M&A e o papel da Comissão Europeia

  • Paulo de Almeida Sande
  • 24 Maio 2022

Se a ideia de proteger os negócios emergentes face aos grandes “players” é promissora, a incerteza ameaça investidores e empresários.

A globalização económica teve nas fusões e aquisições (“mergers and acquisitions” ou “M&A”) de empresas, desde pelo menos os anos 80 do século passado, um dos elementos mais relevantes, com um crescimento constante das operações e uma dimensão internacional que envolveu grupos e empresas de distintos espaços económicos.

As M&A são igualmente um importante veículo do investimento direto estrangeiro. As perspetivas de crescimento eram positivas há dois meses, mas voltámos a um período de incerteza.

Neste contexto, a avaliação do impacto de M&A (ou, em linguagem de direito da concorrência, “operações de concentração”) no desenvolvimento de uma concorrência efetiva torna-se cada vez mais importante. De facto, muitas são as consequências sobre a eficiência dos mercados e o seu equilíbrio. Neste plano, a avaliação do equilíbrio entre custos e benefícios de uma operação deve considerar, por um lado, uma maior eficiência, ganhos de escala e redução dos custos de produção e, por outro, o aumento de poder de mercado e a ocorrência de situações de ineficiência.

O direito europeu, um dos poucos exemplos de regulação e supervisão regional no plano internacional, contém regras claras de proteção de uma concorrência livre e equilibrada. No espaço da União Europeia, a Comissão Europeia é a instituição responsável por investigar práticas anti concorrenciais, operações de concentração e auxílios de Estado com dimensão europeia.

O normativo europeu na matéria assenta no Regulamento sobre as Concentrações da União Europeia n.º 139/2004 de 20 de janeiro e demais regras de execução.

Em função do volume de negócios das empresas em causa, uma operação de concentração pode ter de ser notificada à Comissão Europeia. Esta tem competência exclusiva para avaliar e decidir sobre os processos que excedam os limiares previstos no artigo 1º do Regulamento sobre Concentrações.

Uma operação de concentração ocorre quando uma ou mais empresas, de forma direta ou indireta, adquirem controlo sobre outra empresa, ou parte dela. Pode, como vimos, beneficiar as economias envolvidas, a economia europeia e a expansão dos mercados. Mas também pode levar a uma redução da concorrência. E é esse o papel da Comissão Europeia: avaliar os processos concentração de dimensão “comunitária”, do ponto de vista do seu impacto previsível sobre a estrutura da concorrência, seja onde for que as empresas envolvidas tenham a sua sede ou atividades, desde que tenham atividade e volume de negócios apreciável no território da União.

A Comissão pode igualmente, ao abrigo do artigo 22º do Regulamento, examinar operações de concentração a pedido das autoridades de concorrência dos diferentes Estados-membros, mesmo quando não ultrapassem os limiares estabelecidos, quando entender que afeta o comércio entre Estados-membros e ameaça afetar significativamente a concorrência no território do Estado-membro ou Estados-membros que apresentam o pedido.

O resultado da avaliação das operações de concentração pela Comissão pode ser uma aprovação incondicional, a sua proibição – por da operação poder resultar uma significativa redução da intensidade da concorrência no mercado interno, em particular em consequência da criação ou reforço de uma posição dominante no mercado ou mercados relevantes -, ou uma aprovação condicional, através da apresentação de compromissos.

Este é, no âmbito da União Europeia, um processo em permanente reavaliação. Em 2014, a Comissão publicou um documento com propostas para lidar de forma mais efetiva com a aquisição de participações sociais minoritárias sem controlo sobre a empresa, mas com eventual impacto na concorrência, e lançou uma consulta pública para melhorar o controlo de concentrações.

Em 2021, a Comissão procedeu a uma reapreciação da aplicação do mecanismo de remessa de processos dos Estados-membros à Comissão Europeia, no sentido de aceitar remessas de processos – estando preenchidos os critérios relevantes – quando o Estados-membro que apresenta o pedido não tem competência inicial sobre o caso.

Essa nova orientação respeita aquilo a que na gíria se chama “fusões assassinas” (killer acquisitions), isto é, a aquisição de empresas pequenas, em geral start-ups de setores como as tecnológicas ou as biotecnológicas, ainda sem um volume de negócios relevante e que por isso tendem a escapar ao radar da Comissão e das próprias autoridades nacionais, por empresas muito maiores, que dessa forma eliminam um potencial rival.

A ideia, da autoria de Margrethe Vestager, foi recebida com sentimentos mistos pelo mercado e pela própria comunidade start-up: se a ideia de proteger os negócios emergentes face aos grandes “players” é promissora, a incerteza ameaça investidores e empresários. A estratégia de saída de muitos dos criadores dessas “start-ups” consiste justamente em vender o negócio a uma grande empresa do mercado, talvez a par com o acesso aos mercados através de uma IPO (oferta pública inicial).

O novo rumo proposto pela Comissão pode pôr em causa aquela alternativa – e tornar o risco de lançar um negócio menos atrativo, tudo dependendo de como a nova filosofia (por enquanto ainda apenas uma orientação da Comissão) vier a consolidar-se.

  • Paulo de Almeida Sande
  • Sócio da Cruz Vilaça Advogados

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