Portugueses entre os que mais ‘sofrem’ para pagar os seus impostos

A carga fiscal voltou a cair para 35,2% do PIB, mas Portugal é atualmente o sexto país da Zona Euro e o nono da União Europeia onde as famílias têm mais dificuldade para pagar os seus impostos.

Apesar de ser o sétimo país da Zona Euro com a mais baixa carga fiscal, Portugal é o sexto país onde as famílias têm mais dificuldade em cumprirem com as suas responsabilidades tributárias. Esta realidade resulta de uma análise que vai além do rácio entre a receita fiscal angariada pelo Estado face ao PIB (carga fiscal) e revela o verdadeiro peso dos impostos no orçamento familiar português.

Os dados divulgados na terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram que “o indicador de carga fiscal, correspondente ao rácio entre as receitas fiscais e o PIB, fixou-se em 35,2% (35,3% no ano anterior)”. Embora a carga fiscal tenha registado uma ligeira descida no último ano, a análise do esforço fiscal — que pondera a tributação com a capacidade económica real dos contribuintes — oferece uma perspetiva diferente sobre a pressão fiscal em Portugal sobre as famílias.

Se a carga fiscal mede quanto um país arrecada em impostos face à dimensão da sua economia, o esforço fiscal pondera essa arrecadação com a capacidade económica real dos contribuintes, medindo o “efeito que essa carga fiscal tem na disponibilidade de rendimentos dos cidadãos”, explica Carlos Lobo, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao ECO.

Assim, segundo cálculos do ECO, com base nos dados mais recentes do Eurostat e na evolução do PIB per capita medido em paridade do poder de compra (PPC), as famílias portuguesas têm de fazer um esforço 13% superior à média das famílias europeias para cumprirem com as suas obrigações fiscais, e 33% a mais que as famílias alemãs.

À frente de Portugal no esforço fiscal figuram apenas oito países entre os 27 Estados da União Europeia e cinco dos 20 países da Zona Euro, como França. Letónia, Eslováquia, Croácia e Grécia. Isto sucede “porque temos um baixo rendimento per capita”, explica Carlos Lobo.

Carga fiscal competitiva mas com elevado esforço fiscal

A crise financeira e o programa de ajustamento económico da Troika criaram um cenário onde Portugal necessitou de aumentar a receita fiscal num período de contração económica e estagnação dos rendimentos familiares, pressionando assim o esforço fiscal de empresas e famílias, particularmente neste período.

“O esforço fiscal em Portugal seguiu uma tendência de redução entre 1996 e 2010 e de aumento no período de implementação do programa de ajustamento económico e financeiro de 2011-2014”, referem os investigadores Manuel Correia de Pinho e Maria Manuel Pinho, no trabalho académico “Esforço fiscal em Portugal: uma avaliação no período 1995-2015”.

Esta combinação ajuda a explicar a atual situação, marcada por um país com carga fiscal elevada no contexto europeu e onde o esforço das famílias para cumprir as obrigações fiscais continua a ser desproporcionalmente elevado.

Somente ao longo da última década, o esforço fiscal dos portugueses apresentou uma tendência de crescimento, variando entre um nível de 11% (2013) e 18% (2021) acima da média dos países da Zona Euro.

“Portugal enfrenta uma situação de carga fiscal elevada e um esforço fiscal brutal”, destaca Pedro Leon, fiscalista e sócio-fundador da Ilya, ao ECO. Mas nem sempre foi assim. Até 2010, Portugal mantinha um esforço fiscal abaixo da média da União Europeia, muito por conta de uma máquina fiscal menos desenvolvida e agregadora (o portal e-fatura, por exemplo, está em funcionamento desde 1 de janeiro de 2013).

Embora a carga fiscal tenha diminuído ligeiramente no último ano em Portugal devido ao crescimento do PIB, o esforço fiscal em Portugal mantém-se elevado porque os rendimentos das famílias não acompanharam proporcionalmente este crescimento.

No contexto europeu, Portugal está longe dos melhores alunos, mas há uma série de países em pior estado. É o caso da Grécia, que continua a ser o país da área do euro com maior pressão fiscal. Não só apresenta uma carga fiscal acima de Portugal e em linha com a média da Zona Euro (38,9%), como continua a ser o país com o maior esforço fiscal das suas famílias da Zona Euro. Os contribuintes gregos fazem um esforço 48% superior à média europeia para pagarem os seus impostos.

No extremo oposto situa-se o Luxemburgo, onde o esforço que as famílias e as empresas fazem para pagar os impostos é 57% inferior ao esforço médio dos seus pares europeus. Este país demonstra como uma carga fiscal elevada (40,5%) pode coexistir com um esforço fiscal reduzido quando os rendimentos dos contribuintes são suficientemente elevados.

A mesma situação verifica-se na Alemanha e nos Países Baixos, que apesar de terem cargas fiscais em linha ou ligeiramente acima da média da Zona Euro, apresentam níveis de esforço fiscal significativamente mais baixos do que Portugal, justamente por estes países apresentarem um rendimento per capita (medido em paridade de poder de compra) bem acima de Portugal.

Já perto de um paraíso fiscal estão Malta e Irlanda, que além de terem cargas fiscais bem abaixo da média da Zona Euro (Malta 26,6% e Irlanda de 21,9%), o esforço fiscal dos malteses e irlandeses é dos mais baixos da área do euro. Estes países desenvolveram estratégias que permitiram atrair investimento e dinamizar as economias mantendo a tributação baixa, criando condições onde os rendimentos mais elevados sustentam os serviços públicos mesmo com menor pressão fiscal relativa.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Embora a carga fiscal tenha diminuído ligeiramente no último ano em Portugal devido ao crescimento do PIB, o esforço fiscal em Portugal mantém-se elevado porque os rendimentos das famílias não acompanharam proporcionalmente este crescimento. “Precisamos desesperadamente de nos focar no crescimento económico, no PIB per capita, porque desde o alargamento da Europa a Leste que o nosso PIB não cresce face ao que precisaríamos”, refere Luis Leon.

O mesmo alerta é feito por Carlos Lobo. “Toda a gente está a focar-se na receita fiscal e o que falta é a criação de riqueza. Diabolizamos o turismo, os projetos de energia, o alojamento local, fazemos com que tudo o que é gerador de riqueza seja diabólico”, salienta Carlos Lobo.

Apesar da reduzida informação ainda divulgada pelos países europeus em matéria de carga referente ao ano de 2024, que impossibilita uma comparação europeia mais completa, registou-se um decréscimo de 5% do esforço fiscal das famílias portuguesas em 2024 face a 2023, segundo cálculos do ECO. Trata-se do quarto ano consecutivo de redução do esforço fiscal em Portugal, que entre 2020 e 2024 baixou cerca de 29%.

Mais do que a carga fiscal em si, o que verdadeiramente importa para famílias e empresas é a eficiência fiscal — a capacidade de contribuir para o financiamento do Estado sem comprometer de forma excessiva a capacidade de consumo e investimento privados. Portugal mantém uma posição mediana na carga fiscal europeia, mas continua a exigir um esforço significativamente elevado dos seus contribuintes.

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