Mais oferta é bom
Os incentivos no plano da habitação parecem ser os certos, deixando cair as medidas do lado da procura e apostando, no curto prazo, na atração de toda a oferta possível para o mercado,
Restam poucas dúvidas de que as novas medidas propostas pelo Governo para a habitação e arrendamento serão o tema desta semana. O plano é interessante e parece criar os incentivos certos para uma das grandes preocupações da população. Apoia a construção, ao mesmo tempo que atrai casas para o mercado de arrendamento, criando poucos incentivos negativos do lado da procura, já sobreaquecida.
Entrando no âmago das propostas, creio que estas podem alterar a forma de se legislar sobre este problema. Até agora, a maioria das medidas tentava criar incentivos do lado da procura e, quando se tentou resolver a questão pela oferta, a ideia passou por arrendamentos coercivos. Desta vez, estas medidas parecem, efetivamente, procurar aumentar a oferta de casas para arrendamento no mercado e fazem-no apenas excluindo aquilo que podemos chamar de arrendamento de luxo. Toda a oferta é bem-vinda.
Num mercado com preços galopantes, com pressão sobre as grandes cidades, é natural que falemos de escassez de oferta. Claro está que o país, como um todo, não terá falta de habitação, mas a maioria da habitação disponível encontra-se em locais onde a população não quer residir. Face à falta de oferta há duas soluções: construir mais e incentivar a colocação de mais casas no mercado.
Segundo números do + Factos, entre 2000 e 2004 construíram-se 104 mil fogos, enquanto entre 2015 e 2021 apenas se edificaram 12 mil. O problema existe, mas a resolução é, por natureza, de mais longo prazo. Ainda assim, medidas como a diminuição do IVA para a construção ou a facilitação de licenciamentos são essenciais. Da mesma forma, é fulcral que caminhemos para alguma estabilidade nestas regras, fator que contribuirá para a atração de investimento.
Desta forma, colocar casas no mercado, da forma mais imediata possível, tem de ser objetivo. Aumentar a oferta não contribui para aumentar os preços: é o bê-á-bá da primeira aula de microeconomia. Os preços não vão cair amanhã, na realidade, até podem mesmo nem cair: o importante é que deixem de crescer à velocidade a que estão a crescer. Se assim for, o plano cumpriu o seu propósito.
Infelizmente, esta não é a única falácia que tem sido atirada para o debate. Outra clarificação importante a fazer é a diferença entre incidência fiscal e incidência económica. Um imposto pode incidir fiscalmente num agente económico, mas é improvável que o custo real desse imposto seja suportado inteiramente por esse agente. Um IVA de 23% não é suportado inteiramente pelo consumidor, pelo que os produtores, reduzindo as suas margens, absorvem parte desse custo. A divisão entre agentes dependerá das elasticidades de cada um. Naturalmente, o mesmo acontece em situações análogas, mas inversas. A diminuição dos impostos sobre os senhorios não será definitivamente absorvida totalmente por estes. Numa primeira fase, sim, mas posteriormente, mais ou menos rapidamente, dependendo da eficiência do mercado, o ajustamento far-se-á.
Durante muito tempo, medidas do lado da procura contribuíram para agudizar o problema. Se queremos mais oferta, devemos agir do lado dos produtores, e estas propostas parecem sensatas, indo nesse sentido. Diria apenas que houve um grande ausente na sala: o papel do Estado da canalização dos seus imóveis para arrendamento. Continua a ser inaceitável que o Estado não tenha noção do seu património, o que, naturalmente, dificulta a sua ação.
Claro está que, estes planos ou conjuntos de medidas são como os melões: só sabemos se são bons depois de os abrirmos. Tudo isto até pode falhar, não resultar e os preços continuarem a subir loucamente, mas desta vez parece haver alguma racionalidade, o que é sempre de elogiar. Os incentivos parecem ser os certos, deixando cair as medidas do lado da procura e apostando, no curto prazo, na atração de toda a oferta possível para o mercado, bem como, no médio e longo prazo, através de mais construção. Agora, pede-se estabilidade e que terminem os tetos e as medidas ineficientes do passado. Não há panaceias para problemas complexos, mas pode ser que, desta vez, algo fique melhor.
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