Carris “intensificou” recurso a manutenções externas a partir de 2009 por “redução do pessoal”
Empresa que gere o Ascensor da Glória admitia em 2009 a "intensificação do recurso à externalização de atividades ligadas à manutenção e reparação" devido à "redução do pessoal".
Há 16 anos, em 2009, a Carris procedeu a “uma reparação geral” do Ascensor da Glória, tendo acelerado a externalização da manutenção de parte da sua frota: “Prosseguiu-se à intensificação do recurso à externalização de atividades ligadas à manutenção e reparação dos carros elétricos, em consequência da progressiva redução do pessoal oficinal que se tem verificado nos últimos anos”, admitia a empresa no relatório e contas desse ano, consultado pelo ECO.
A externalização da manutenção desta infraestrutura pela Carris ao longo da última década e meia tem sido um tema em foco, depois de, na quarta-feira à tarde, por volta das 18h do dia 3 de setembro de 2025, uma falha no sistema do ascensor ter causado a destruição de um dos dois veículos, bem como a morte de 16 pessoas, deixando ainda cinco em estado grave e dezenas de feridos. Entre as pessoas que morreram estão cinco portugueses, dois sul-coreanos, um suíço, três britânicos, dois canadianos, um ucraniano, um americano e um francês.
Como noticia o Público esta sexta-feira, o ascensor tinha sido vistoriado durante 30 minutos na manhã do dia do acidente, não tendo sido identificada nenhuma anomalia por parte da empresa externa responsável, a Main (nome comercial), de acordo com o relatório técnico. Contudo, até 2007, a Carris tinha 24 técnicos responsáveis 24 horas por dia, com dois operários em turnos de oito horas em cada um dos ascensores.
O relatório anual de 2009 indica ainda quais os serviços externalizados nessa altura, que iam desde a reparação dos motores de tração à reparação das pinças de frenagem. Para efeitos de reporte, a Carris agrupava numa categoria os elétricos, ascensores e elevadores, separando-os dos autocarros.
Prosseguiu-se à intensificação do recurso à externalização de atividades ligadas à manutenção e reparação dos carros elétricos, em consequência da progressiva redução do pessoal oficinal que se tem verificado nos últimos anos.
Ascensor reabriu ao sabor de pastéis de Belém
Em 2009, era também um período de crescimento para o Ascensor da Glória, depois de uma paralisação prolongada, entre 16 de abril de 2006 e 18 de setembro de 2007, devido a trabalhos de reabilitação no túnel do Rossio, que tinha encerrado em outubro de 2004 por ameaça de ruir a qualquer momento. Para esse dia de reabertura, contou o Diário de Notícias, esperava-se “uma manhã de festa, com personalidades públicas e a distribuição de quatro mil pastéis de Belém”.
Antes desse encerramento, os dois ascensores transportavam 1,2 milhões de pessoas por ano, uma média de 100 mil pessoas por mês, gerando receitas médias anuais de mais de 400 mil euros, avançou a empresa ao DN nessa altura. O relatório e contas de 2008 nota, aliás, que “a rede de ascensores apresenta um acréscimo significativo relativamente ao ano anterior, dado que o Ascensor da Glória apenas foi reativado em setembro de 2007, após paragem prolongada”.
O ECO tentou também consultar o Relatório e Contas de 2007, mas o documento não está disponível para consulta no site da empresa. Nesses anos, era presidente da Carris José Manuel Silva Rodrigues, pelo que terá sido a sua administração a decidir seguir a via da externalização.

“Constatações iniciais” do acidente divulgadas esta sexta-feira
Regressando ao presente, em que a empresa vive um dos piores momentos da sua longa história, espera-se que o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) publique esta sexta-feira à tarde a prometida nota informativa com “constatações iniciais” sobre a tragédia desta semana, bem como a “orientação que a investigação irá prosseguir”.
Numa conferência de imprensa esta quinta-feira, o atual presidente, Pedro de Brito Bogas admitiu a externalização de serviços de manutenção por parte da Carris ao longo dos anos: “A manutenção está externalizada desde, pelo menos, 2007, segundo os dados que apurámos. Desde 2019 que é essa empresa que referiu [MNTC] que usa a denominação comercial Main, que está a assegurar a manutenção dos ascensores e do elevador. Foi um concurso público que ocorreu em 2019 e foi a proposta vencedora”, explicou, em resposta aos jornalistas.
“Em 2022 houve um novo concurso público e essa empresa voltou a apresentar a proposta vencedora. Já este ano, em 2025, lançámos um novo concurso em que atualizámos o preço-base. De acordo com as regras de atualização que temos, o preço base subiu de 995 mil euros para 1,2 milhões de euros. Mesmo assim, não foram apresentadas propostas abaixo do preço-base, portanto as propostas apresentadas foram excluídas”, continuou o gestor.
“O concurso ficou deserto”, continuou. “Precisamente porque não podíamos ficar sem manutenção dos ascensores e do elevador, de imediato, celebrámos um ajuste direto com a empresa que está a assegurar essa manutenção, pelo prazo de cinco meses, que é o tempo de que necessitamos para lançar um novo concurso público. Aliás, temos tudo preparado – e vamos – para o lançar no início deste mês”, avançou Pedro de Brito Bogas.
Na conferência de imprensa, o líder da Carris garantiu ainda que a empresa municipal irá investir num novo Ascensor da Glória em Lisboa, porque o funicular que descarrilou não é recuperável. “O veículo, como está, não é recuperado, mas vamos continuar a ter o Elevador da Glória na cidade de Lisboa. Vamos ter um novo elevador, com ainda maior segurança e atendendo a todos os aspetos que resultarem do inquérito. Vamos fazer um investimento para a cidade de Lisboa voltar a ter”, explicou Pedro de Brito Bogas.

Manutenções custaram 3,5 milhões de euros em 2024
Pedro de Brito Bogas revelou ainda que os custos de manutenção mais do que duplicaram em dez anos, entre 2015 e 2025. Entre 2022 e este ano, subiram 25%. “Tem havido um aumento progressivo dos custos com a manutenção e haverá outra vez com o novo contrato”, disse.
No Relatório e Contas de 2024, a Carris assinala que continuou, ao longo do ano passado, o plano de reparações gerais dos carros elétricos (quatro foram remodelados) e de reparação intermédia do Ascensor da Glória.
No total, os custos totais de manutenção da frota dos elétricos, dos três ascensores e do Elevador de Santa Justa aumentaram 3,78% para 3,5 milhões de euros.
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