O preço da guerra no Médio Oriente no bolso dos portugueses
O conflito no Médio Oriente faz disparar preços de energia e ameaça transformar o verão num pesadelo na carteira das famílias já sufocadas pela inflação dos últimos anos.
O ataque de Israel ao Irão a 13 de junho desencadeou uma escalada que está a fazer soar alarmes nos mercados energéticos globais e, consequentemente, a deixar as finanças pessoais das famílias portuguesas sob alerta.
Com o preço do Brent a registar uma subida de 14% entre 12 de junho a última quinta-feira, os consumidores preparam-se para uma nova vaga de pressão inflacionista que poderá comprometer o orçamento familiar nos próximos meses, caso o conflito militar ganhe outras proporções – apesar de na segunda-feira a cotação do barril ter corrigido quase 7% para perto de 72 dólares.
A dimensão do problema tornou-se ainda mais preocupante após o Parlamento iraniano ter aprovado no domingo o bloqueio do Estreito de Ormuz, uma das artérias mais vitais do comércio energético mundial. Por esta passagem marítima, com apenas 33 quilómetros de largura no seu ponto mais estreito, transitam diariamente 21 milhões de barris de petróleo e derivados, o equivalente a cerca de 30% do consumo mundial, e a um terço do gás natural liquefeito global.
O eventual bloqueio desta rota crítica não só afetaria o abastecimento energético europeu como forçaria os transportadores a procurar rotas alternativas mais dispendiosas, criando um efeito dominó nos preços que chegará inevitavelmente às casas portuguesas.
O preço médio de referência para a eletricidade em Portugal no mercado ibérico entre 13 de junho e esta terça-feira em Portugal é de 82,78 euros/MWh, um aumento de 95% face ao preço médio de 42,35 euros/MWh verificado no mesmo período do ano passado.
Os primeiros sinais do escalar dos conflitos entre Irão e Israel já são bem visíveis no bolso dos consumidores, com o preço dos combustíveis a registar esta semana o maior aumento semanal em quase dois anos, com o gasóleo a subir oito cêntimos e a gasolina três cêntimos nas bombas de combustível.
Também no mercado ibérico de eletricidade o escalar das tensões no Médio Oriente já se faz sentir. Desde 13 de junho que os preços negoceiam consecutivamente acima dos 50 euros por Megawatt-hora (MWh), contando por várias ocasiões preços acima dos 100 e dos 150 euros/MWh, valores bem acima dos praticados nos meses anteriores, e apenas comparável aos preços dos meses de inverno.
Segundo o operado do mercado ibérico (OMIE), o preço médio de referência para a eletricidade em Portugal entre 13 de junho e esta terça-feira em Portugal é de 82,78 euros/MWh, um aumento de 95% face ao preço médio de 42,35 euros/MWh verificado no mesmo período do ano passado.
Esta escalada é particularmente penalizante para as famílias portuguesas que têm contratos de eletricidade com tarifas indexadas ao mercado diário. Nesta modalidade, o preço da energia é indexado à cotação do mercado OMIE, o que significa que os consumidores pagam, a cada hora, o preço real da energia acrescido de um valor pela gestão do contrato.
Porém, caso a pressão dos preços se mantenha de forma prolongada, é esperado que os operadores de eletricidade que oferecem tarifários fixos acabem também por refletir esse aumento na fatura das famílias.
Da alimentação ao custo da casa
A subida do preço do petróleo não se limita aos preços dos combustíveis e da eletricidade. A pressão sobre os preços dos produtos energéticos tem tendência para potenciar uma rápida propagação à restante economia, por via da afetação sobre os custos de transporte e logística, que acabam por se refletir nos preços dos produtos alimentares.
A experiência recente com a guerra na Ucrânia demonstrou como os choques energéticos podem desencadear episódios inflacionistas que afetam desde o pão ao azeite, passando pela carne, peixe e os bens mais perecíveis como as hortícolas, potenciando assim um encarecimento de todo o cabaz alimentar das famílias.
Além disso, é incontornável o efeito que a escalada dos preços energéticos poderá colocar sobre a política monetária dos principais bancos centrais, que têm como função central controlar a taxa de inflação.
O custo do crédito à habitação poderá estabilizar por mais algum tempo, depois de vários meses de correções, ou mesmo aumentar, caso o conflito no Médio Oriente pressione a inflação na área do euro e obrigue a uma intervenção do BCE.
