Decisão do Supremo sobre Alojamento Local aumenta litigância e risco para os investidores
Os advogados contactados pela Advocatus consideram que a decisão do STJ pode provocar várias consequências, como o aumento de litígios e de riscos para os investidores.
Após decisões diferentes, em dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Porto, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu uniformizar a jurisprudência e bloqueou a possibilidade de coexistirem, num mesmo prédio, habitação permanente e temporária (para fins turísticos).
O acórdão do STJ, noticiado esta semana pelo jornal Público, nota que no “regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”. Os advogados contactados pela Advocatus consideram que esta decisão do STJ pode provocar várias consequências, como o aumento de litígios e de riscos para os investidores.
“A decisão do STJ foi tirada em uniformidade de decisões contrárias, pelo que embora não tendo valor de lei (isso é proibido), o que significa que nada impede o STJ de mudar de posição no futuro, o normal é pelo menos durante um período largo manter esta jurisprudência, o que implica que os tribunais inferiores (embora teoricamente possam divergir desta decisão) tenderão a seguir esta decisão”, explicou José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados.
Desta forma, os alojamentos locais em prédios de habitação não dedicados integralmente a este fim vão passar a ter muitas dificuldades em obter autorização, apontou o advogado.
Raquel Ribeiro Correia, consultora da Antas da Cunha Ecija, explicou à Advocatus que do ponto de vista dos litígios em curso, em que esteja em causa a mesma questão fundamental de direito, este acórdão do STJ pode vir a ter vários impactos.
“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, será sempre admissível recurso de uma decisão que venha a ser proferida contra a jurisprudência ora uniformizada”, começa por enunciar a advogada. Raquel Ribeiro Correia referiu também que “não será admissível recurso de um acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, proferido por qualquer Relação ou pelo STJ, do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, que seja conforme com a jurisprudência ora uniformizada”.
Desta forma, a consultora da Antas da Cunha Ecija acredita que esta decisão irá provocar um aumento nos litígios judiciais tendentes à “declaração de ilicitude da exploração, em regime de alojamento local, de frações autónomas integradas em imóveis cujo título constitutivo da propriedade horizontal indique que as mesmas se destinam a uso habitacional” e à “condenação dos condóminos em causa a cessarem tal exploração”.
Com o aumento da litigiosidade, Raquel Ribeiro Correia antecipa também consequências quer ao nível da diminuição da rentabilidade deste setor de atividade económica, quer do incremento da oferta de frações para uso habitacional.
“A implicação nos investimentos já efetuados é enorme e o aumento do risco para os investidores nestas situações também. Ou seja, esta decisão, a par da limitação de AL em vários municípios, como Lisboa, vem pôr o AL e todos os serviços adjacentes (construção e serviços de limpeza, etc.), em risco, invertendo o potencial económico e turístico que vinham cada vez mais tendo”, defende José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS.
A decisão do STJ acolheu a posição dos tribunais do Porto, que logo na primeira instância considerou “ilegal” a utilização de fração de um prédio, situado na zona da Sé, no Porto, para estabelecimento de alojamento local. Essa decisão foi confirmada pela Relação, que condenou os réus “a cessar imediatamente a utilização dada” e ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de 150 euros, desde a data do trânsito em julgado da sentença até à efetiva cessação da mesma.
“Esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça poderá traduzir-se na recusa de novos pedidos de registo de Alojamento Local em todas as frações autónomas destinadas a habitação, cujo destino habitacional conste do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal”, segundo Bernardo Marques, advogado associado da RSA. “Por outro lado, e ainda que a decisão não constitua uma revogação imediata de todos os registos de Alojamento Local concedidos a frações autónomas que se encontrem nesta situação, será de esperar um aumento significativo do número de pedidos de cessação do uso das frações para Alojamento Local interposto pelos demais condóminos com fundamento no uso diverso do fim a que se destina, com os consequentes impactos económicos que tal limitação pode provocar, atento elevado número de licenças na modalidade de Apartamentos concedidas”, concluiu.
O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, Eduardo Miranda, já se pronunciou e admitiu temer as consequências da mediatização desta decisão, mas não acredita que ela venha a provocar uma avalanche de processos, até porque a legislação atual já dá uma ferramenta simples aos condomínios.
“O que diz o acórdão é que nos conflitos que vão parar ao tribunal será dada preferência aos condomínios. Mas na lei de 2018 esse assunto acabou por ser em grande parte ultrapassado”, argumenta Eduardo Miranda. “A lei, justamente para evitar conflitos em tribunal, criou um mecanismo, chamado de oposição, que permite ao condomínio fazer um pedido de cancelamento, que é simples, gratuito e relativamente fácil”, acrescenta.
Sustenta ainda que apesar da nova legislação, foram poucos os pedidos de cancelamento. “Em quatro anos temos cerca de 50 pedidos, sendo que a maior parte ficou resolvido através da mediação. É perfeitamente irrisório o número de casos que vai para tribunal”, afirmou. Pelas contas da associação, há alojamento local em cerca de 60 mil apartamentos.
“São poucos os casos que hoje chegam a tribunal porque têm custos elevados, são morosos e o condomínio tem uma via mais fácil de fazer oposição”, insiste. “Acho que já há uma normalização do alojamento local na maior parte dos condomínios”, defendeu.
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