A Colt, que em Portugal conta com cerca de 100 colaboradores, decidiu dar aos colaboradores a possibilidade de escolher de onde e como trabalham, com uma reunião uma vez por mês no escritório.
A Colt não tem dúvidas. O modelo híbrido de trabalho é o futuro não só para as empresas, como para países que se debatem com a desertificação do interior como é o caso de Portugal. “O modelo de trabalho híbrido é uma grande oportunidade para um país como Portugal resolver os problemas que tem com a interioridade”, defende Carlos Jesus, country manager da Colt Portugal e VP Global Service Delivery da Colt. Mas o Estado, diz o responsável da operadora, “tem de fazer a sua parte”.
A operadora, que em Portugal conta com cerca de 100 colaboradores, decidiu por isso dar aos colaboradores a possibilidade de escolher de onde e como trabalham, com uma reunião uma vez por mês no escritório. A companhia diz estar a acompanhar o debate em torno da semana de 4 dias e da flexibilidade de horários. “As empresas terão de mudar muito nesta área, se querem ter talentos e continuar a crescer. Essa será a única forma de serem bem-sucedidas no futuro”, considera o gestor.
Com três centros de competências em Portugal, nos planos da Colt não está a instalação de mais hubs no país. Conceito que as novas modalidades de trabalho estão também a mudar.
“Estamos a passar do modelo dos centros físicos que reúnem várias pessoas num espaço e localização específicos, para um modelo em que, recorrendo aos modelos de trabalho remoto, temos vários especialistas que podem estar em vários países e cada um deles sozinho num determinado país”, diz.
Adotaram um modelo flexível de trabalho dando aos colaboradores a liberdade de escolher onde trabalham e como trabalham. O que têm decidido os colaboradores? Preferem escritório, remoto…
Estamos realmente a experimentar um modelo híbrido em que os nossos colaboradores podem escolher se trabalham a partir de casa ou no escritório, e a quantidade de dias e horários em que o fazem. No entanto, reunimos pelo menos uma vez por mês toda a gente nos nossos escritórios, para permitir que as pessoas possam estar todas juntas, interagirem umas com as outras e colaborarem mais diretamente. Ainda que haja uma clara preferência pelo trabalho remoto, a verdade é que muitos dos nossos colaboradores estão a ir ao escritório pelo menos uma vez por semana. Esta flexibilidade, no entanto, não é possível nalgumas funções. No nosso ramo de atividade há funções – por exemplo, as que têm a ver com as intervenções ou implementações na rede on site – que não podem ser desempenhadas remotamente. Para essas equipas nada mudou, realmente.
Antecipam algum impacto na produtividade? Que procedimentos adotaram para garantir que há condições para manter a produtividade?
O impacto na produtividade é algo que varia bastante. Há funções e áreas em que claramente há um aumento na produtividade com os novos modelos de trabalho remoto, e outras em que nem tanto. Isto também está relacionado com o nível de experiência e maturidade dos colaboradores. Quem tem menos experiência, de uma forma geral, em trabalho remoto leva mais tempo a atingir os níveis de produtividade esperados. Falta-lhe o acesso à colaboração e partilha de conhecimento constante, o acesso à cultura da empresa que vem de estarmos todos reunidos no mesmo local a trabalhar ao mesmo tempo. Algo a que só é possível ter acesso quando se está a trabalhar fisicamente no escritório, e basicamente impossível de replicar em modo virtual.
A questão da cultura da empresa, da integração no seu seio e o vínculo de pertença a uma organização é algo que não é compatível com um modelo de trabalho remoto em exclusivo. Acredito por isso, que o modelo híbrido é o nosso futuro.
Também por isto, começamos a perceber que há uma clara necessidade de que nos dias em que os colaboradores vão ao escritório o façam com um propósito. Isto porque, por um lado mantém as pessoas motivadas para se deslocarem ao escritório, e por outro lado, como estamos a organizar estas idas em torno de ações de colaboração, formação e partilha de conhecimento ativos, o efeito é muito benéfico para todos, resultando também num incremento da inovação. De resto, é curioso, porque temos as próprias pessoas a quererem e a irem uma vez por semana ao escritório, e os vários colaboradores, das várias áreas, a fazerem coincidir a sua ida com a dos outros colegas. Atualmente, ninguém quer ir ao escritório para fazer calls ou desempenhar outras tarefas que pode fazer em modo remoto. As pessoas querem estar juntas para colaborar e para aprenderem umas com as outas. E isto é uma clara tendência, tão relevante quanto o trabalho remoto e o modelo híbrido e a flexibilidade do trabalho, e que de resto verificamos em todos os países onde estamos presentes.