O Banco Central Europeu (BCE), que recentemente cortou pela sétima vez consecutiva as taxas de juro em 25 pontos base, reviu em março em alta as suas projeções de inflação para 2025, esperando agora uma taxa média de 2,3% para 2025, ficando assim acima da meta dos 2%.
A revisão em alta da inflação para 2025 por parte da entidade liderada por Christine Lagarde reflete precisamente “uma dinâmica mais forte dos preços dos produtos energéticos”, e isto antes do ataque de Israel ao Irão. Os analistas do UBS já antecipam um aumento da inflação da Zona Euro para 2,1% em junho (em maio fixou-se nos 1,9%), impulsionado principalmente pela subida dos preços do petróleo.
Esta pressão inflacionista poderá forçar o BCE a fazer uma pausa mais prolongada no ciclo de cortes das taxas de juro ou, num cenário mais extremo, considerar novos aumentos para controlar a inflação. Para as famílias, isto significa que o custo do crédito à habitação poderá estabilizar por mais algum tempo, depois de vários meses de correções, ou mesmo aumentar, caso o conflito no Médio Oriente pressione a inflação na área do euro e obrigue a uma intervenção do BCE.
Segundos os dados mais recentes do Banco de Portugal, a taxa de juro das novas operações de empréstimos à habitação fixou-se nos 3,06% em abril, que se traduz no valor mais baixo desde dezembro de 2022 e ficando abaixo dos 3,25% da taxa média dos créditos à habitação da Zona Euro.
Estreito de Ormuz é uma bomba-relógio energética
A ameaça de fecho do Estreito de Ormuz representa o cenário mais extremo desta crise, com implicações diretas no orçamento das famílias portuguesas. Esta via marítima, controlada pelo Irão no norte e por Omã ao sul, é considerada pela Administração de Informação de Energia dos EUA como “o ponto de estrangulamento de petróleo mais importante do mundo”, ao albergar o trânsito de mais de 20 milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente a um quarto do consumo global de líquidos petrolíferos.
O Irão, terceiro maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) com cerca de 3,3 milhões de barris diários, tem capacidade para perturbar significativamente os mercados energéticos. Segundo os analistas da Citigroup, um bloqueio do estreito poderia fazer o preço do Brent disparar para os 90 dólares por barril, enquanto a J.P. Morgan estima que, num cenário extremo de encerramento prolongado, os preços poderiam atingir entre 120 e 130 dólares por barril.
O aumento dos custos de transporte marítimo propaga-se através das cadeias de abastecimento, encarecendo produtos importados desde eletrodomésticos a vestuário.
As rotas alternativas ao Estreito de Ormuz são limitadas. Apenas a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos possuem oleodutos operacionais que podem contornar o estreito, com uma capacidade combinada de cerca de 4,2 milhões de barris por dia — uma pequena fração dos 21 milhões que normalmente transitam pela via marítima.
Além dos custos diretos de energia, os orçamentos familiares enfrentam ainda mais efeitos indiretos desta crise. O aumento dos custos de transporte marítimo propaga-se através das cadeias de abastecimento, encarecendo produtos importados desde eletrodomésticos a vestuário. Só os prémios de seguros para os navios transacionarem no Estreito de Ormuz aumentaram 60% desde o ataque de Israel.
O setor alimentar, já pressionado pela subida dos combustíveis, poderá ver novos aumentos devido ao encarecimento da logística internacional. Os produtos que dependem de importações asiáticas – destino de 70% do petróleo que transita pelo Estreito de Ormuz- serão particularmente afetados, alertam os especialistas.
A guerra no Irão coloca as famílias perante um dilema: por um lado, a necessidade de gerir orçamentos já apertados pela inflação recente; por outro, a incerteza sobre a duração e intensidade desta nova crise energética.
Os analistas da Goldman Sachs estimam que, no pior cenário, a oferta de petróleo através do Estreito de Ormuz poderá reduzir-se para metade durante um mês e diminuir 10% durante 11 meses adicionais, levando o preço do Brent a atingir picos de 110 dólares por barril.
A guerra no Irão coloca as famílias perante um dilema: por um lado, a necessidade de gerir orçamentos já apertados pela inflação recente; por outro, a incerteza sobre a duração e intensidade desta nova crise energética. Com os preços da eletricidade no OMIE a atingirem níveis de março e os combustíveis em trajetória ascendente, o início do verão de 2025 marca o arranque de um período desafiante para as finanças das famílias.
A experiência das crises anteriores ensina que os choques energéticos tendem a propagar-se lentamente, mas de forma persistente através da economia, afetando desde a fatura de eletricidade até ao preço do pão.
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