As oito prioridades de Gabriel Bernardino na ASF

Estão indiciadas as prioridades do novo presidente da ASF. Promete ao mercado segurador simplificação administrativa e espera do Governo atitudes reformistas em áreas politicamente sensíveis.

O discurso de tomada de posse de Gabriel Bernardino como novo presidente da ASF foi um indicador das novas ou renovadas prioridades do supervisor dos seguros e fundos de pensões em Portugal. Complementa, agora de forma oficial, declarações prestadas aos deputados na quando da sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) da Assembleia da República e numa recente intervenção nos 80 anos do Instituto de Atuários Portugueses.

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Gabriel Bernardino: “Do poder político, espera-se liderança e coragem para enfrentar a “tragédia do horizonte”, que gera resistência a medidas com custos imediatos e benefícios futuros”.Hugo Amaral/ECO

Gabriel Bernardino saiu em 2011 do Instituto de Seguros de Portugal, hoje ASF, para concorrer e ser recrutado para lançar a EIOPA, o supervisor europeu. Neste seu regresso encontrou na direção seus antigos chefiados como Eduardo Farinha Pereira e Hugo Borginho. “A capacidade de um regulador cumprir a sua missão depende inteiramente do valor das suas pessoas“, disse acrescentando que “precisamos da sabedoria e da memória institucional dos mais experientes, e da energia e vontade de inovar dos mais jovens”.

Na administração com que vai trabalhar já vai encontrar Rui Baleiras, Diogo Alarcão e Paula Vaz Freire, “com quem terei o gosto e o privilégio de construir um caminho novo, em conjunto com toda a equipa da ASF, alicerçado nos valores do serviço público, da integridade e da transparência, e pautado por um diálogo construtivo e permanente com o mercado, os consumidores e a sociedade”, conclui.

Na tomada de posse, o ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento, focou desde logo temas a que estará atento no acompanhamento à ASF. Até 19 de dezembro quer a transposição da nova Diretiva de Recuperação e Resolução para o setor dos seguros. A “IRRD”, introduz um enquadramento europeu comum para a gestão de situações de crise em empresas de seguros e resseguros e, neste assunto, o ministro aproveitou para referir que espera “a determinação de não se repetirem atrasos do passado e de garantir uma transposição dentro dos prazos”.

Também a revisão da norma Solvência II foi destacada por Miranda Sarmento, pretende a transposição igualmente atempada da Diretiva europeia que altera a Diretiva Solvência II”, “a qual tem implicações profundas para a estabilidade do setor segurador”, disse.

Colocar poupanças e financiar empresas

Esta revisão de Solvência II, conjunto de normas em vigor que estabelece exigências de reservas e de capitais próprios das seguradoras para cobertura dos riscos da sua carteira, é vista como uma mudança face à atual situação, tida como muito conservadora, ao bloquear capital que poderia ser investido em ativos de longo prazo como infraestruturas, projetos verdes, PME e até capital de risco. Ajustar margem de risco e medidas de garantia de longo prazo para permitir maior investimento na economia real é o caminho que a EIOPA, supervisor europeu, está a seguir em alinhamento com o Green Deal da União Europeia.

Reduzir cargas de reporte de informação por parte das seguradoras

Utilizando a sua influência na Europa, depois de 10 anos a comandar a EIOPA, Gabriel Bernardino poderá acompanhar a forte pressão continental para que a regulação, e as suas inúmeras exigências de informação às autoridades de supervisão, não seja excessivamente onerosa para seguradoras pequenas ou simples – as chamadas SNCUs – small non-complex undertakings, que são a maioria das companhias a operar em Portugal. A par do reconhecimento do excesso de exigências de reporte das seguradoras às autoridades de supervisão europeias, as queixas específicas dos seguradores nacionais pelo elevado reporte a que são sujeitos pela ASF, também vai ser prioritária para Gabriel Bernardino: “Assumimos a simplificação regulatória como um objetivo estratégico, sempre salvaguardando a estabilidade financeira e a proteção do consumidor”, para esse fim promete “analisar o quadro regulamentar nacional para averiguar se os requisitos que excedem a base europeia se justificam pelo benefício que trazem, sem criar encargos desproporcionais que inibam a competitividade e a inovação”, disse.

Resolver a complexidade do Fundo sísmico

“Importa reconhecer que a questão da cobertura de fenómenos sísmicos é pertinente e merece ser analisada com atenção, sendo necessário ponderar de forma equilibrada a proteção das famílias, a estabilidade do setor segurador e das finanças públicas” salientou o ministro Miranda Sarmento na cerimónia de tomada de posse na ASF, acrescentando estar o seu Ministério “atento a esta matéria e continuando a acompanhar o seu desenvolvimento, em conjunto com a ASF”, disse.

O Fundo Sísmico, com projeto de legislação em apreciação no Ministério das Finanças (MF), é parte duma grande lacuna priorizada por Gabriel Bernardino, “a nossa falta de proteção contra catástrofes naturais, agravada pelas alterações climáticas”, disse. O novo presidente da ASF propõe uma solução, “inspirada em modelos internacionais de sucesso, passa por um sistema de responsabilidade partilhada entre o setor privado e o Estado”. Neste modelo, acrescenta, “alavanca-se a capacidade global do mercado segurador para cobrir a esmagadora maioria das perdas, e o Estado atua apenas como garante de última instância, assegurando uma recuperação mais rápida e pré-financiada que protege a estabilidade de todos”.

Embora ainda em apreciação, da proposta apresentada pela ASF ao Governo, em dezembro passado, vão-se conhecendo alguns detalhes e Gabriel Bernardino terá a maior importância na negociação dos pormenores, indispensáveis para tornar o fundo eficaz.