Devo ainda salientar que a questão da cultura da empresa, da integração no seu seio e o vínculo de pertença a uma organização é algo que não é compatível com um modelo de trabalho remoto em exclusivo. Acredito por isso, que o modelo híbrido é o nosso futuro. O modelo híbrido, e encontrarmos níveis de equilíbrio entre os modelos remoto e físico.
Essa flexibilidade é já uma exigência dos candidatos? É argumento no momento de recrutar?
Sim, sem dúvida nenhuma. É de resto a primeira pergunta que as pessoas nos estão hoje a fazer quanto vêm a uma entrevista de recrutamento. Neste contexto, gostaria de sublinhar que a evolução para o modelo de trabalho híbrido é uma grande oportunidade para um país como Portugal resolver os problemas que tem com a interioridade, aproveitando para combater as assimetrias regionais e para alcançar uma maior coesão territorial.
As empresas estão a fazer naturalmente a sua parte, permitindo que os seus colaboradores possam trabalhar em modo remoto e estejam geograficamente dispersos. Mas para isto acontecer verdadeiramente e mudar radicalmente o país – para mais relativamente pequeno –, o Estado (entenda-se aqui autarquias locais, governos centrais e a própria UE) tem também de fazer a sua parte, e garantir que nas zonas mais interiores há bons acessos, boas comunicações, facilidade de acesso aos serviços essenciais, boas condições de vida e habitação… caso contrário, esta deslocação das pessoas em Portugal, irá dar-se – como já está a acontecer –, mas continuaremos concentrados na faixa litoral, preterindo as regiões mais interiores.
Este é um fenómeno que também acontece noutros países. Na Índia, por exemplo, e durante a pandemia, mais de 30% dos nossos colaboradores que trabalhavam nos escritórios nas grandes cidades, graças ao trabalho remoto, foram para outras zonas do país mais interiores. Agora não querem voltar e, se os forçarmos, vamos simplesmente perdê-los para outras empresas que lhes darão esta flexibilidade. Empresas, governos e países vão ter de saber lidar com isto e de criar as respostas necessárias, caso contrário a escassez de talento poderá vir a ser um problema ainda maior, e em vez de combatermos assimetrias estaremos a alimentá-las e a aumentá-las.
Que outras estratégias têm em marcha para concorrer pelo talento num setor de elevada procura e escassez de pessoas?
A questão da escassez de talento, apesar de agora estar muito na moda, é algo que já vem acontecendo há algum tempo. Nesse sentido, há já bastante tempo que temos vários projetos no terreno para lidar com esta situação e que passam, por exemplo, por alguns dos nossos grandes pilares a nível do nosso ADN e da nossa política de ESG. Destacaria, no pilar da inclusão, a criação de uma rede interna que temos vindo a construir para permitir que as pessoas com deficiências possam integrar a nossa pool de colaboradores através do trabalho remoto. Na vertente do combate à discriminação etária, já há algum tempo que a Colt se socorre de redes de recursos humanos onde estão reunidas pessoas que estando já reformadas querem, no entanto, continuar a trabalhar, ainda que em modelos mais flexíveis. Estas pessoas são talentos altamente qualificados, experientes, competentes e por isso muito valiosos, e de que qualquer empresa precisa – no Reino Unido, por exemplo, existe uma rede destas muito ativa e bem-sucedida. Em Portugal, que eu saiba, ainda não existe nada semelhante.
Há muito tempo que temos consciência que, enquanto sociedade, não vamos poder continuar a ter um horário e modelo rígido de trabalho igual para todos os colaboradores, desde logo porque as pessoas não estão disponíveis para isso. (…) Com toda a escassez de mão de obra que há, quem não fizer este shift irá ter sérios problemas.
Ainda na vertente do aumento do número de mulheres a trabalharem nas empresas, damos particular atenção ao tema da maternidade e da família – que, de resto, é uma área muito querida da nossa CEO – e, apoiando-se em modelos de trabalho flexíveis, que passam pelo trabalho remoto, mas não só, integra também estas pessoas nas suas equipas, oferecendo-lhes as condições necessárias para lidarem adequadamente com as suas vidas pessoais, mas sem perderem a sua vertente profissional.
