Taxa de juro natural em mínimos históricos corta asas ao BCE
As projeções para a taxa de juro natural entre -0,5% e 1% retiram margem de manobra ao Banco Central Europeu para cortar muito mais as taxas de juro e com poucas “armas” para combater a próxima crise.
O Banco Central Europeu encontra-se numa encruzilhada complexa. As estimativas mais recentes apontam para uma taxa de juro natural na área do euro entre -0,5% e 1%, segundo dados publicados esta sexta-feira no Boletim Económico de junho do Banco de Portugal.
Os valores historicamente baixos para a taxa de juro natural provocam uma limitação da capacidade de resposta da política monetária a futuras crises por parte do Banco Central Europeu (BCE). Esta realidade coloca em evidência um dos maiores desafios que Christine Lagarde e o Conselho do BCE enfrentarão nos próximos anos.
A questão não é meramente técnica. Quando a taxa de juro que equilibra a economia no longo prazo se situa em território próximo de zero – ou mesmo negativo –, a margem para cortar juros numa eventual recessão torna-se perigosamente estreita.
Como explica o documento do Banco de Portugal, “uma taxa de juro natural baixa significa que, com expectativas de inflação ancoradas no objetivo do banco central, a taxa de juro nominal também se situa em valores baixos no longo prazo”. O resultado? “Há uma menor margem de descida até ao limiar inferior, abaixo do qual uma fração significativa dos agentes económicos estariam dispostos a substituir depósitos por moeda.”
A taxa de juro natural — também conhecida como taxa de juro real de equilíbrio no longo prazo — é um conceito fundamental, mas invisível nos mercados financeiros. Definida como “a taxa de juro real de curto prazo que é consistente com o produto potencial e a inflação estável no valor do objetivo do banco central”, esta variável determina, em última análise, onde devem situar-se as taxas oficiais do BCE.
O problema é que “a taxa de juro natural não é observável”, o que obriga os bancos centrais a navegar com instrumentos imperfeitos. As estimativas disponíveis mostram diferenças relevantes, “apresentando diferenças significativas quanto ao valor da taxa natural”, como ilustrado o Banco de Portugal no Boletim Económico de junho, colocando a taxa entre -0,5% e 1%.
Esta incerteza torna ainda mais complexa a tarefa do BCE. Como reconhece o Banco de Portugal, “quando a taxa de juro se situa no intervalo de valores estimados para a taxa de juro nominal de equilíbrio, como é o caso atualmente na área do euro, a avaliação é mais difícil”.
Implicações para a política monetária
A trajetória da taxa de juro natural na área do euro tem sido consistentemente descendente. “Desde o início da área do euro até à pandemia de Covid-19, as estimativas da taxa de juro natural apresentaram uma clara trajetória descendente”, refere o documento.
Este declínio não é casual. Resulta de forças estruturais que moldaram as economias europeias nas últimas décadas. Entre os principais fatores identificados pelo Banco de Portugal estão “o envelhecimento da população (provocado por uma menor taxa de fertilidade e um aumento da esperança de vida), que incentiva um aumento da poupança ao longo da vida ativa, e o menor crescimento da população, que condiciona o dinamismo do produto potencial”, mas também “o fraco dinamismo da produtividade; e a maior procura por ativos seguros associada a uma maior aversão ao risco na sequência da crise financeira global”.
Contudo, o cenário pode estar a mudar. “No período após a pandemia alguns fatores poderão estar a pressionar em alta a taxa de juro natural”, observa o Banco de Portugal. Estes incluem necessidades acrescidas de investimento nas transições digital e verde, o aumento da dívida pública e mudanças no mercado de trabalho.
As “maiores necessidades de investimento, em particular para apoiar as transições digital e verde” podem estar a criar uma procura estruturalmente mais elevada por capital, pressionando as taxas em alta. Simultaneamente, “o aumento da dívida pública após a pandemia” e “a menor procura por ativos seguros associada à finalização dos programas de compra de ativos pelos bancos centrais” contribuem para o mesmo efeito.
Os mercados esperam novas descidas das taxas de juro oficiais em 2025, para valores que se situam dentro do intervalo de estimativas para a taxa de juro nominal no longo prazo.
As consequências práticas para o BCE são evidentes. Como sublinha o documento, “uma reduzida taxa de juro natural apresenta desafios para a política monetária”. Com menos espaço para cortes, o banco central fica “mais restringido no uso do seu principal instrumento”.
Esta realidade já se refletiu nas decisões recentes do Conselho do BCE. “Os mercados esperam novas descidas das taxas de juro oficiais em 2025, para valores que se situam dentro do intervalo de estimativas para a taxa de juro nominal no longo prazo”, como refere o Boletim do Banco de Portugal.
Apesar das limitações, a taxa de juro natural mantém-se central na estratégia do BCE. “No longo prazo, as taxas de juro nominais têm de evoluir em linha com a inflação e com a taxa de juro natural”, explica o documento. Por isso, “a ancoragem das expectativas de inflação em torno do objetivo do banco central depende de uma condução da política monetária consistente com esta relação”.
O conceito serve também como bússola para avaliar a orientação da política monetária: “acomodatícia se a taxa de política estiver abaixo da taxa de equilíbrio, restritiva se estiver acima”, esclarece o Banco de Portugal.
Para o BCE, este enquadramento teórico traduz-se numa realidade prática incontornável. Num mundo de taxa de juro natural baixa, cada movimento dos juros oficiais ganha maior importância, e a margem de erro estreita-se consideravelmente. A capacidade de resposta a futuras crises dependerá, mais do que nunca, da criatividade e da coordenação de políticas não convencionais.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Taxa de juro natural em mínimos históricos corta asas ao BCE
{{ noCommentsLabel }}