Prejuízo nos cuidados continuados rondou os 125 mil euros por instituição em 2024
Estudo da Faculdade de Economia do Porto refere que o atual modelo de financiamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados é "insuficiente para cobrir os custos reais” das instituições.
As unidades de cuidados continuados tiveram em 2024 um prejuízo que ronda os 125 mil euros por instituição, segundo um estudo da Faculdade de Economia do Porto, que alerta para o risco de encerramento de unidades devido ao subfinanciamento.
O estudo, a que a agência Lusa teve acesso, conclui que o atual modelo de financiamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) é “insuficiente para cobrir os custos reais” suportados pelas instituições, especialmente nas respostas de média e longa duração.
Apesar das atualizações recentes nos valores pagos pelo Estado, “os défices persistem e tendem a agravar-se com o aumento dos custos operacionais“, em particular os custos com pessoal, que representam a maior fatia das despesas, refere o documento.
Este estudo analisou os custos de funcionamento das entidades que oferecem cuidados continuados, abrangendo três tipologias de respostas — Unidade de Convalescença (UC), Unidade de Média Duração e Reabilitação (UMDR) e Unidade de Longa Duração e Manutenção (ULDM) — e avaliando se o montante pago pelo Governo por utente/dia é suficiente para cobrir os custos suportados pelas instituições, sem incluir margem de lucro para as entidades prestadoras dos cuidados.
Para esta análise, calcularam-se os custos suportados pelas instituições num cenário base, utilizando dados contabilísticos de 2024, e em três cenários alternativos com diferentes pressupostos económicos. Um deles contemplou o aumento previsto no salário médio para 2025, outro incorporou o aumento salarial e o ajustamento dos custos diretos e indiretos à taxa de inflação esperada e o terceiro contemplou um aumento nos custos com pessoal decorrente do aumento do salário mínimo nacional, bem como o efeito da inflação esperada nas rubricas de custos diretos e indiretos.
As contas da Faculdade de Economia do Porto indicam que as unidades com maior prejuízo continuam a ser as UMDR e ULDM. No caso destas últimas, tiveram um défice de 11,81 euros por utente/dia, o que se traduz num subfinanciamento que ronda os 125 mil euros por instituição ao longo do ano de 2024.
A análise revela que, em todas as tipologias de resposta, o valor fixado pelo Estado para 2025 “é inferior ao custo efetivo por utente/dia” suportado pelas instituições, sublinhando que os resultados evidenciam “um subfinanciamento crónico que compromete a sustentabilidade das instituições prestadoras de cuidados“.
Em declarações à Lusa, o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), José Bourdain, sublinha o “subfinanciamento crónico” desta área e explica: “os salários, nomeadamente o salário mínimo, sobem juntamente com a inflação, portanto, o aumento de custos com bens e serviços sobe acima dos aumentos que o Governo nos dá”.
“Isto em anos em que o Governo nos dá aumentos, porque já houve muitos anos em que o Governo simplesmente congelou os aumentos”, lamentou, sublinhando que as instituições “têm muitas dificuldades em manter recursos”, que “fogem para o Estado, imigram ou vão para os privados, que pagam melhor”.
Quanto aos recursos humanos, o estudo indica ainda que o número de categorias previstas na lei para garantir o funcionamento adequado é “manifestamente insuficiente”, nomeadamente no que se refere ao pessoal auxiliar e enfermeiros, e que a legislação não contempla algumas categorias profissionais “essenciais ao funcionamento das instituições”, como técnicos de manutenção, pessoal de cozinha, pessoal de limpeza, técnicos administrativos ou técnicos de recursos humanos, que as instituições têm de contratar.
Por isso, sugere a revisão da legislação, “com especial atenção à adequação das dotações de recursos humanos às exigências atuais dos cuidados prestados”.
O valor pago pelo Estado às instituições deve não apenas cobrir os custos operacionais reais, mas também permitir a geração de margens que viabilizem o investimento contínuo na melhoria da qualidade dos cuidados e, supletivamente, na valorização dos profissionais envolvidos.
Tendo em conta este diagnóstico, os peritos da Faculdade de Economia do Porto propõem uma nova fórmula de atualização anual dos preços pagos pelo Estado, que considere de forma autónoma dois fatores: o impacto da atualização do salário mínimo nacional e a inflação esperada. Adicionalmente, consideram desejável a introdução de um “fator de investimento” destinado a cobrir necessidades estruturais e plurianuais.
