learning e processamento de linguagem natural) identificam palavras-chave nas conversas, à moda da decriptação da Operação Lava Jato no Brasil, que podem ser úteis em processos de due diligence (diligência prévia) comercial durante uma aquisição.
A advogada Magda Viçoso, administradora e sócia da de Comercial, M&A, mercado de capitais e private equity, disse aos jornais económicos presentes na sessão que as empresas disponibilizam o arquivo (dataset) para esta ação preventiva e a ML entra em cena com apoio jurídico se se detetarem riscos. No final, os dados são eliminados do sistema informático. “O Pointer.ai permite à ML não só aumentar a eficiência dos seus processos, mas também ganhar uma clara vantagem competitiva ao oferecer aos seus clientes uma plataforma de que nenhum outro player dispõe”, explicou.
Paralelamente, está a ser criado um ‘ChatGPT’ interno (ML One AI) via Azure, embora os dados estejam sob custódia da nuvem da Morais Leitão em prol da confidencialidade. Atualmente, decorrem provas de conceito deste chatbot com 60 pessoas da sociedade pertencentes a departamentos diferentes.
A ML foi a primeira sociedade de advogados em Portugal a afastar-se do tabu da multidisciplinaridade e a afirmar-se com uma oferta equivalente à das consultoras Big Four, prestando apoio legal – como faz desde 1993 – e também outro género de advisory mais centrado na transformação digital.
Desde novembro de 2023, a ML promoveu mais de 40 reuniões com empresas para explicar em que consiste o novo modelo de negócio chamado “ML Tech and Knowledge” e renovou um dos pisos do edifício-sede, na Rua Castilho, em Lisboa. O espaço compara-se agora a qualquer escritório corporate em Lisboa com hot desks (sem lugares marcados) e zonas open space (abertas), ainda que a sociedade reconheça que (ainda) não pode replicar este conceito de design e organização a todos os pisos e áreas de prática. As primeiras ‘cobaias’ do formato são os advogados de Tecnologia, Media e Telecomunicações, Propriedade Intelectual e a equipa de inovação Team Genesis.
Sociedade de advogados e consultores desde janeiro
Foi a 9 de janeiro de 2025 que a ML, liderada pelo advogado Martim Krupenski, anunciou o reposicionamento – caracterizando-o de “evolução estratégica” – para consolidar a posição de liderança no setor jurídico português. Então, acrescentou ao ADN de advocacia “uma nova oferta de soluções de base tecnológica”, embora não tenha explicado em que consistia o ‘cardápio’ digital.
A mudança ocorreu poucos meses depois de ter passado a utilizar a descrição “sociedade de advogados e consultores de referência” nas comunicações à imprensa que foram enviadas ainda no ano passado. E a alteração não veio só no nome nem nos produtos disponibilizados aos clientes: incluiu também uma nomeação de sócios não advogados, como prevê a lei das ordens profissionais.
Carlos Eduardo Coelho, diretor de Inovação e Conhecimento e ex-responsável pelo negócio internacional da sociedade, foi promovido a sócio de indústria e passou a ser liderar os serviços de consultoria e desenvolvimento tecnológico da ML. Ou seja, foi o primeiro sócio não advogado – até porque é formado pelo Instituto de Formação Bancária – na estrutura societária da ML.
Porquê esta alteração a vários níveis? Essencialmente, pela viragem do setor jurídico nacional e estrangeiro em direção à multidisciplinaridade e ao crescente interesse e investimento na inteligência artificial, que a ML garante que faz parte da estratégia interna e dos clientes, mesmo os que ainda não sabem como a vão utilizar.
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