Do remoto à sexta-feira livre. Como está o retalho a flexibilizar a forma como trabalha?
Setor que vive de trabalho presencial para manter as lojas abertas e a logística em pleno funcionamento, o retalho está a implementar modelos mais flexíveis de organização da jornada laboral.
Semana de quatro dias de trabalho, teletrabalho cinco dias por semana, sexta-feira à tarde livre. Não são apenas as tecnológicas a avançar para lá do modelo híbrido de trabalho. Também o retalho — setor que vive de trabalho presencial para manter as lojas abertas e a logística em pleno funcionamento — está a implementar modelos mais flexíveis de organização da jornada laboral. Continente, Jerónimo Martins, Ikea, El Corte Inglés e Leroy Merlin estão a ajustar. As grandes mudanças passam, quase sempre, pelo pessoal de escritório. No Lidl, já a partir de julho os colaboradores de escritório, caso queiram, podem trabalhar remotamente todos os dias da semana.
Em Espanha, a Desigual adotou a semana de quatro dias de trabalho para o pessoal do escritório sede (Barcelona) da retalhista de moda. Em Portugal ainda nenhum retalhista foi ainda tão longe ao nível de modelo de trabalho — nem a cadeia de moda espanhola em Portugal, já que esse modelo restringe-se a Espanha –, mas as cadeias não têm ficado indiferente à vontade dos colaboradores de uma maior flexibilidade na forma como trabalham.
O Lidl é um desses casos. A partir de julho, os trabalhadores de escritório da cadeia de supermercados alemã podem, caso assim o entendam, trabalhar os cinco dias da semana fora do escritório.
“Os últimos dois anos, apesar de desafiantes, foram a prova de que a confiança, a flexibilidade e o compromisso das equipas, independentemente do local de trabalho, mantiveram sempre um alto desempenho. Acreditamos que, com esta nova possibilidade, reforçaremos não só o nível de confiança nas nossas equipas, como conseguiremos continuar a ser diferenciadores, enquanto empregador de referência, sendo a primeira escolha dos nossos atuais e futuros colaboradores”, justifica Maria Román, administradora de recursos humanos do Lidl Portugal. Esta medida abrange cerca de 750 pessoas, de um total de 8.200 que emprega em todo o país.
O El Corte Inglés implementou um modelo de trabalho híbrido que pode ir de um a três dias no escritório. Ao todo estão abrangidas mais de 350 pessoas no grupo retalhista em Portugal.
O El Corte Inglés ouviu os colaboradores e avançou para medidas de maior flexibilidade. “No último ano, [o grupo] efetuou vários questionários no sentido de auscultar os colaboradores e perceber o que pretendiam quando surgisse a oportunidade de regressar ao escritório. Com base nesses questionários ficou definida uma maior flexibilidade e temos vários modelos implementados, muitos deles adaptados a cada pessoa”, começa por referir Susana Silva, diretora de pessoas do El Corte Inglés, à Pessoas. “De uma forma geral, implementámos um modelo de trabalho híbrido que pode ser desde 1 a 3 dias no escritório”, conclui. Ao todo estão abrangidas mais de 350 pessoas no retalhista em Portugal.
Os motivos para avançar com este tipo de medidas são simples e os resultados parecem ser positivos. “Pretendemos manter as nossas pessoas motivadas, através da responsabilização e confiança que lhes é dada. A produtividade aumentou, o absentismo reduziu e a rotação começa a estabilizar“, adianta Susana Silva.
A Ikea não tem dúvidas que o “teletrabalho veio para ficar em algumas funções e organizações”. E, adaptando-se aos tempos, também a cadeia sueca está a criar novas formas de organizar o trabalho, agora mais flexível e também ele híbrido.
“Com o fim da recomendação do teletrabalho também nós nos ajustámos e definimos um plano em que, de forma faseada e com um modelo de rotatividade entre os diferentes departamentos, regressámos a um modelo flexível. O objetivo é assegurar, nas funções que o permitem, que mantemos o equilíbrio entre a ligação humana e o espírito de equipa e colaboração que o espaço de trabalho físico nos permite, e o trabalho a partir de casa, onde tendencialmente haverá um maior e melhor equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional”, refere Cláudia Domingues, responsável de comunicação da Ikea Portugal, à Pessoas.
Neste modelo, cerca de metade do tempo é em teletrabalho, não existindo uma definição da quantidade de dias em trabalho à distância.
Na Ikea foi criado um valor fixo mensal para apoiar custos com o teletrabalho. Desde janeiro que a cadeia compensa com 30 euros brutos mensais os colaboradores que estão a trabalhar remotamente. Cerca de metade do tempo – para as funções elegíveis – pode ser exercido trabalho à distância.
A cadeia viu “com bons olhos a revisão da legislação do teletrabalho, por forma a ser possível trazer mais flexibilidade ao mecanismo e também alguma clareza nas condições mínimas a serem asseguradas por todas as organizações que decidam adotar este regime”, diz Cláudia Domingues.
