“Asiatização” e salários baixos travam contratações no handling, dizem sindicatos

Falta de pessoal no handling é uma das causas para cancelamentos de voos. Sindicatos dizem que condições laborais não compensam a penosidade do trabalho. "Esta geração já não está para isso."

As últimas semanas têm sido marcadas por atrasos e cancelamentos frequentes nos aeroportos europeus, com imagens de longas filas e bagagens amontoadas. A responsabilidade tem sido atribuída quer aos próprios aeroportos, que estão a limitar o número diário de passageiros, quer às companhias áreas. Há um terceiro ator a quem tem sido apontado o dedo: os ground handlers.

O mesmo acontece em Portugal. Numa mensagem enviada esta semana aos trabalhadores, a comissão executiva da TAP afirma que cerca de 40% dos cancelamentos “têm origem no controlo de tráfego aéreo e no handling“, ou seja, as empresas que fazem a assistência em terra aos passageiros e carga. E qual o problema do handling? Pessoal insuficiente.

O alerta foi deixado no final de maio pelo Airports Council International, que representa as concessionárias de aeroportos, e a Airport Services Association, que agrega as empresas de assistência em terra. Num comunicado conjunto, as duas entidades assinalaram que “lidar com o súbito aumento e concentração do tráfego aéreo tem sido muito desafiante para os aeroportos e os seus parceiros operacionais, em particular para os ground handlers“, resultando em atrasos e cancelamentos. “A principal razão tem sido a impossibilidade de reforçar o pessoal para os níveis capazes de acomodar o aumento do tráfego de passageiros“.

Em Portugal, o handling é feito quase na íntegra pela Groundforce, que presta serviços à TAP (que é também acionista com 49,9%) ou ao grupo IAG, e pela Portway, que trabalha com low-cost como a EasyJet e a Transavia, mas também para companhias de bandeira como a Turkish Airlines ou a TAG.

Fernando Henriques, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava) com responsabilidade pela Groundforce assegura que esta semana “o movimento de chegadas e partidas no Humberto Delgado é superior ao da mesma semana de 2019″. A diferença é que a empresa tem menos cerca de 400 trabalhadores do que tinha nessa altura, diz. “Não há trabalhadores suficientes.”

Tal como noutros países europeus, é difícil arranjar quem ocupe as vagas disponíveis. “Não se consegue contratar em volume suficiente“, assegura o dirigente do Sitava”. E porquê? “O salário, pouco acima do salário mínimo, não compensa a penosidade”, sintetiza Fernando Henriques. “Muitos ficam duas ou três semanas e depois desistem. “, acrescenta. Com uma agravante: entretanto foi preciso dar formação, fornecer uma farda e pagar o cartão de acesso ao aeroporto, que ronda os 50 euros.

As pessoas não ficam porque é um part-time, a fazer um trabalho de estiva, a carregar bagagens com este calor todo. Esta geração já não está para isso. Socialmente já não é apelativo.

Fonte oficial do Sintac

“As pessoas não ficam porque é um part-time, a fazer um trabalho de estiva, a carregar bagagens com este calor todo. Esta geração já não está para isso. Socialmente já não é apelativo“, afirma fonte oficial do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (Sintac), que é a par do Sitava o maior sindicato da Portway. “Com pleno emprego, podendo escolher, quem é que vai escolher o aeroporto”, diz também Fernando Henriques.

O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (STTAMP) também aponta, num comunicado do início deste mês, “a penosidade” e o “excesso de trabalho suplementar”, bem como a “utilização frequente de horários desumanos a que os trabalhadores estão sujeitos, com o regresso lento, mas perigoso das monofolgas [turnos sucessivos de três dias com um dia de folga pelo meio] sem que seja considerado o imprescindível tempo de descanso e conciliação com a vida familiar”. Fernando Henriques acrescenta a falta de estacionamento para os trabalhadores, que na sua maioria moram muito longe do aeroporto, com a opção pelos parques da ANA a representar um custo insustentável.