Informações recolhidas indicam que o projeto visa cobrir o risco de fenómenos sísmicos através de um sistema de cobertura nacional, o que inclui zonas de maior, médio e menor risco, assegurando dispersão e mutualização de risco. Deverá ser obrigatório para os detentores de seguros de incêndio e multiriscos habitação, comércio e indústria. Terá em consideração, para além da zona de risco, do tipo de construção e da severidade de cada sinistro, prevendo-se uma certificação sísmica de cada edifício, semelhante à certificação energética.

As questões sensíveis para o Fundo Sísmico são o financiamento e a governação. Não se sabendo o que foi proposto pela ASF, fontes próximas do tema indiciam que a proposta propõe um financiamento assegurado por um acréscimo no valor dos seguros – e possivelmente a sua obrigatoriedade, como no caso da Turquia. Neste país, como em alguns outros, em caso de sinistro as indemnizações seriam financiadas pelos segurados pelo valor da franquia, num segundo nível pelas seguradoras, num terceiro nível pelas resseguradoras internacionais e, num último nível, pelo Estado. Um sismo de 8,5 na escala de Richter com epicentro em Lisboa, poderá causar até 45 mil milhões de euros de prejuízos, foi agora revelado num estudo atuarial durante um evento realizado pelo Instituto dos Atuários Portugueses, mas 20 mil milhões é uma estimativa perfeitamente aceite, na atualidade, pelos envolvidos na conceção do Fundo.

Também a governação do Fundo é questão sensível, uma vez que tendencialmente acumulará volume elevado de capital. Casos semelhantes em Portugal, como o Fundo de Garantia Automóvel e o Fundo de Acidentes de Trabalho, são geridos pela própria ASF e – por desequilíbrio crónico e muito positivo entre receitas e custos – acumularam em décadas ativos de 600 milhões e mil milhões de euros, respetivamente, sobretudo investidos em Dívida Pública portuguesa. Um fundo sísmico já poderia estar há 15 anos a acumular capital, assim tivesse avançado quando quase se concretizou nos últimos tempos pré-troika.

Conquistar 70 mil milhões aos bancos para financiar pensões

Claramente um dos objetivos mais ambiciosos do novo presidente da ASF é desenvolver alternativas à segurança social pública. “Somos aforradores, mas não somos investidores de longo prazo”, disse no seu discurso de posse, “os resultados são um mercado de seguros que precisa de crescer 50% para atingir a média europeia, e fundos de pensões estagnados há mais de uma década”.

Considera os seguros e os fundos de pensões “pilares da resiliência das sociedades modernas, com uma dupla função: proteger o presente e financiar o futuro. Através da mutualização de riscos, funcionam como um amortecedor sistémico contra choques individuais e “o seu capital paciente, investido a longo prazo, é o motor do crescimento económico”, disse, salientando que “em Portugal, este papel já é vital, com os setores a gerir conjuntamente no final do ano passado cerca de 74 mil milhões de euros (seguradoras e gestoras de fundos de pensões) e a devolver anualmente 12 mil milhões à sociedade em indemnizações e pensões”.

Para Gabriel Bernardino “o custo desta inércia é uma imensa oportunidade perdida: mais de 70 mil milhões de euros que poderiam deixar os depósitos bancários de baixo rendimento para reforçar as futuras pensões dos portugueses e financiar a nossa economia”, disse.

Seguros mais simples e com comissões que não corroam a rentabilidade

A supervisão da conduta de mercado, vai aprofundar a análise do impacto real dos produtos e serviços nos consumidores, “assegurando uma proteção substantiva — que se materializa em resultados justos e adequados — e não numa mera formalidade”, afirma Bernardino. Coloca nas seguradoras o contributo decisivo para a confiança, diz-lhes para apostarem na transparência para superar o estigma das “letras miudinhas” e na formulação de novos produtos, “mais simples, com estratégias de investimento mais adequadas e comissões que não corroam a rentabilidade a longo prazo”, explica.

Comunicar bem e combater a crença “o Estado resolverá”

O novo presidente da ASF é decisivo ao considerar “as lacunas de mercado como um verdadeiro risco para a proteção dos consumidores, sobretudo os mais vulneráveis”. Daí afirmar “esta nova visão implica uma nova forma de comunicar: mais clara, mais próxima dos cidadãos e capaz de mobilizar a sociedade para a importância destes temas”.

A renovação do PEPP

O novo presidente da ASF batalhou enquanto presidente da EIOPA, pela criação do PEPP, o PPR Europeu, que não descolou. Para ser eficaz precisaria de harmonização fiscal e regimes fiscais nacionais favoráveis aderir, mas a grande barreira aconteceu no Parlamento Europeu quando aprovou um limite da comissão máxima de 1% ao ano sobre o capital acumulado, incluindo custos de gestão, administração e distribuição. Com esse limite o PEPP não é viável para quem os pode fornecer e os produtos PEPP não proliferaram. Agora esta obra de Gabriel Bernardino está em revisão na Europa.

Preparar o Open Insurance

Também uma revolução se espera com o Open Insurance, que está ser regulado na União Europeia. Semelhante ao Open Banking permitirá o acesso por novos operadores às apólices dos seguradores tradicionais, sempre com autorização expressa do segurado, facilitando a mudança de companhia para uma oferta melhor. É um processo complexo, interfere com RGPD, com ciber-segurança, com sigilo médico, mas é uma das matérias a que a Comissária Maria Luís Albuquerque quer concretizar no seu mandato na Comissão Europeia.

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