Mas, para compensar os colaboradores em regime de trabalho à distância optou pela “criação de um valor fixo mensal, estimado com base na experiência local e também dos colegas em Espanha”, tornando “o processo mais simples para os colaboradores e com um menor peso administrativo para a organização”.
Assim, desde janeiro que a Ikea Portugal compensa com 30 euros brutos mensais os colaboradores que estão a trabalhar remotamente. Para ajudar a ajustar o escritório lá de casa às exigências do trabalho, tornando mais ergonómica e funcional a área de trabalho, “desde o início deste movimento decidiu oferecer a cada pessoa um kit que inclui secretária, cadeira, iluminação e acessórios para um melhor dia de trabalho remoto”.
Novas formas de organizar o trabalho que fazem com que na Ikea se olhe de modo diferente para o espaço de escritório. “Contamos manter um equilíbrio entre o trabalho nos escritórios e em casa. Para isso, os nossos escritórios e as lojas físicas são, cada vez mais espaços de reunião, partilha, cocriação e aprendizagem. Um lugar que permite uma abordagem de trabalho mais flexível e que é, ao mesmo tempo, inspirador e confortável, onde os nossos colaboradores se podem reunir e socializar. Ao mesmo tempo, trabalho de concentração ou puramente digital, pode ser executado de casa, com maior eficiência e com menor tempo e impacto ambiental causado pelas deslocações”, destaca Cláudia Domingues.
Na MC, desde abril que os trabalhadores de escritório em regime presencial têm agora uma nova opção ao seu dispor: a “FlexFriday”. Ou seja, caso decidam aderir, de segunda a quinta-feira trabalham mais uma hora diária e, com isso, têm a sexta-feira à tarde livre.
Desde 2018, que a dona do Continente implementou o programa “Flexiwork”, permitindo aos colaboradores trabalhar um dia a partir de casa, tirar licença sem vencimento, fazer uma gestão do seu horário flexível, passar de um horário full time para part time, mas este ano juntaram a sexta-feira à tarde livre nas opções de flexibilidade.
Vera Rodrigues, head of people da MC, não esconde que poderá ser o princípio de uma semana de trabalho mais curta na dona do Continente “O que estamos a discutir será um bocadinho aquilo que será uma semana de quatro dias de trabalho. É uma primeira porta e uma primeira forma de reorganizar o nosso trabalho, de forma a libertar parte do tempo“, reconhece, em entrevista à Pessoas.
Os motivos para estas mudanças são simples. “Numa altura onde tanto de se fala de guerra de talento, onde estamos numa fase de candidate lead market, temos de nos adaptar. Para ter as competências que preciso para desenvolver uma área de digital, de e-commerce ou uma área do Cartão Continente preciso das pessoas certas. E aí o território que compito é o mercado de trabalho todo, não é só a minha concorrência de setor”, refere a head of people da MC.
“Um dos desafios grandes que tenho é transformar o setor de retalho também mais sexy, mais apelativo do que outros com os quais também disputo o talento”, conclui.
Em 2021 a Jerónimo Martins aprovou uma Política de Trabalho Flexível, para responder às necessidades dos colaboradores de escritório. Apenas cerca de 3% da força de trabalho do grupo dono do Pingo (cerca de 1.000 colaboradores) é abrangida.
Na hora de implementar medidas de flexibilidade a Jerónimo Martins não é tão arrojada. No máximo, os colaboradores de escritório podem ter até dois dias de trabalho remoto. Motivo? “O Grupo Jerónimo Martins acredita firmemente que, no retalho, a presença física, mesmo para funções de escritório, prevalecerá sempre como regra devido à natureza das nossas atividades principais“, começa por referir fonte oficial do grupo dono do Pingo Doce ou do cash & carry Recheio.
“No entanto, a pandemia, os desafios da vida moderna, e as atuais possibilidades tecnológicas no que respeita ao local de trabalho, permitem-nos assumir um modelo de trabalho híbrido no Grupo, entendendo-se este como uma combinação entre trabalho presencial e remoto”, ressalva a retalhista.
Nesse sentido, “para facilitar a integração da vida profissional e da vida pessoal”, a direção executiva do retalhista alimentar aprovou, em 2021, a Política de Trabalho Flexível. “Esta política visa enquadrar soluções de trabalho flexível na organização para responder às necessidades dos colaboradores de escritório, e está alinhada com os desafios futuros do trabalho. No âmbito desta política são consideradas práticas como a flexibilidade no horário de entrada e saída, e o trabalho remoto (um dia de trabalho remoto, extensível a dois dias para algumas áreas funcionais)“, descreve fonte oficial do grupo.
Mas estas são medidas que, à semelhança do que sucede em outras cadeias de retalho, abrangem uma minoria de colaboradores. No grupo JM, o universo de colaboradores em teletrabalho em Portugal é de “apenas cerca de 3% da nossa força de trabalho — cerca de 1.000 colaboradores”, revela a mesma fonte oficial.