Os modelos de trabalho estão a mudar muito profundamente e a pandemia e o trabalho remoto só vieram acelerar o inevitável: enquanto sociedade temos de olhar para o trabalho de forma diferente, e acima de tudo sem os preconceitos inerentes aos modelos de recrutamento e contratação mais tradicionais, que cada vez menos se compadecem com o futuro que as pessoas querem para si.
Algumas empresas estudam ou já avançaram para reduções do número de horas de trabalho: semana de quatro dias, oferta de sexta-feira… É uma opção?
Estamos a estudar toda esta temática da flexibilidade e, por inerência, dos horários de trabalho. Até porque na Colt, temos orgulho em estar sempre um passo à frente. Nesse sentido, já há muito tempo que temos consciência que, enquanto sociedade, não vamos poder continuar a ter um horário e modelo rígido de trabalho igual para todos os colaboradores, desde logo porque as pessoas não estão disponíveis para isso. Querem que os seus empregadores lhes deem condições para serem mais felizes, para poderem ter vidas pessoais/familiares mais equilibradas e, no momento, com toda a escassez de mão de obra que há, quem não fizer este shift irá ter sérios problemas. As empresas terão de mudar muito nesta área, se querem ter talentos e continuar a crescer. Essa será a única forma de serem bem-sucedidas no futuro.
Têm em Portugal três centros de competências. Há planos para instalar novos hubs?
Não temos nenhum plano para abrir mais nenhum centro de competência no imediato. Gostaria de salientar a propósito dos centros de competência que, em Portugal, passámos por todo um processo. Inicialmente tivemos de vender Portugal e não foi fácil. Esta situação foi sendo gradualmente ultrapassada até que a abertura do terceiro centro já aconteceu noutro registo.
Em relação aos centros de competência importa, contudo, referir que também este é um conceito que está a sofrer grandes alterações e que foi muito impactado pelo trabalho remoto e pela escassez dos recursos. Estamos a passar do modelo dos centros físicos que reúnem várias pessoas num espaço e localização específicos, para um modelo em que, recorrendo aos modelos de trabalho remoto, temos vários especialistas que podem estar em vários países e cada um deles sozinho num determinado país. Nós, por exemplo, temos muitas pessoas em Portugal a serem elas sozinhas responsáveis por determinada área. Há realmente uma mudança de paradigma.
Há uma crescente escassez e luta por talento, pelo que deve ser uma prioridade nacional a geração constante de novas polls de talento. Temos de qualificar, requalificar, mas também temos de ser capazes de atrair talento estrangeiro para Portugal e de o retermos.
Lisboa e Porto, sobretudo, têm sido objeto de anúncios de várias empresas que querem instalar centros no país. O que poderia ser feito a nível fiscal ou outro de modo a atrair mais esse tipo de investimento?
As ajudas fiscais são e serão sempre bem-vindas para qualquer empresa, e ninguém as recusará. No entanto, o mais urgente é que haja uma mudança nos processos de decisão e de atribuição dos apoios que o Estado coloca ao dispor das empresas, porque estes não se compadecem com o ritmo que têm de ter as decisões de negócio das empresas atualmente.
Em qualquer multinacional, o prazo entre uma tomada de decisão e a sua respetiva concretização tem um ciclo de tempo muito curto. Por exemplo, a abertura do nosso 2º centro de competência em Portugal entre o momento em que foi aprovado pelo Grupo e o da abertura do centro em funcionamento efetivo foi de três meses. No contexto atual é impossível fazer coincidir um ciclo destes com os prazos para uma empresa se candidatar e ver aprovados os respetivos apoios. Desde então, já nem pensamos mais no assunto e talvez por isso mesmo, muitas outras empresas não concorram, nem os utilizem. A UE e os governos dos nossos países deveriam repensar seriamente esta matéria.
Mas o sucesso não vive só de incentivos fiscais. Há uma crescente escassez e luta por talento, pelo que deve ser uma prioridade nacional a geração constante de novas polls de talento. Temos de qualificar, requalificar, mas também temos de ser capazes de atrair talento estrangeiro para Portugal e de o retermos. Se não o fizermos rapidamente, vamos perder a grande oportunidade que estes novos modelos de trabalho remoto nos trazem.
Depois de uma grande aceleração no setor tecnológico, de procura por talento e consequente aumento da pressão salarial, assistimos a processos de retração e corte de colaboradores. É um reajuste ou o inverno no setor tech começou?
Na Colt não temos nenhuma experiência de que assim seja, continuamos de resto a sentir a pressão da falta de talento.
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