Medway reforça-se em Espanha enquanto há atrasos em Portugal
Transportadora ferroviária de mercadorias lamenta incoerência de apoios para transição energética em Portugal, por comparação com Espanha. Atrasos nas obras adiam novo terminal em Famalicão.
Mais de seis anos depois de comprar a CP Carga, a Medway aposta cada vez mais no mercado espanhol para crescer no negócio de transporte de mercadorias por comboio. Ao mesmo tempo, em Portugal, a empresa sofre com os efeitos da crise energética, lamenta a falta de apoios para a transição dos meios de transporte e está a ser penalizada pelas obras do Ferrovia 2020.
Os impactos da crise energética são a principal preocupação da empresa na atualidade. “Os custos com energia elétrica subiram 350% em comparação com os praticados até ao final de 2021”, estima o diretor-geral da Medway. Bruno Silva assinala que o aumento do preço da eletricidade foi “muito superior” ao do gasóleo, que ainda é utilizado em algumas das locomotivas da empresa do grupo MSC.
“Tivemos de repercutir alguma parte do aumento desses custos nos nossos preços. Caso contrário, colocaríamos a empresa numa situação insustentável. Outra parte dos aumentos teve de ser assumida por nós, de forma a minimizar o impacto para os nossos clientes”, detalha o gestor, em entrevista ao ECO.
Ainda no campo energético, a empresa lamenta que não tenha sido possível aceder a apoios equivalentes aos que existiram para o transporte de cargas por camiões, como o desconto nos combustíveis pelo regime do gasóleo profissional.
O único apoio que existe é para o transporte rodoviário de mercadorias, apesar de o Fundo Ambiental contar com uma dotação de quase mil milhões de euros. Não há qualquer apoio para a migração da quota modal.
Por usar as linhas de comboio, a Medway também tem de pagar uma taxa, sem descontos, junto da Infraestruturas de Portugal, uma espécie de “portagem ferroviária”. Nas portagens das ex-SCUT, pelo contrário, os veículos pesados de mercadorias têm vários mecanismos de redução de preço.
A diferença de tratamentos leva o responsável a criticar a incoerência do Governo português. “O único apoio que existe é para o transporte rodoviário de mercadorias, apesar de o Fundo Ambiental contar com uma dotação de quase mil milhões de euros. Não há qualquer apoio para a migração da quota modal”, lamenta.
Em Espanha, contrapõe, “há largos apoios para a migração modal e um apoio não discriminatório para suportar parte dos aumentos do custo da energia, que no caso do diesel são iguais para a rodovia e ferrovia”. “Por termos menos visibilidade podemos sair penalizados quando se discutem estas matérias. Mas é importante que haja esta coerência”, completa.
Compra de material em equação
O diretor-geral da Medway assinala que “em Espanha há muito mais procura do que oferta”. Bruno Silva nota que 70% dos fluxos ferroviários na fronteira são de comboios de e para Espanha, embora apenas 4% das mercadorias sejam transportadas sobre carris dentro do país. Mesmo assim, o “Estado espanhol percebeu que o transporte ferroviário pode baixar os custos para a sociedade e criou um plano de incentivos. Em Portugal, não há nenhum plano”, lamenta.
As ajudas no país vizinho também reforçam a ambição de liderar o transporte de cargas por comboio na Península Ibérica, onde conta com uma quota de 30%. Por causa disso, já mostrou interesse em ser parceira estratégica da unidade de mercadorias da Renfe (congénere espanhola da CP), que procura um sócio desde o início do ano.
Perante o crescimento da procura do mercado, a companhia ferroviária alugou cinco locomotivas elétricas à Stadler – usadas apenas em Espanha – ainda antes da chegada das 16 unidades da série Euro6000, que vão começar a circular entre o final de 2023 e os primeiros meses de 2024. Na encomenda também estão 113 vagões, fabricados pela Tatravagonka.
Mas os números podem ser insuficientes. “Após 2024 vamos achar que estes meios começam a tornar-se insuficientes”, antecipa.
Libertação do material da CP
Quando a CP Carga foi privatizada, a Medway ficou com quatro locomotivas da série 5600 (que reboca as carruagens dos comboios Intercidades) e ainda decidiu alugar outras cinco até ao final de 2026. A empresa do grupo MSC assume que não quer prolongar o aluguer o material e admite mesmo libertar-se das outras cinco locomotivas.
“Será interessante para a CP incorporar estas locomotivas para reforçar material no longo curso e foram desenhadas para circularem a 200 km/h. São menos eficientes no transporte de mercadorias do que as locomotivas que comprámos, com mais 40% de capacidade de tração”, explica Bruno Silva.
A intenção de devolver material circulante também poderá melhorar a gestão dos trabalhos nas oficinas. “Será pouco interessante para um operador ferroviário ter muitas séries com muito poucas unidades”, acrescenta. Atualmente, a Medway conta com oito séries de locomotivas, das quais três são elétricas.
Atrasos nas obras ferroviárias adiam novo terminal
Outro dos grandes projetos da Medway passa pela construção do terminal ferroviário de mercadorias em Famalicão, num investimento de 63 milhões de euros. Com 220 mil metros quadrados, o complexo terá capacidade para acomodar o equivalente a 11 mil contentores. As obras deveriam ter começado no início do segundo semestre e o complexo deveria começar a funcionar no início de 2023.
“Ainda não arrancámos com as obras. O processo tem sido mais demorado do que esperávamos, devido à complexidade do projeto de engenharia do terminal”, assume.
Os atrasos também devem-se ao alinhamento do calendário “com as obras do Ferrovia 2020” entre Espinho e Gaia, que apenas ficarão concluídas no primeiro trimestre de 2023, segundo os dados da Infraestruturas de Portugal. Na apresentação do plano, em fevereiro de 2016, as obras no troço estariam concluídas no terceiro trimestre de 2019.
“Se tivermos o terminal pronto demasiado cedo e não fizermos passar comboios suficientes, não conseguimos rentabilizar o investimento como pretendemos”, alega Bruno Silva.
Os atrasos no programa de investimentos Ferrovia 2020 também estão a condicionar o crescimento da Medway em Portugal. “Temos muitas obras a decorrerem em simultâneo na rede e isso causa enormes impactos a nível de limitação de canais disponíveis e imputa mais restrições à circulação. Tem tido um impacto relevante na nossa atividade e nos nossos custos para conseguirmos realizar os comboios”, conclui.
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