Estatísticas das fusões e aquisições só captam até 20% do mercado português, alerta KPMG
Líder de Advisory da KPMG, João Sousa Leal, diz que a falta de dados complica planos de investimento. Investidor Lourenço Mayer, da Lince Capital, descreve o país como "algo opaco" nesta área.
É um dos elefantes na sala das fusões e aquisições em Portugal. Afinal, quanto é que valem? Como é que está a evoluir, quantitativamente, o mercado transacional? Depende, porque os principais rankings internacionais só avaliam transações milionárias, não fazem a distinção entre negócios com subsidiárias ou ignoram os anúncios e esperam até à última etapa do negócio, quando é concluído, para o colocar nas tabelas.
O responsável de Advisory da KPMG, João Sousa Leal, estima que as estatísticas só representem um quinto do mercado transacional português. “Temos um problema com as estatísticas em Portugal. Acredito que só conseguimos captar no máximo 20% do mercado. É muito difícil saber o número de transações, a maioria das estatísticas não estão corretas e não mostram alguns negócios que são pequenos”, explicou o consultor no evento “M&A Headwinds and Horizons in 2025”, organizado pela Datasite. A barreira informacional, que não se vê noutros países, complica o trabalho dos assessores e os planos de investimento dos investidores.
Os últimos dados disponíveis, que compreendem os meses de janeiro e agosto, mostram que o mercado de M&A caiu tanto em número (374 negócios concretizados) como em valor (5,5 mil milhões de euros mobilizados) embora não inclua – por estar a decorrer – a compra do Novobanco pelo grupo francês BPCE por 6,4 mil milhões de euros, segundo a TTR Data. Sem uma radiografia completa, quem está por detrás nos negócios explica o panorama a partir do que está a acontecer nos bastidores.

O diretor de M&A da Sonae, João Miguel Pessanha, expôs três movimentos diferentes no mercado. Primeiro, “atividade normal” no private equity, com operações de venda, algumas saídas (exits) – especialmente de empresas investidas entre 2018 e 2022 – e aquisições apoiadas pelo Programa Consolidar do Banco Português de Fomento (BPF), cujo prazo termina no final do ano. Depois, as empresas de maior dimensão (corporate) a fecharem negócios “muito interessantes no sentido de diversificarem as suas fontes de receita”.
Exemplos dessa diversificação viram-se com os CTT, que compraram a empresa de logística para saúde Decopharma, com a operadora Nos e a tecnológica Claranet Portugal, o grupo Ageas (através da Médis) que comprou as 18 clínicas de fisioterapia da Esfera Saúde, ou a Semapa, que foi a Espanha adquirir a fabricante de estruturas metálicas em Imedexa por 148 milhões de euros. Por fim, João Miguel Pessanha elenca o impacto das grandes transações, cujo trabalho está a ser desenvolvido há vários anos, entre as quais o Novobanco e a Luz Saúde.
“Estamos a assistir ao conceito de buy and build [expandir operações através de compras] em que os fundos de private equity compram empresas portuguesas líderes e depois realizam várias aquisições de outras de menor dimensão do mesmo setor ou de um complementar”, acrescentou Francisco Proença de Carvalho, sócio fundador da Proença de Carvalho, destacando o dinamismo nos setores de transporte e logística, indústria e alimentação.
O advogado Francisco Proença de Carvalho, que se tornou célebre pelos processos de contencioso embora tenha começado a carreira em M&A, antecipa “boas condições para ter um quarto trimestre forte”, porque os últimos meses do ano costumam ser os mais importantes para os escritórios de advogados, mas reconhece que “neste ambiente” geopolítico e económico “não é fácil” fazer previsões.
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O valor é a peça-mestra deste puzzle ao ponto de ser considerado o principal dealbreaker (“quebra-negócio”) em território nacional. Os mais de 70 participantes na conferência votaram e não deixaram margem para dúvida: a maioria (74%) assinalou o desalinhamento de valor como o maior travão das operações. Seguiram-se as bandeiras vermelhas na due diligence (17%), os conflitos culturais ou de liderança (6%) e os obstáculos regulatórios e de compliance (4%).
“Portugal é opaco no M&A”
O investidor Lourenço Mayer, responsável de Fundos de Crescimento da Lince Capital, diz que alguns “dados contraditórios” que tornam Portugal num país “algo opaco em termos de M&A”, onde “nunca se pode ter a certeza dos números reais”. Todavia, garante que sente “o mercado quente” no terreno, sobretudo na indústria, que se está a transformar com os processos de deslocalização da produção para zonas mais próximas (nearshoring e reshoring) do globo. “Acredito que as sociedades de private equity e os investidores financeiros, em geral, têm níveis extremamente elevados de dry powder [capital disponível] e querem aplicar esse capital de forma atempada e cuidadosa”, sublinhou Lourenço Mayer perante uma audiência de assessores jurídicos e financeiros.
A compra de 75% do grupo Multimoto pela Salvador Caetano, da Padaria Portuguesa pelos espanhóis da Rodilla ou da Concremat também pela empresa ‘vizinha’ Cementos Molins, produtora de agregados, cimento e betão, foram três dos negócios destacados pela vice-presidente sénior de Vendas da Datasite. “Há um padrão bastante claro. Os investidores internacionais, sobretudo os espanhóis, continuam a ver Portugal como um mercado de crescimento muito estratégico”, referiu Nertila Asani, admitindo que “os investidores estão claramente mais seletivos sobre onde colocam o seu capital”.
E fora da diligência prévia, também há red flags? Várias, nomeadamente a situação política em França, e o seu impacto na Europa e em Portugal, o (des)valor do dólar para planos de investimento norte-americano deste lado do Atlântico, as tarifas dos Estados Unidos, a concorrência de outros mercados, sobretudo Espanha, e o futuro dos fundos.
“A questão é: o que vai acontecer no próximo ano, quando todos estes fundos estiverem totalmente comprometidos [valor com o qual os investidores contribuíram]? Os investidores financeiros são capazes de continuar a angariar fundos desta dimensão sem o apoio do BPF?”, perguntou Lourenço Mayer, da Lince Capital, à audiência no Hotel Four Seasons Ritz, em Lisboa.
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