A Leroy Merlin também já avançou com um modelo de trabalho mais flexível: oferece aos colaboradores que trabalhem na sede em Alfragide e vivam a mais de 75 quilómetros a possibilidade de trabalhar de forma 100% remota e, aos restantes, até três dias por semana de trabalho à distância.
E para o pessoal de loja?
Com maior ou menor número de dias de trabalho remoto, o certo é que estas medidas de flexibilidade não se estendem às lojas. São, sobretudo, medidas de ajustamento da jornada de trabalho que se aplicam apenas ao pessoal de escritório. Políticas ditadas pela própria natureza das funções.
“Temos de assumir que as funções têm naturezas diferentes. Assumir com transparência. Qualquer um de nós compreende que um data scientist, a trabalhar na equipa do cartão Continente a fazer análises preditivas, consegue fazer esse trabalho a partir de casa, o colaborador que está na caixa tem de estar na caixa. Mesmo dentro do escritório temos públicos diferentes: temos pessoas em modelo híbrido – três dias no escritório e dois em casa –, outros estão 100% remoto e outros estão todos os dias no escritório. A equipa de facilities, que presta apoio aos colaboradores que estão no posto de trabalho, a sua função pressupõe estarem cá”, afirma Vera Rodrigues, head of people da MC.
Por isso, as lojas a cadeia de super e hipermercados da Sonae tem apostado noutro tipo de medidas. “Tentamos também colocar nas lojas medidas que possam compensar. Investimos muito num programa de renovação das nossas áreas sociais, das zonas de descanso e de lazer das pausas dos nossos colaboradores. Disponibilizamos, através do programa Transformar-te, comida gratuita, fruta, iogurte, pão, café. Temos programas de apoio a filhos de colaboradores que, por exemplo, ensinam a fazer código ou programação, a descobrir uma vocação profissional. Temos o programa ‘Colega Mudamos-te a Casa’, que renova a casa a colaboradores que precisem. Temos também um grande programa em parceria com a Cruz Vermelha (Somos Sonae), que permite apoiar, seja numa dimensão financeira, psicológica ou até apoio jurídico, colaboradores que precisem de alguma ajuda”, diz Vera Rodrigues.
Já a Leroy Merlin, para o pessoal de loja permite aos managers de operações de loja escolher até três dias de trabalho remoto por mês. E, desde este ano, todos os cerca de 5.800 colaboradores têm direito a mais um dia de férias, como revelou Ana Herrero, líder de desafio humano da Leroy Merlin em Portugal, em dezembro em entrevista à Pessoas.
A Jerónimo Martins destaca o Banco de Horas. “O Pingo Doce tem implementado o regime do Banco de Horas, que permite aos colaboradores das operações disporem de tempos adicionais de descanso como contrapartida pelo trabalho extra realizado além do período normal. Cerca de 27 mil colaboradores utilizaram esta medida”, diz fonte oficial.
Não podendo estender o teletrabalho ao pessoal de loja dos grandes armazéns, o ECI destaca outras opções para os profissionais na linha da frente. “Não deixamos de ser uma loja com horários de abertura e fecho fixos onde temos de ter os postos cobertos para atender os nossos clientes. Em todo o caso, temos feito bastantes mobilidades internas, dando a possibilidade de quem pede esta flexibilidade a consiga ter“, diz Susana Silva, diretora de pessoas do El Corte Inglés.
“A medida referente ao teletrabalho abrange unicamente as funções compatíveis com este modelo, pelo que os colaboradores de loja continuam o seu formato de trabalho normal, a assegurar o normal funcionamento das operações em todas as lojas e estúdios de planificação do país”, diz Cláudia Domingues, responsável de comunicação da Ikea Portugal.
Para o pessoal de loja, a Leroy Merlin permite aos managers de operações de loja escolher até três dias de trabalho remoto por mês. E, desde este ano, todos os cerca de 5.800 colaboradores têm direito a mais um dia de férias.
A Desigual — depois de avançar com a semana de 4 dias em Espanha — admitia que o próximo passo seriam as lojas. “Estamos confiantes que a implementação do sistema 3+1 na sede foi o primeiro passo no caminho para os modelos de trabalho do futuro. Agora, planeamos implementar alternativas para que todos os colaboradores das lojas, bem como as equipas de vendas e operações, também possam beneficiar desse equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, garantia na época Coral Alcaraz, people director da Desigual, à Pessoas.
“Queremos implementar melhorias para todos os colaboradores, inclusive para os grupos que, devido às exigências específicas das suas funções, não puderam aproveitar esse horário”, detalha. Por exemplo, avançar com iniciativas como ter mais de um fim de semana de folga por mês, antecipar as férias ou melhorar os turnos. Este plano, que Coral Alcaraz diz ser a médio prazo, está, “para já, em andamento apenas em Espanha”, não se aplicando aos 74 colaboradores da marca em Portugal.
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