A precariedade é outra razão apontada. O recurso a empresas de trabalho temporário é frequente. A fonte oficial do Sintac estima que seja essa a realidade para cerca de metade dos trabalhadores da Portway, que é detida pela ANA. O STTAMP também critica “a utilização de empresas de trabalho temporário para suprir necessidades que são claramente permanentes, a contratação direta de trabalhadores em regime de part-time e a consequente utilização desenfreada e por vezes desumana do trabalho extraordinário, que são indicadores inequívocos da ‘asiatização’ que se apoderou deste setor“.

“O facto de a segurança e os trabalhos de assistência em terra terem estado durante muitos anos no ponto mais baixo da escala salarial e envolverem turnos de sete dias por semana é uma desvantagem clara na atração de pessoas num ambiente inflacionário”, reconhecem a Airports Council International e a Airport Services Association.

Anos de liberalização desencadeados pela diretiva comunitária sobre ground handling resultaram numa espiral descendente que se tornou social e operacionalmente insustentável.

Comunicado da Airports Council International e da Airport Services Association

Os patrões também criticam a desregulamentação. “No que toca à assistência em terra, anos de liberalização desencadeados pela diretiva comunitária sobre ground handling resultaram numa espiral descendente que se tornou social e operacionalmente insustentável. Se os baixos salários e o comprometimento da qualidade do serviço já eram uma preocupação antes da pandemia, são agora o problema principal, com impacto no sistema de aviação”.

A dificuldade em conseguir trabalhadores na Groundforce também é abordada no comunicado do STTAMP. O sindicato aponta a dificuldade no recrutamento e fixação de trabalhadores “após o despedimento de centenas no início da pandemia”, que atribui à “falta de fatores de atratividade para as profissões do setor porque as empresas não investem ou investem pouco na fixação de ativos humanos”.

Fernando Henriques sublinha que o facto de a empresa, detida em 49,9% pela TAP, estar em processo de insolvência (embora com um plano de recuperação em marcha) impede-a de fazer contratos sem termo. Alguns trabalhadores foram, entretanto, contratados pela Groundforce com a promessa dos administradores de insolvência de virem a entrar para os quadros quando o plano estiver concluído.

A comissão executiva da TAP diz na já citada mensagem aos trabalhadores que a Groundforce “desencadeou um plano de contingência para reter e recrutar mais trabalhadores e equipamentos“. O ECO tentou contactar os administradores de insolvência, mas não teve resposta.

O dirigente do Sitava afirma, no entanto, que os problemas não se resumem à falta de pessoal. A companhia aérea portuguesa está a operar “mais aviões a granel em vez de contentorizados, o que exige muito mais pessoal”. Uma aeronave em que a bagagem é colocada em contentores pode ser carregada e descarregada com dois operadores, enquanto uma a granel exige até seis, explica. Os aviões em causa são os ATR, Embraer, A320 e A321.

A configuração e saturação do Humberto Delgado também dificulta o handling. Fernando Henriques diz que os autocarros que levam e trazem os passageiros dos aviões podem demorar até 30 minutos a fazer o trajeto se tiverem de esperar por descolagens ou aterragens, pelo facto de terem de passar na pista, o que não acontece noutros aeroportos. Outra situação que diz ser frequente é os passageiros que têm de regressar à porta de embarque, devido à alteração do voo, não o poderem fazer porque ela entretanto foi ocupada, obrigando a que “fiquem largos minutos a circular dentro dos autocarros”.

O dirigente sindical considera que as bagagens perdidas vão continuar a amontoar-se. “Não há capacidade de resposta para enviar as bagagens para o destino. É preciso abrir um processo, contactar o passageiro, confirmar a sua localização e fazer a expedição da bagagem. O que por sua vez depende da capacidade de tráfego”. “É um efeito de bola de neve que se vai prolongar por muito tempo“, prevê.

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