A Corrupção favorece as ideias novas
A verdade é que o combate à corrupção deve ser visto numa perspetiva holística, muito para além da mera implementação de “papelada legalmente obrigatória”.
Se, por dinheiro, de um não se faz um sim, como escreveu Dante, com a cor que lhe é tão própria, a mera ideia de corrupção deve afligir-nos. E tanto mais quanto àquele “não” associemos uma certa ideia de bem. A intensidade de tal associação determina a nossa intolerância ou vulnerabilidade à corrupção.
Quando não se associe o cumprimento da lei com uma ideia de bem a tendência é a de se relativizar moralmente o comportamento de quem a contorna. Isto explica que em momentos de grandes transformações sociais e económicas é maior a incidência de corrupção em sentido amplo. É natural que assim seja quando as instituições ainda não se adequaram às novas práticas sociais e económicas; quando a economia anda mais depressa que a estrutura e complexo regulatório que a deve suportar. Nesses casos por incrível que pareça, a corrupção, dentro de certos limites e contextos históricos ou geográficos, pode funcionar ou ser aceite como um meio de desbloquear a economia e até de desencadear progresso. Pode “favorecer ideias novas”, para citar o aforismo de Pascoaes que dá título a este artigo. Seja pela eliminação em termos práticos da burocracia, seja pela permissão do empreendedorismo cuja vitalidade não se compadece com burocracias e excesso de regulação. Não é cinismo. Talvez nem seja maldade. É o que é. Assim parecem ter concluído alguns estudiosos do fenómeno como Nye ou Huntington.
Ora, a circunstância política e económica atual de Portugal e o estádio de desenvolvimento em que se encontra não permite, contrariamente ao que possa ainda suceder noutras paragens, que se reconheça à corrupção quaisquer aspetos positivos. Hoje, inseridos que estamos num contexto de sistemas democráticos, de economia aberta e de mercado tendemos a associar corrupção à destruição da legitimidade do sistema. É unânime entre nós, e na comunidade de países civilizados com quem queremos conviver, que o fenómeno prejudica o desenvolvimento da economia e a livre concorrência. É por isso que sentimos coletivamente a responsabilidade de assegurar um combate eficaz à corrupção, seja no setor público ou no setor privado. Não tanto porque sejamos hoje e aqui necessariamente melhores almas.
É neste contexto histórico de desenvolvimento que se deve enquadrar e compreender iniciativas como a da implementação do recente Regime Geral da Prevenção da Corrupção que veio obrigar as empresas a implementar planos de prevenção e gestão de riscos, códigos de ética e de conduta, programas de formação, canais de denúncia… impondo àqueles que o não façam pesadas sanções.
Os céticos, os pessimistas ou alguns míopes, tenderão a ver nesta iniciativa e noutras do género apenas medidas inúteis. Mais dificuldades. No limite para cobrar facilidades.
Há, porém, empresas que já o fazem, que desenvolvem ativamente processos de deteção de atividades suspeitas e investigação subsequente e que já o vinham fazendo há vários anos porque neles viam vantagens competitivas e reputacionais. A nossa experiência tem sido a de que a deteção de fenómenos deste tipo nas empresas lhes tem permitido evitar desvios de milhões de euros. Isto para não falar já na boa imagem e reputação pública de uma organização que se respeita a si e aos seus ao combater abusos. A verdade é que o combate à corrupção deve ser visto numa perspetiva holística, muito para além da mera implementação de “papelada legalmente obrigatória”.
Neste âmbito, os advogados nas áreas de sustentabilidade, compliance e forensics têm um papel incontornável. É que neste ponto não bastará o mero cumprimento de calendário imposto pela lei ou a mera elaboração de políticas mais ou menos personalizadas.
Apesar de ser necessário estar plenamente apetrechado para auxiliar as empresas numa resposta eficaz aos desafios da prevenção, acompanhamento e implementação dos processos internos destinados a alcançar o fim pretendido, nos prazos e segundo os requisitos impostos pela lei, é também preciso dar resposta àquelas empresas que se interessam e que estão verdadeiramente comprometidas na deteção e repressão da corrupção. Isso reclama disponibilidade de equipas multidisciplinares e de meios tecnológicos sofisticados (como data analytics e inteligência artificial). As sociedades de advogados têm, pois, que estar à altura do fenómeno e de oferecer bem mais do que a mera elaboração de minutas como o mero propósito de evitar sanções. Têm que dar mais que uma mera solução formal em matéria de corrupção. Para além de pedagogia, deve oferecer e garantir conhecimento especializado que resolva o problema na sua essência, apoiando as empresas na prevenção e combate efetivo dos fenómenos de corrupção e contribuindo para a sua boa reputação no mercado.
Se a corrupção favorece as ideias novas, no seu combate não se deve exigir menos.
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