“O valor pago pelo Estado às instituições deve não apenas cobrir os custos operacionais reais, mas também permitir a geração de margens que viabilizem o investimento contínuo na melhoria da qualidade dos cuidados e, supletivamente, na valorização dos profissionais envolvidos”, refere.
Em declarações à Lusa, José Bourdain diz que este “fator de investimento” serviria para as unidades poderem cuidar das instalações e renovar equipamentos. “E a Faculdade de Economia do Porto propõe que isto seja feito a cada três anos, que haja um plano a três anos”, disse José Bourdain, lembrando que já no ano passado o Tribunal de Contas (TdC) o tinha defendido num relatório.
Governo reafeta obras do PRR para cuidados continuados. Dá 24h para responder
Entretanto, o Governo propôs a reafetação de 138 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para cuidados continuados, permitindo agora obras de renovação, e deu pouco mais de um 24 horas para as instituições responderem.
Num documento a que a Lusa teve acesso, o Governo assume que não se vai concretizar dentro do prazo previsto (30 junho de 2026) a construção da totalidade de novas camas de internamento e propõe, numa informação enviada às instituições, a reorientação de verbas disponíveis, assumindo que é para evitar o encerramento de algumas estruturas.
Os dados da Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS) relativos a maio revelam a existência de 385 unidades prestadoras de serviço para as tipologias ULDM (Unidade de Longa Duração e Manutenção), UMDM (Unidade de Média Duração e Reabilitação) e UC (Unidade de Convalescença), num total de cerca de 10.000 camas, sendo que o Governo assume que 65% das unidades da rede necessita de intervenção, o que representa cerca de 75% do número de camas.
A proposta de ajustamento da meta do PRR referente à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e Rede Nacional de Cuidados Paliativos, a que a Lusa teve acesso, inclui na possibilidade de obras de renovação a manutenção/substituição dos sistemas de vácuo e gases medicinais, substituição de camas articuladas (e demais mobiliário clínico), a aquisição/substituição de equipamentos e aparelhos médico cirúrgicos, assim como de equipamentos de refrigeração para medicamentos e de sistemas de chamada de enfermagem.
Permite ainda que as instituições comprem novos carros de emergência, comprem novos ou substituam carros de medicação, de higiene, de tratamentos (roupas, limpezas, entre outros),melhorem os sistemas de alimentação elétrica e os sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado, assim como substituam janelas e portas exteriores, portas corta-fogo ou sistema de segurança e videoporteiro.
As intervenções podem ainda incluir obras na fachada ou pavimentos, instalação de painéis fotovoltaicos para autoconsumo, substituição de equipamentos informáticos, aquisição de elevadores de transferência (grua) e macas para cadáver.

No email recebido na quinta-feira por unidades do Norte, Centro e Lisboa e Vale do Tejo a que a Lusa teve acesso, as equipas coordenadoras regionais solicitam o preenchimento de um quadro com informações sobre as obras que as instituições identificam como passiveis de cumprir os parâmetros indicados, o custo estimado da obra e o tempo que demorara a concretizar, dando-lhes até hoje para responderem.
“Em vez de investimentos estruturais que, por constrangimentos temporais, não podem ser executados neste momento, esta abordagem privilegia intervenções prioritárias, exequíveis e alinhadas com os objetivos estratégicos de expansão e qualificação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI)”, refere a proposta.
Na semana passada, o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC) revelou que mais de 100 milhões de euros do PRR para a área dos cuidados continuados seriam desperdiçados porque há “enormes atrasos” e as obras não estarão concluídas a tempo, lamentando que o Governo “tenha incentivado as unidades a avançarem para obras mesmo sabendo dos enormes atrasos”.
Na segunda-feira, numa resposta enviada à Lusa, o Ministério da Saúde admitiu que havia instituições que tinham assinado contratos no âmbito do PRR para cuidados continuados que pediram a rescisão, num total que abrange mais de 870 camas.
Depois disso, na terça-feira, o ministro da Economia e Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, rejeitou no parlamento que Portugal estivesse atrasado na implementação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e mostrou-se convicto de que o país iria executar na totalidade as subvenções do pacote de estímulos europeus.
Já na quarta-feira, o presidente da ANCC questionou a previsão do ministro da Economia e insistiu que 100 milhões seriam desperdiçados devido a atrasos no setor que representa. A Lusa questionou os ministérios da Economia e da Saúde sobre esta proposta de reafetação de verbas, mas até ao momento não recebeu resposta.
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